A CINEMÁTICA DO TRAUMA E O ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR EM OCORRÊNCIAS COM ARTEFATOS EXPLOSIVOS
Elias Antônio Ferreira Junior
Gerson Alves Franco
Henrique de Souza Lopes
RESUMO
As lesões por artefatos explosivos, que eram comuns em tempos de guerra, estão se tornando mais presentes no cotidiano da civilização por meio de ações terroristas e criminosas. Conhecer o mecanismo dessas lesões após o processo da explosão ajuda na elaboração de protocolos de atendimentos pré-hospitalares que aumentam a sobrevida e diminuem o risco de agravar as lesões das vítimas. Então, por meio de uma revisão bibliográfica, o objetivo deste estudo é identificar a cinemática do trauma e recomendar procedimentos no atendimento pré-hospitalar em lesões com artefatos explosivos. Foram identificadas as fases da cinemática do trauma nas quais verifica-se o impacto da onda de choque, o impacto de fragmentos, o impacto do corpo nas estruturas, impacto resultante e a intoxicação por produtos perigosos. Cada fase apresenta lesões específicas, sendo as mais comuns o barotrauma pulmonar, ruptura do tímpano, hemorragias por amputações e queimaduras. A partir desse ponto, procedimentos básicos foram recomendados para o cuidado imediato das lesões provocadas, utilizando recursos e técnicas atualizadas.
Palavras-chave: Cinemática do trauma. Atendimento pré-hospitalar. Lesões. Artefatos explosivos.
THE KINEMATICS OF TRAUMA AND PRE-HOSPITAL CARE IN OCCURRENCES WITH EXPLOSIVE ARTIFACTS
ABSTRACT
Injuries from explosive devices were common in times of war and now are becoming more present in the modern civilization through terrorist and criminal acts. Knowing the mechanism of these injures after the explosion process helps in the development of prehospital care protocols that increase survival and decrease the risk of worsening the victims' injuries. Then through a bibliographic review, the objective of this study is to identify the kinematics of trauma and to recommend procedures in the prehospital care in lesions with explosive devices. The kinematics stages of the trauma were identified in which were verified the impact of the shock wave, the impact of fragments, the impact of the body on structures, the resulting impact and the intoxication by dangerous products. Each phase presents specific injures, the most common being pulmonary barotrauma, tympanic rupture, amputation bleeding and burns. From this point basic procedures were recommended for the immediate care of the lesions provoked, using resources and updated techniques.
Keywords: Kinematics of trauma. Prehospital care. Injuries. Explosive devices.
1 INTRODUÇÃO
Há um consenso entre os autores que as lesões por explosão, antes relacionadas somente aos períodos de guerra, estão se tornando cada vez mais comuns no mundo civilizado, principalmente pelas ações terroristas e ações criminosas no roubo a bancos.
Quando se tem o termo ameaça de bomba, ninguém quer estar à mercê, pois sem dúvida será um fator que trará pânico, desespero ou senão, o ápice do temor, caso esteja em contato no momento prévio à efetiva explosão do artefato. Além de fatores que geram toda preocupação no que tange o atendimento pré-hospitalar, temos que levar em conta todo dano da estrutura do local e o restabelecimento da normalidade.
Exemplo disso é o atentado na cidade de Boston, que em 2013 foi alvo de um ataque terrorista que feriu mais de 200 pessoas, deixando 3 mortos, dentre os quais uma criança de 8 anos. Os detalhes do FBI eram que as bombas foram feitas com panela de pressão, cheias de fragmentos de metal, pregos e rolamentos, tudo inserido em mochilas pretas. O chefe da polícia de Boston considerou que o ocorrido foi planejado por engenheiros poderosos. (PEREIRA, 2018)
O Brasil, por mais que seja um país com boas relações com países que estão em guerra ou com zonas de conflito, não está imune a esses casos. Existe um notório aumento do uso de artefatos explosivos nas ações criminosas em vários estados brasileiros.
Na pequena cidade de Bom Sucesso, norte do Paraná, um suspeito de participar do assalto junto com outros quatros homens ficou gravemente ferido após a explosão de um caixa eletrônico. Segundo a Polícia Militar ele foi atingido por fragmentos que causaram a amputação de uma perna e um braço. E ainda sofreu queimaduras resultantes do processo da explosão. (G1, 2018)
Em outro caso, em abril de 2018, na cidade de Piên, Região Metropolitana de Curitiba (PR), um grupo de 15 homens, dividido em quatro veículos, explodiu caixas eletrônicos. Na fuga, um homem que fazia entrega de jornal foi morto pelos criminosos. (LIMA, 2018)
Eventos que muitas vezes acontecem sem avisos prévios e exigem resposta imediata das equipes de socorros, forças de segurança pública, e todos os recursos materiais e humanos necessários para controlar o evento e manejar vítimas.
Por isso investigar as prováveis lesões que podem ocorrer em explosões contribui substancialmente para a elaboração de estratégias de abordagem e protocolos de atendimentos ao trauma, com o objetivo de diminuir a mortalidade imediata e os riscos de agravamento das lesões.
Então o objetivo deste estudo é identificar a cinemática do trauma e recomendar procedimentos no atendimento pré-hospitalar em lesões com artefatos explosivos.
2 METODOLOGIA
O estudo trata-se de uma revisão de caráter descritivo com uma abordagem qualitativa. Foram utilizados como objeto de estudo produções científicas publicadas na base de dados virtuais Scielo, Medline, Lilacs e Bireme. O período de busca compreendeu o ano de 2018 e se estabeleceram como universo de análise os trabalhos publicados nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola sobre traumatismo por explosivos, artefatos explosivos, lesões e ferimentos por ondas de choque e atendimento pré-hospitalar ao trauma. Em relação ao tipo de texto publicado, foram incluídos todos os que se encontravam em forma de artigo, dissertações de mestrado, revisão crítica, atualização de manuais, resultados de pesquisa de natureza empírica e experimental ou conceitual, estudos de caso, análises e avaliações de tendências teóricas metodológicas do comportamento dos artefatos explosivos e atendimento ao trauma.
O presente trabalho envolve a leitura dos artigos, de modo que requer uma abordagem que privilegie a compreensão do fenômeno estudado. Portanto, a análise documental é utilizada como técnica principal de retenção de dados, contudo, o processo de análise de dados do trabalho foi pela apresentação dos resultados encontrados, seguido das interpretações, para identificar as prováveis lesões decorrentes das explosões de artefatos explosivos em diversos cenários e o tratamento inicial ao trauma como forma de resposta.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Todas as produções científicas foram utilizadas para a criação de um modelo adaptado da cinemática do trauma envolvendo artefatos explosivos. Para as recomendações de procedimentos no atendimento ao trauma foi utilizado como base o livro Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado (PHTLS1) 8ª Ed (2016) e o conhecimento técnico-profissional dos autores deste estudo.
A partir deste ponto, foram selecionadas e descritas abaixo as produções identificadas com dados mais relevantes para corroborar a proposta da cinemática do trauma.
Nos incidentes de desastres em massa envolvendo explosões, três zonas concêntricas são identificadas: o epicentro da explosão, o perímetro secundário e a periferia da explosão. No epicentro da explosão (zona de morte), os sobreviventes provavelmente são mortalmente feridos, é provável que haja capacidades técnica de resgate e remoção e suporte avançado de vida, e uma proporção alta entre as vítimas e o atendimento médico é necessário para todos os sobreviventes. No perímetro secundário (zona crítica de baixas), os sobreviventes terão múltiplas lesões, e é necessária uma capacidade padrão de resgate e triagem adequada entre as vítimas e o atendimento médico. Na periferia da explosão (zona de feridos que podem deambular), a maioria das vítimas terá lesões e trauma psicológico não fatal, não há necessidade de resgate e é necessário suporte básico de vida e autoajuda. (MADSEN, 2018)
Quando acontece uma detonação e a propagação da onda de choque, muitos danos podem ser causados em estruturas, no solo e em seres humanos. São dois os efeitos sobre as pessoas: diretos e indiretos. Os efeitos diretos, ou primários, estão relacionados com as variações de pressão geradas pela detonação da carga. Os efeitos indiretos podem ser subdivididos em secundários, terciários e diversos. Os secundários envolvem lançamentos de projéteis oriundos da própria explosão. Os efeitos terciários estão diretamente ligados à aceleração ou desaceleração que o corpo humano pode atingir, quando submetido a uma onda de pressão ou quando desacelerado bruscamente ao impactar com alguma barreira. E, por fim, os efeitos diversos envolvem as radiações térmicas e as nuvens de areia, sendo considerados insignificantes em explosões convencionais, porém em eventos de grandes proporções podem causar intoxicações, lesões agudas e crônicas severas do sistema nervoso e respiratório. (KING, 2006)
Já para Costa (2007), as lesões podem acontecer em três momentos após a explosão. O primeiro é gerado pela onda de pressão proveniente da explosão, atingem particularmente órgãos ocos ou contendo ar, como pulmões e aparelho gastrointestinal. Pode ocorrer sangramento pulmonar, pneumotórax, perfuração de órgãos do aparelho digestivo. A onda de pressão rompe a parede de pequenos vasos sanguíneos e também lesa o sistema nervoso central. A vítima morre sem que se observem lesões externas. O socorrista sempre deve estar atento a essas possibilidades, pesquisando sinais de queimadura nas áreas descobertas do corpo. O segundo momento são as lesões por estilhaços e outros materiais provenientes da explosão. São possíveis encontrar lacerações, fraturas, queimaduras e perfurações. E o terceiro momento é o caso de a vítima ser lançada contra um objeto, ocasião em que haverá lesões no ponto do impacto e a força da explosão se transfere a órgãos do corpo. Elas são aparentes e muito similares àquelas das vítimas ejetadas de veículos ou que sofrem queda de grandes alturas.
Para Silva (2007) a lesão nos pulmões (blast lung) é uma consequência direta da sobrepressão gerada pela onda de choque. É o ferimento fatal mais comum dentre os sobreviventes iniciais, seguido das lesões traumáticas vasculares e de perfuração nos tímpanos, que é uma lesão no ouvido médio e depende da orientação do ouvido no momento da explosão. Ainda deixa evidente que as explosões em espaços confinados como minas, prédios ou grandes veículos estão associadas ao grande índice de mortalidade.
Giovaninni (2012) apresentou um estudo de campo que relata os efeitos secundários e terciários de uma explosão em pessoas desprotegidas, com pressões de 30, 80 e 130 PSI num período de curta duração (1 milissegundo): resultam em lesões no tímpano, barotrauma pulmonar grave e 50% de possibilidade de morte. Porém, a determinação mais confiável dos efeitos diretos e indiretos no indivíduo depende de alguns fatores tais como idade, condições físicas, peso e altura, entre outros.
Pereira (2010), em treinamento com a equipe avançada do exército americano descreveu, após uma revisão das baixas militares na guerra do Iraque, que as principais lesões com explosões foram trauma do mediastino com ferida cardíaca, laceração abdominal com evisceração, queimadura por inalação, queimadura de tronco e amputação traumática de membros inferiores. Usando essas conclusões elaboraram um protocolo de atendimento de primeira resposta ao trauma em combate.
Eastridge (2009) verificou após um período de oito meses de guerra no Afeganistão, 153 lesões traumáticas em soldados americanos por artefatos explosivos, das quais 61% foram de lacerações de tecidos moles, 17% lesões de grandes vasos e 10% fraturas expostas. O mesmo estudo ainda apontou que 20% dos óbitos poderiam ser evitados com treinamento especializado e recursos materiais adequados para a contenção de hemorragias.
Martinez (2016) analisou 219 vítimas do conflito armado na Colômbia, das quais 80% foram atingidas por artefatos explosivos. Em 72% dos casos houve lesões nas extremidades (n = 159), houve 28% de fraturas de coluna e pelve. Desses, 35% tiveram amputação dos membros. Em geral, 73% exigiram hospitalização na unidade de cuidados intensivos e a taxa de mortalidade foi de 2,7%.
Sanjuán (2016) assistiu 35 homens com lesões por onda expansiva em Bogotá em um atentado de narcotraficantes e determinou que as áreas mais comprometidas foram de 60% nas extremidades baixas, 42% em tórax e 35 % no abdômen. No mesmo evento com uma explosão secundária 16 pessoas foram vítimas e 75% apresentaram lesões no abdômen, 81,3% lesões traumáticas em membros inferiores e 62,5% com ruptura no tímpano. Pela proporção das vítimas, podemos dizer que muitas tiveram várias lesões associadas e que na última explosão sugere uma quantidade maior de material explosivo ou as pessoas estavam mais próximas do epicentro da explosão.
Prever as lesões em ocorrências com artefatos explosivos se torna muito difícil devido a inúmeras variáveis presentes em diferentes contextos, como tipo e a quantidade de artefato, possíveis cenários estruturais, distância exata do epicentro da explosão, barreiras de proteção e concentração de pessoas. Porém, identificamos as prováveis lesões em cinco fases da cinemática do trauma nas zonas de explosão com artefatos explosivos mais comuns usados em simulações de campo e em relatos de estudos de caso, assim como os primeiros atendimentos ao trauma que devem ser realizados às vítimas.
4 FASES DA CINEMÁTICA DO TRAUMA
A primeira fase é o impacto da onda de choque supersônica, que atinge preferencialmente estruturas ocas ou cheias de ar e as comprime. Na sequência, quase simultaneamente, esses espaços se expandem rapidamente, causando cisalhamento e laceração dos tecidos e órgãos que causam hemorragia severa. O sangue é forçado a sair dos vasos sanguíneos e entrar nos espaços com ar e tecido circundante, podendo ocorrer a ruptura do globo ocular. Suspeita de barotrauma pulmonar que pode causar a contusão pulmonar, embolia sistêmica (especialmente no cérebro e coluna) e lesões associadas a radicais livres (trombose, lipo-oxigenação e coagulação intravascular disseminada), é uma causa comum de mortalidade tardia. As lesões também englobam o barotrauma intestinal, o barotrauma do ouvido (como a ruptura da membrana timpânica, o hemotímpano sem ruptura e a fratura ou deslocamento dos ossículos do ouvido médio) e a concussão cerebral decorrente de um trauma crânio encefálico leve.
A segunda fase é o impacto de fragmentos, que podem ser pregos ou porcas, com o intuito de aumentar a letalidade dos ferimentos ou até mesmo, após a explosão, lançar materiais estruturais rígidos. Esses objetos causam ferimentos como cortes contusos, contusões fechadas associadas a edemas e lesões penetrantes que podem ficar empalados no crânio, olhos e pescoço.
A terceira fase é o impacto do corpo nas estruturas, que dependendo da magnitude da explosão, pode ser lançado às estruturas ou ao solo. Nessa cinemática podem acontecer fraturas, amputações traumáticas e traumas no crânio.
A quarta fase é o impacto resultante, provocado, às vezes, por ocorrências subsidiárias. Geralmente são lesões decorrentes de incêndios, desabamentos e problemas clínicos, ou seja, provenientes da própria explosão e/ou de eventos secundários causados pelo evento original. Nessa situação podemos encontrar vítimas presas sob escombros, queimaduras graves, Síndrome compartimental, lesões por esmagamento e infarto agudo do miocárdio.
E a quinta fase da cinemática do trauma é a intoxicação por produtos perigosos. Após a explosão pode haver o lançamento de produtos contaminantes, radioativos, tóxicos e infectantes que atingem o sistema respiratório (choque anafilático e queimaduras de vias aéreas) e o sistema nervoso autônomo (choque neurogênico e inflamação tecidual aguda). Apesar de ser uma possibilidade em potencial, não foram encontrados registros na literatura brasileira sobre ocorrências que envolvam tais lesões.
5 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMA
O objetivo deste item não é apresentar um protocolo operacional padrão, mas sim recomendar procedimentos básicos no atendimento pré-hospitalar das principais lesões encontradas neste estudo.
Todas as vítimas expostas à explosão devem passar por uma avaliação pré-hospitalar para detecção de quaisquer sinais clínicos, tais como: dificuldades respiratórias, baixa saturação de oxigênio, sinais de perda auditiva, otalgia, vertigem, hemorragias, hematomas e deformidades anatômicas. Normalmente esses sinais estão presentes no momento da avaliação inicial e devem ser confirmadas para uma resposta adequada imediata.
A avaliação e gerenciamento do paciente envolvem uma triagem inicial, reanimação de trauma e transporte de vítimas com protocolos padrão para pacientes com múltiplas lesões ou vítimas em massa, incluindo avaliação de vias aéreas, da respiração, da circulação, de incapacidades e exposição/ambiente. Além de controle imediato de hemorragia, o socorrista experiente que atende a esta cinemática reconhecerá e suspeitará de lesões em costelas, pois foram deformados durante o impacto formado pela cavidade, e consequentemente o coração, os pulmões e os vasos que foram comprimidos devido à cavitação temporária.
O tratamento de uma vítima com trauma tendo em vista a cinemática envolvendo explosão deve consistir de uma avaliação primária rápida de até 30 segundos. Tal método busca identificar o risco de vida já nesse período de tempo para proporcionar o melhor suporte básico de vida e, consequentemente, sobrevida ao paciente, começando com uma visão geral e simultânea do sistema respiratório, circulatório e neurológico da vítima para identificar problemas significativos óbvios relacionados à oxigenação, circulação, hemorragias ou deformidades macroscópicas.
O primeiro passo do atendimento é o controle de vias aéreas, que são rapidamente examinadas para garantir que estejam permeáveis e que não haja perigo de obstrução, caso estejam comprometidas, a manobra manual de tração de mandíbula é feita e se a vítima estiver inconsciente, deverá ser utilizada a cânula orofaríngea para manutenção de vias aéreas. Caso haja a disponibilidade de médico no local, equipamento e tempo, o tratamento pode progredir por meio de manobra mecânica.
Nesse contexto, o socorrista deve saber que toda vítima com suspeita ou confirmação de lesão pulmonar por explosão deve receber oxigênio complementar suficiente para evitar hipoxemia, e se na continuidade da abordagem da vítima houver ventilação anormal, o tórax deve ser exposto, observando-se e apalpando-se rapidamente para verificar a profundidade e frequência respiratória.
A morte imediata por barotrauma pulmonar (explosão do pulmão) ocorre mais frequentemente em espaço fechado do que em explosão ao ar livre. A lesão pulmonar por explosão pode causar dispneia, hemoptise, tosse, precordialgia e taquipneia. Se o traumatizado não estiver respirando, deve-se iniciar rapidamente a ventilação assistida com dispositivo de máscara com válvula e balão e suplementação de oxigênio. Se houver uma ventilação muito lenta, inferior a 10 ventilações por minuto, é necessária ventilação assistida com bolsa válvula máscara e balão com oxigênio suplementar para garantir saturação de oxigênio a 90%. Caso a vítima apresente taquipneia, considerando de 20 a 30 respirações por minuto, deve ser observada uma piora no estado geral da vítima e a administração de oxigênio complementar para atingir saturação do oxigênio a 90% é a mais indicada nesse caso (NAENT, 2016).
Outra lesão importante que poderá ser identificada na inspeção do tórax é o pneumotórax e representa um risco grave de morte, sendo que pode se apresentar de três tipos: simples, aberto e hipertensivo. A identificação e tratamento precoce do pneumotórax hipertensivo e aberto elevam a sobrevida de um paciente com esses traumas. O tratamento pré-hospitalar é a administração de oxigênio, obtenção de um acesso venoso e o preparo para tratar o choque. Já no pneumotórax aberto o tratamento inicial envolve fechar a área aberta lesada com o curativo de controle de pressão positiva e negativa (curativo três pontos) e administrar oxigênio.
Importante salientar que o socorrista deve estar ciente que ventilação mecânica e pressão positiva aplicadas de forma errada, podem aumentar o risco de ruptura alveolar, pneumotórax e embolia em paciente com lesão pulmonar por explosão.
Caso as lesões comprometam gravemente a circulação sanguínea, a avaliação de hemorragias se torna prioritária no atendimento, deixando assim para segundo plano a avaliação das vias áreas. O reconhecimento precoce de um sangramento externo ajuda a preservar o volume sanguíneo e as hemácias e a garantir uma perfusão do organismo da vítima, ainda mais em uma vítima de trauma por explosão que poderá ser um traumatizado multissistêmico, o controle de qualquer sangramento faz diferença para compensação fisiológica do indivíduo. As etapas de controle de hemorragia externa levam em consideração a pressão direta usando as mãos, curativos compressivos, aplicação de curativos nas feridas, bandagens e torniquetes nas extremidades.
A pressão manual direta é o tratamento inicial que deve ser feito imediatamente após a identificação do sangramento e o curativo compressivo deve ser inserido logo após ou simultaneamente com a pressão direta. Quanto mais pressão o socorrista aplicar, mais lento será o vazamento de sangue. A escolha da continuidade da técnica de controle logo após a inicial dependerá da eficácia da pressão manual e por curativo no controle da hemorragia e, para o caso de o foco do sangramento ser o tronco, o tratamento deverá ser por agente hemostático tópico e pressão direta. Caso o foco do sangramento seja em extremidades, dever-se-á usar torniquete.
O torniquete deve ser aplicado logo acima do foco do ferimento que está provocando o extravasamento de sangue, firme o suficiente para conter o fluxo arterial e impedir o pulso distal. São usados com segurança durante um período de até 120 a 150 minutos, sem causar um dano significativo a um nervo ou músculo.
Na lesão do globo ocular, uma vez que o tratamento adequado pode resultar no salvamento da visão, é recomendada uma inspeção para confirmar a fratura do globo aberto, na qual o ferimento pode atravessar a córnea até o interior do globo ocular. Assim, o restante da avaliação ocular deve ser descontinuado, e um curativo servindo como escudo deve ser feito sobre a órbita óssea, não se fazendo compressão e nem se aplicando medicamentos no local. O objetivo desse curativo é estabilizar objetos empalados que possam aumentar a gravidade da lesão durante o transporte até o hospital.
A avaliação do ouvido e região timpânica acontece na fase secundária do atendimento devido à lesão não oferecer risco imediato à vítima. A perfuração traumática da membrana timpânica causada pelo impacto devido à pressão causa dor grave repentina, por vezes, seguida por sangramento do ouvido, perda auditiva e zumbido. A perda auditiva é mais grave nos casos de desarticulação de cadeia ossicular ou lesão de orelha interna. O sinal clínico mais comum nesses casos é a vertigem e o tratamento recomendado é manter os ouvidos secos, o controle de hemorragia na região e isolamento acústico (MIYAMOTO, 2018).
Na sequência, o abdômen deve ser inspecionado na avaliação secundária. Segundo protocolo padrão, esse exame envolve inspeção e palpação e deve ser introduzida sistematicamente na inspeção das suas faces anterior e posterior como também as nádegas e a região perineal para uma visualização complementar. A presença de escoriações, contusões, hematomas localizados e ferimentos abertos são sugestivos de trauma e são bem característicos.
O exame físico abdominal é importante, mas não é confiável. É importante ressaltar que o encontro de algum achado positivo no exame físico do abdome deve sugerir a presença de uma lesão interna, porém sua ausência não afasta a possibilidade de lesão.
Se, da avaliação do abdômen, for identificada a presença de possível lesão, há possibilidade de choque hipovolêmico devido à perda de líquidos. É necessário, então, o transporte mais rápido à unidade apropriada mais próxima e, caso um médico esteja no local, deve-se garantir a reposição de volume através de acesso venoso.
No trauma envolvendo queimaduras, o primeiro passo, e primordial, é interromper o processo da queima do tecido, sendo que o melhor método no pré-hospitalar é a irrigação em abundância com volumes de água em temperatura ambiente e retirar todos os adornos das vítimas, pois com o inchaço da região lesada a vítima apresenta um edema e, como consequência, a compressão dos membros e cavidades. As queimaduras recentes devem ser tratadas com pano limpo e seco cobrindo a região queimada. Esse curativo evita a contaminação e ameniza dores devido à diminuição do fluxo de ar nas terminações nervosas expostas devido à lesão. Atenção especial é necessária às queimaduras muito extensas, pois o processo de resfriamento com água corrente pode induzir hipotermia e prejudicar a formação de coágulos decorrentes do processo de cicatrização.
Por último, a preocupação de risco de intoxicação tanto para a vítima quanto para o socorrista é de suma importância e, nesse cenário, cabe ao interventor fazer uma análise crítica do cenário. A inalação é a forma mais comum de intoxicação, pois os produtos químicos tendem a evaporar e atingir longas distâncias, intoxicando a equipe de socorro e pessoas presentes no local. Para evitar a intoxicação será necessário associar conhecimento sobre o risco do produto perigoso envolvido no evento com práticas de atendimento e o uso de equipamento de segurança individual. Após a identificação positiva do produto e análise do cenário, aproximação, isolamento da área e as ações de controle da situação são decididos e, a partir desse ponto, o atendimento inicial às vítimas será realizado, usando como base as informações contidas no manual da Associação Brasileira da Indústria Química.
O manual para atendimento a emergências com produtos perigosos informa que o principal método no atendimento pré-hospitalar é a descontaminação por diluição (redução da concentração do contaminante), por dissolução (consiste na adição de uma substância intermediária para retirar o produto perigoso), por surfactação (utilização de agentes surfactantes), por neutralização (agentes reguladores de acidez), por solidificação (aplicação de agentes gelatinizantes que facilitam a remoção física) e por aeração (utilização de vapores de água para produtos voláteis). Porém essas ações somente serão possíveis com a utilização de roupas e equipes especializadas (ABIQUIM, 2011).
6 CONCLUSÃO
Apesar dos poucos estudos encontrados que relacionam as lesões por artefatos explosivos aqui no Brasil, os levantamentos feitos por este estudo apontam claramente que existe uma cinemática específica para esse trauma e que os procedimentos descritos estão de acordo com a literatura existente para o atendimento pré-hospitalar das lesões apontadas.
A identificação das fases da cinemática do trauma se tornou essencial para o conhecimento das prováveis lesões, podendo assim, determinar suas gravidades e prioridades no atendimento inicial. Sempre considerando as particularidades de cada evento, deve-se entender que cada um apresentará cenários, vítimas e lesões diferentes.
Por mais que haja diferentes cenários, os procedimentos devem manter um padrão e os atendimentos dessas lesões sempre devem ser atualizados, seja em novas técnicas ou com novos materiais utilizados.
Por fim, esse estudo se torna uma referência para novas pesquisas que são necessárias, principalmente à elaboração de procedimentos operacionais padrão em ocorrências que envolvem essa cinemática específica, a fim de aperfeiçoar o tempo de resposta e recursos utilizados nas diversas áreas da saúde e segurança pública.
REFERÊNCIAS
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1 PHTLS - Prehospital Trauma Life Support