Análise Biomecânica e comparativa entre o saque da arma de fogo com coldre pélvico e com coldre femoral

1º Ten. QOPM Mário Picetskei Júnior

RESUMO

O objetivo foi proceder à análise biomecânica e comparativa do saque de arma de fogo de com coldre pélvico e com coldre femoral. Trata de um estudo exploratório com a participação com policiais militares, do sexo masculino, do Batalhão de Operações Especiais, da Polícia Militar do Paraná, sendo que todos exercem o serviço operacional de radio-patrulhamento na Companhia de Rondas Ostensivas de Natureza Especial. Eles foram divididos em dois grupos, sendo o primeiro composto por aqueles que utilizam coldre femoral (GCF), e segundo pelos que usam coldre pélvico (GCP). O teste, realizado com cada policial individualmente, consistia no saque da pistola do coldre, o mais rápido e eficaz possível, imediatamente após o sinal luminoso projeto na parede apagasse. Os policiais trajavam calça e camisa, ambas de cor preta e justa ao corpo; eram posicionados lateralmente em relação a um fundo de cor branca. Posição ortostática, com os membros inferiores em posição anatômica, os membros superiores com os ombros fletidos a 90º, os cotovelos estendidos, estando os antebraços em pronação e as palmas das mãos voltadas para baixo. Para o registro do saque foi utilizada uma máquina fotográfica semiprofissional, da marca Nikon®, modelo D3100, sendo a gravação configurada para a captação do movimento na frequência de 60Hz. Os pontos foram marcados por esferas de isopor com dois centímetros de diâmetro, fixadas com fita dupla-face nos seguintes pontos anatômicos (acrômio, epicôndilo lateral e processo estilóide do rádio). O coldre também foi marcado, para mensuração da oscilação de movimento durante o saque. Analisou-se a velocidade das articulações do ombro, cotovelo e punho, deslocamentos horizontais e verticais e a distância percorrida pela articulação do punho durante o saque. Ficou evidenciado que o GCF realizava o movimento com maior velocidade dos pontos articulares e, também, a distância percorrida pelo punho maior que o GCP. O GCF também apresentou deslocamento vertical (y) maior que o GCP. Concluiu-se que os policiais que usam coldre femoral realizam o saque com maior torque dos músculos dos MMSS, logo, o arco de movimento apresenta irregularidades e exige ajustes durante a formação da empunhadura.

Palavras-chave: Biomecânica, Fundamento de Tiro e Saque.

 

1. INTRODUÇÃO

A profissão policial é uma das mais estressantes do mundo, devido a constante interação e intervenção em situações violentas, ao contato com pessoas com comportamento agressivo, as quais expõem em risco a vida deste profissional diuturnamente (VUORENSYRJÄ e MÄLKIÄ, 2011). A iminência constante de emprego de arma de fogo durante o serviço é outro importante fator estressante (LENIO et al., 2011).

O Fórum Nacional de Segurança Pública registrou, no ano de 2017, 5.159 situações de intervenções policiais que resultaram no óbito do agressor, aproximadamente, 20% mais casos do que no ano de 2016. Em 2018, de acordo com a mesma fonte, o número de situações desta natureza atingiram 5.144 eventos (FNSP, 2017).

Os números apresentados apontam para aumento expressivo do número de ocorrências em que o policial militar faz o uso da arma de fogo para salvaguardar a integridade física de vítimas, ou, a própria, sendo assim, é razoável pensar que, o aumento das ações violentas por criminosos estão exigindo dos policiais a utilização de armas de fogo com maior frequência, logo, há, por consequência, maior risco a terceiros, os quais não tem envolvimento com a situação.

Sandes (2013) destaca a importância em se conceber o disparo da arma de fogo pelo policial como um ato racional e de elevada complexidade:

“[...] os policiais reagem instantaneamente, mas com racionalidade, pois a execução, por mais automática que seja, recebeu alguma previsão por parte do policial, pois ele sabe que, em algum momento profissional, a arma poderá ser empregada contra outra pessoa que tente reagir de forma potencialmente letal. O automatismo está relacionado ao “como usar” ou “o que fazer”, a exemplo do disparo realizado ou busca de um abrigo. O “quando usar” é uma atividade de conteúdo racional que depende de uma decisão baseada em um conjunto de informações suficientes ou não, e que deverão ser analisadas na instantaneidade da ação. [...] o “sinal verde” da decisão pelo disparo do policial é baseado na ameaça armada do oponente. [...] A decisão de não atirar também pode ser considerada racional em várias situações, tais como presença de reféns, local de grande fluxo de pessoas, emprego de força superior por parte dos oponentes.” (SANDES, 2013, pg. 82).

As circunstâncias em que há lesões, ou, mortes decorrentes de ações militares, ou, policiais, como danos colaterais (HOLLAND et al., 2002). Brown, et. al. (2013) afirmam que “a precisão em atirar com uma arma de fogo é uma prioridade em confrontos, para minimizar os riscos de lesões não intencionais a outros policiais e para a segurança de civis”.

É essencial destacar que o policial militar possui as missões constitucionais de preservação da segurança pública e de garantia da incolumidade física das pessoas, portanto, é razoável conceber que há obrigatoriedade em usar a arma de fogo de maneira precisa e hábil, quando essa se faz necessária, de modo que, não haja danos colaterais.

Com o mesmo direcionamento, Sandes (2013) delimita que o tipo policial “[...] se fundamenta apenas na execução dos gestos, técnicas e movimentos, mas a decisão é cognitiva. Existe um cálculo de ganhos e perdas, previsões ocorrem no caminho do evento de risco”, quando o policial militar tem que usar a arma de fogo, não há margem para erros, portanto, o profissionalismo e a qualidade técnica são pressupostos na formação do policial militar.

No âmbito do Curso de Formação de Oficiais da PMPR, a disciplina de Tiro Policial I é ministrada em 80 (oitenta) horas/aula, tendo como objetivo capacitar e habilitar o discente à adoção e aplicação dos fundamentos e técnicas corretas com as armas de fogo de porte (pistola e revólver). Nas 15 (quinze) horas/aula iniciais há o treinamento específico dos fundamentos de tiro.

Atualmente, no sistema de ensino da PMPR não há, seja na formação de Oficiais e de Praças, bem como, nos cursos de especialização e de aperfeiçoamento, manuais acerca de fundamentos e técnicas de armas de fogo, sendo assim, como referência, é possível destacar o Manual de Tiro da United States Marine Corps (2003), o MCRP 3-01B, bem como, o US ARMY´S Pistol Shooting Manual (2017), o TC 3-23.35.

Conforme consta no MCRP 3-01B, os Fuzileiros Navais americanos citam como fundamentos de tiro o saque, a visada, o controle do acionamento do gatilho e a respiração. De modo semelhante, o US ARMY1 destaca no TC 3-23.35 fundamentos semelhantes, como a estabilidade (postura), o saque, a visada e o controle do gatilho.

O saque figura como cerne dos demais fundamentos em ambas as doutrinas americanas de tiro, pois, todo disparo é antecedido de um saque. No manual dos Fuzileiros Navais Americanos (2003) se observa que a empunhadura não está estabilizada quando a arma de fogo está no coldre, contudo, aquela será ideal se o saque for correto, contínuo e fluído. Já no manual de tiro de pistola do Exército Americano (U.S. Army), o TC 3-23.35 (2017), se tem o seguinte a respeito do saque:

“Um saque eficaz permite segundos cruciais para mirar. O saque é a manipulação na qual o atirador remove a pistola do coldre e a apresentação é a manipulação na qual o atirador direciona a pistola ao alvo. A transição entre estas duas ações é fluída.” (TC 3-23.35, 2017, pg. 48).

Sendo o saque um fundamento essencial para o emprego eficaz da arma de fogo, o posicionamento do coldre no corpo do atirador é relevante neste processo. Na PMPR o coldre é posicionado pelos policiais militares do lado dominante do corpo, no plano frontal, sendo fixado na cintura, ou, na perna.

A biomecânica é conceituada como a ciência que observa as forças exógenas e endógenas que agem no corpo humano, bem como, o efeito que elas produzem (HAY, 1985), sendo assim, é a ferramenta eficaz para observar ações motoras, como técnicas com armas de fogo, e identificar padrões de movimento, irregularidades, avaliar desempenho e valências físicas.

Da escassez de estudos relacionados a análises biomecânicas e à eficácia entre o saque da pistola de um coldre pélvico e de um coldre femoral, emerge a necessidade em se verificar se o posicionamento do coldre impacta na qualidade do saque, bem como, no tempo gasto para realiza-lo.

O objetivo desta pesquisa é proceder a análise biomecânica comparativa do saque de arma de fogo com coldre posicionado na pelve e com coldre femoral, pela mensuração de variáveis como a velocidade, a distância percorrida por um segmento dos MMSS e os deslocamentos nos eixos horizontal (x) e vertical (y), esses em relação à posição anatômica.

 

2. MÉTODO

Trata-se de um estudo exploratório, com participação de policiais militares do Estado do Paraná, lotados do Batalhão de Operações Especiais, onde exercem as atividades operacionais na Companhia de Rondas Ostensivas de Natureza Especial, ou seja, a função de patrulheiro, esta inerente à atividade de radiopatrulhamento motorizado dessa subunidade.

Todos os indivíduos concluíram o à época denominado Curso de Formação de Soldado (CFSd), atual Curso de Formação de Praças (CFP), sendo este pré-requisito a todos os praças para exercer qualquer atividade operacional no âmbito da PMPR, portanto, todos considerados hábeis com armas de fogo de porte (revólver e pistola).

Os indivíduos foram divididos em 02 (dois) grupos, sendo o primeiro denominado Grupo Coldre Femoral (GCF), composto por 12 policiais que trabalham com coldre femoral, e o segundo Grupo Coldre Pélvico (GCP), composto por 12 policiais que utilizam o coldre pélvico. O critério fixado para a divisão da amostra e composição dos grupos foi o tipo de coldre utilizado pelos indivíduos, as demais variáveis como a idade, o tempo de serviço, a altura e o peso dos indivíduos se deram de modo aleatório.

O registro do saque da arma de fogo iniciando do coldre foi realizado individualmente, pelo próprio pesquisador, com máquina fotográfica semiprofissional, da marca Nikon®, modelo D3100, sendo a gravação configurada para a captação do movimento na frequência de 60Hz.

A câmera Nikon, fixada em um tripé de alumínio, foi posicionada perpendicularmente ao fundo de cor branca, à distância de 3,5m, de modo que, ambos estavam alinhados no plano frontal do indivíduo.

Para auxiliar na análise biomecânica do saque, os movimentos das articulações do membro superior dominante foram destacados por esferas de isopor com 02 (dois) centímetros de diâmetro, fixadas com fita dupla-face nos seguintes pontos anatômicos (Acrômio, Epicôndilo Lateral do Úmero e Processo Estilóide do Rádio).

Uma quarta esfera de isopor foi fixada na face lateral e inferior do coldre do indivíduo, sendo esta, usada para mensurar a quantidade de movimento na região, do momento inicial até a finalização do saque. Para promover maior destaque às esferas de isopor, foi direcionada diretamente sobre o indivíduo uma fonte de luz de cor verde, com lâmpada de LED®.

 

Figura 1 – Base de coleta.

Fonte: Acervo do autor.

 

O indivíduo, trajando calça e camisa, ambas de cor preta e com composição elástica e justa ao corpo, era posicionado lateralmente a 35 (trinta e cinco) centímetros de um fundo de cor branca, em posição ortostática, com os MMII em posição anatômica, os MMSS com os ombros fletidos a 90º, os cotovelos estendidos, estando os antebraços em pronação e as palmas das mãos voltadas para baixo, de modo a promover uma plataforma estável para o teste, pois, o controle postural em uma base regular promove melhor desempenho no tiro (ERA et al, 1996).

A arma de fogo utilizada foi aquela de utilização padrão pelo BOPE, a pistola da marca Glock®, modelo G17, 4ª Geração. Quanto ao coldre empregado no movimento de saque analisado, foi orientado a cada indivíduo para que utilizasse o cinto de guarnição2 e o coldre que utiliza durante o serviço operacional desempenhado na RONE, contudo, foi possível restringir tal condição à utilização de 04 (quatro) modelos de coldre.

 

Figura 1 – Posição inicial do teste.

Fonte: Acervo do Autor.

 

Dentre os 04 (quatro) modelos de coldres utilizados, se tem 03 (três) de modelos importados, das seguintes marcas e modelos: Blackhawk®/Serpa 3, Safariland®/6004 e Uncle Mikes®/Pro-3. O modelo nacional utilizado foi o da marca Maynards®/Robocop. Todos os modelos eram compostos pode três níveis de retenção do armamento.

O movimento de saque com o uso do próprio cinto e do próprio coldre objetivou garantir que os indivíduos realizassem a ação motora com fluidez e de maneira condicionada, devido à familiaridade com o material, garantido assim, as mesmas condições a todos para o bom desempenho da tarefa.

Para que o indivíduo desse início ao movimento de saque, partindo da posição inicial definida, foi utilizado uma lanterna com luz de LED®, de cor branca, da marca SureFire®, modelo GZX-2, com 200 lumens de intensidade, direcionada para a parede a qual ele estava voltado e com o olhar direcionado fixados. O indivíduo era, então, orientado para que, no momento em que a luz da lanterna se apagasse, imediatamente iniciasse o saque da pistola do coldre.

A avaliação do tempo de reação para iniciar o saque se deu com o referido estímulo visual com a lanterna. Tal escolha se deu devido a relação do sentido da visão com a atividade operacional desenvolvida pelo policial militar, em que este saca a arma de fogo após visualizar uma possível ameaça.

Para a análise biomecânica do saque foi utilizado o software Kinovea®, versão 0.8.27, bem como, a mensuração da velocidade dos pontos de referência articular em metros por segundo e, ainda, o cálculo das distâncias percorridas pelas articulações em metros. O registro do movimento do saque era interrompido no momento em que a pistola do policial militar se encontrava fora do coldre.

Figura 3: Coldre Triple-Ret Uncle Mikes®, Coldre Serpa 3 Blackhawk®, Coldre 6004 Safariland® e Coldre Robocop Maynards®.

 

Fonte: Catálogo dos fabricantes.

 

Destaca-se, também, que a Polícia Militar do Paraná, bem como, todos os indivíduos que participaram da pesquisa, foram cientificados de todas as circunstâncias do estudo, para tanto, cada militar consentiu e lavrou firma em termo.

 

3. RESULTADOS

O estudo contou com a participação de 24 policiais militares do Estado do Paraná, oriundos do Batalhão de Operações Especiais e lotados na Companhia de Rondas Ostensivas de Natureza Especial, todos do sexo masculino e com idade entre 22 a 46 anos.

A análise biomecânica do saque da pistola destacou os movimentos articulares do membro superior do lado dominante, especificamente do punho, do cotovelo e do ombro. Ainda, se observou as oscilações de movimento que o coldre apresenta durante a ação realizada. Foram 04 (quatro) as variáveis mensuradas nos pontos articulares: a velocidade, a distância percorrida da posição inicial até o momento em que a arma de fogo é retirada do coldre e, também, os deslocamentos nos eixos horizontal e vertical.

A análise e se deu com os indivíduos em posição ortostática estável, com os pés alinhados no plano frontal e com a abertura das pernas correspondente ao diâmetro da cintura pélvica, de modo, a garantir uma base estável a todos os indivíduos. A capacidade do indivíduo de controlar pequenos movimentos oscilatórios do corpo, bem como, de manter o posicionamento das articulações, garantem uma base tiro mais estável, minimizando os efeitos da instabilidade postural no desempenho do tiro (BAPTISTA et al., 2013).

 

Gráfico 1. Velocidade (m/s) dos pontos articulares dos indivíduos do GCP.

 

 

Os MMSS foram mantidos com os ombros flexionados a 90º em relação ao tronco, com os antebraços em pronação e as palmas das mãos voltadas para baixo.

 

Gráfico 2. Velocidade (m/s) dos pontos articulares dos indivíduos do GCF.

 

Quanto à velocidade (m/s) dos pontos articulares no arco de movimento (m) realizado, da posição inicial até o momento em que a arma é retirada do coldre, no período de tempo (s) que iniciava após a sinalização luminosa com a lanterna. Pôde se verificar que o grupo com coldre de pélvico (GCP) apresentou velocidades menores nos três pontos articulares, em relação ao grupo com coldre femoral (GCF).

 

Gráfico 3. Velocidade (m/s) das articulações do punho, cotovelo e ombro durante a ação do saque pelo indivíduo P8 do GCP.

A articulação do punho apresentou prevalência de velocidade de 100% em relação aos pontos do cotovelo e ombro, em ambos os grupos. Devido ao comprimento do braço de alavanca, o ponto mais distal atingiu maior velocidade, conforme se demonstra nos Gráficos 3 e 4.

Gráfico gerado pelo software de análise biomecânica Kinovea®, a partir dos dados evidenciados do movimento do saque.

 

Gráfico 4. Velocidade (m/s) das articulações do punho, cotovelo e ombro durante a ação do saque pelo indivíduo P8 do GCF.

Gráfico gerado pelo software de análise biomecânica Kinovea®, a partir dos dados evidenciados do movimento do saque.

 

Tendo a articulação do punho como aquela que, por ser distal em relação ao tronco, possui o maior arco de movimento em relação ao cotovelo e ao ombro, durante o saque, com a média das velocidades se verificou que o GCF foi, aproximadamente, 20% mais veloz do que o GCP. Tal condição se observa no Gráfico 3 abaixo:

 

Gráfico 5. Média das velocidades (m/s) dos elementos do GCF e do GCP.

 

No que corresponde à distância, compreendida pelo arco de movimento entre a posição inicial, até o momento em que a arma de fogo se encontrava fora do coldre, em ambos os grupos se verificou que em 100% dos indivíduos a articulação do punho foi aquela que apresentou maior espaço percorrido durante a ação do saque, tal condição se verifica nos Gráficos 6 e 7.

 

Gráfico 6. Distâncias (m) dos pontos articulares do indivíduo F3 do GCF.

Gráfico gerado pelo software de análise biomecânica Kinovea®, a partir dos dados evidenciados do movimento do saque.

 

Gráfico 7. Distâncias (m) dos pontos articulares do indivíduo P12 do GCP.


Gráfico gerado pelo software de análise biomecânica Kinovea®, a partir dos dados evidenciados do movimento do saque.

Ficou evidenciado que a distância percorrida pela articulação do punho foi maior no GCF, sendo que 91,6% (11) dos policiais militares deste grupo apresentaram o arco de movimento, este compreendido da posição inicial do teste até o momento em que ocorria o saque, maior do que 1,70m. Quanto ao GCP, apenas 25% (03) dos indivíduos apresentaram o arco de movimento acima de 1,70m. A Tabela 1 destaca os valores referentes à distâncias dos movimentos do punho em ambos os grupo.

 

Tabela 1. Distâncias da articulação do punho aferida em cada indivíduo dos grupos GCP (12) e GCF (12).

Grupo

Indivíduo

 

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

GCP

1,33

1,38

1,46

1,53

1,9

1,44

1,32

1,63

1,64

2,27

1,91

1,48

GCF

2,09

1,88

2,17

1,89

1,56

1,7

2,1

2,02

2,05

1,86

1,94

2,33

 

As distâncias foram obtidas pelo software Kinovea® e estão representadas em metro (m).

Na comparação as médias das distâncias do GCF com as do GCP é possível verificar que a aquele apresentou maior arco de movimento da articulação do punho em relação a esse, para tanto, tal condição é observada no Gráfico 8.

 

Gráfico 8. Média das distâncias (m) da articulação do punho dos indivíduos do GCF e do GCP.

Houve importante diferença no traço do arco de movimento das articulações do ombro, cotovelo e punho, entre os indivíduos do GCP em relação ao GCF. Nos Gráficos 9 e 10 é possível observar tal condição verificada.

 

Gráfico 9. Relação tempo (s) e distância (m) do movimento do punho do indivíduo P3 do GCP.

Gráfico gerado pelo software de análise biomecânica Kinovea®, a partir dos dados evidenciados do movimento do saque.

 

Gráfico 10. Relação tempo (s) e distância (m) do movimento do punho do indivíduo F12 do GCF.

Gráfico gerado pelo software de análise biomecânica Kinovea®, a partir dos dados evidenciados do movimento do saque.

A análise dos deslocamentos nos eixos horizontal (x) e vertical (y) da articulação do punho demonstrou características de movimento comuns entre os elementos do mesmo grupo, em contrapartida, importantes divergências foram verificadas ao comparar os gráficos de um grupo com o outro. As diferenças no padrão de movimento entre o GCP e o GCF são verificadas nos Gráficos 11 e 12.

 

 

Gráfico 11. Relação entre o deslocamento horizontal (x) e o deslocamento vertical (y) do indivíduo P1 do GCP.

 

Gráfico 12. Relação entre o deslocamento horizontal (x) e o deslocamento vertical (y) do indivíduo F6 do GCF.

 

4. DISCUSSÃO

Do policial se exige a atuação em situações complexas e com risco iminente à vida, com grande variedade de ambientes e de circunstâncias, nas quais este profissional, frequentemente, se encontra submetido à pressão psicológica e física. O que se espera dele é uma resposta ótima nestas situações em que há o uso da força letal, de modo a proteger a própria vida (CAMPBELL et al., 2012). O emprego da arma de fogo é uma ação motora que exige estabilidade e um padrão de movimentos consistentes e harmoniosos (VIITASALO et al., 2002).

O emprego ótimo de uma arma de fogo, é aquele que atinge o objetivo sem provocar danos colaterais (HOLLAND et al., 2002), para tanto, é essencial a harmonia entre a arma de fogo e o corpo do atirador. Para manter a arma de fogo estabilizada não basta apenas de uma postura estável, mas, também, de uma reciprocidade entre movimentos articulares precisos do ombro, cotovelo, punho e mão, que se conectam e garantem a cinemática fluída e precisa no disparo (WEN-TZU TENG et al., 2008).

A posição de tiro deve ser a mais natural possível, sendo assim, para que o policial encontre a posição mais confortável e estável em pé, é necessário o treinamento contínuo, assim, a ação motora se tornará condicionada, garantindo o melhor engajamento da ameaça (BAPTISTA, 2012).

A análise biomecânica dos movimentos de saque dos 24 (vinte e quatro) indivíduos apresentou pontos importantes a respeito do saque, tanto com o coldre de pelve, como com o coldre femoral. Foi possível verificar as características e os padrões do saque da pistola com um tipo de coldre, ao comparar o movimento dos indivíduos do mesmo grupo entre si, bem como, evidenciar a particularidades e diferenças entre os dois tipos de coldre.

 

Gráfico 13. Relação Velocidade (m/s) e Tempo (ms), das articulações do ombro, cotovelo e punho do indivíduo F11 do GCF*.

* A área do gráfico marcada com a seta vermelha indica as oscilações de velocidade no transcorrer de tempo, quando o indivíduo já estava com a mão dominante no cabo da arma de fogo, o que indica que houve uma série de ajustes e correções da empunhadura antes do saque.

 

Quanto à velocidade, esta foi mensurada nas três maiores articulações do membro superior dominante, o ombro, o cotovelo e o punho. Os indivíduos do GCF apresentaram velocidades superiores aos indivíduos do GCP nos três pontos articulares, o que torna possível constatar que há algum fator/elemento que exija dos indivíduos com coldre femoral a realização do saque com maior velocidade.

Como a posição inicial do saque era a mesma para todos os indivíduos, se verifica que é a fixação do coldre na perna que exige o aumentem da velocidade do membro superior dominante para acessar o armamento. Foi observado nos testes que o movimento da mão até a arma se dá de modo angular, a velocidade é resultante da força muscular produzida pelos músculos dos MMSS, para produzir tal aumento da velocidade no arco de movimento é necessário um torque maior. Tem-se por definição o torque como sendo o movimento de rotação gerado por uma força aplicada em um ponto (LATASH e ZATSIORSKY, 2016).

O torque maior, para o acesso a arma de fogo com maior velocidade, pode promover desordens no saque, devido a velocidade estar acima daquela que seria ótima para a execução da ação motora de modo fluído e linear. Tal condição pôde ser evidenciada na ação de 83% (10) dos indivíduos do GCF, conforme se observa no Gráfico 13.

A fluidez do movimento de saque, no momento em que a mão dominante do avaliado forma a empunhadura na arma, foi maior evidenciada nos indivíduos com coldre pélvico, como se observa no Gráfico 14.

 

Gráfico 14. Relação Velocidade (m/s) e Tempo (ms), das articulações do ombro, cotovelo e punho do indivíduo P10 do GCP*.

* A área do gráfico marcada com a seta vermelha indica as velocidades nos pontos articulares de velocidade com pouca oscilação nos eixos x,y, logo, se verifica um movimento de saque harmônico.

 

A distância do arco de movimento da articulação do punho, mensurada da posição inicial até o momento em que a arma de fogo era retirada do coldre, também apresentou diferenças entre os GCP e o GCF. A soma de todas as distâncias dos indivíduos do GCF foi de 23,59m, enquanto que dos indivíduos do GCP foi de 19,29m, ou seja, uma diferença de aproximadamente 19%.

Dentre os indivíduos do GCF 91,6% (11) dos apresentaram a distância da posição inicial do teste até o momento em que ocorria o saque maior do que 1,70m. Quanto ao GCP, apenas 25% (03) dos indivíduos apresentaram o arco de movimento acima de 1,70m. A causa da distância evidenciada no GCF tem relação com a localização do coldre, como este é fixado na região femoral, abaixo da linha da cintura, o espaço percorrido pelo punho era maior.

Os deslocamentos nos eixos horizontal (x) e vertical (y) possibilitaram conceber o traço do movimento da articulação do punho do lado dominante, de forma que, irregularidades e oscilações em determinado ponto da ação ficaram evidenciados. Tanto no GCP, como no GCF, foram verificados movimentos lineares, isto é, sem oscilações de deslocamentos nos eixos, e com fluidez, também houve movimentos irregulares em ambos os grupos. Os Gráficos 15 e 16 ilustram tal condição.

 

Gráfico 15. Relação Deslocamento Horizontal (m) e Deslocamento Vertical (m) da articulação do punho do indivíduo P3 do GCP*.

* A linha marcada, de cor azul, apresenta 02 (duas) curvaturas destacadas, a primeira descendente, a qual indica o movimento do punho da posição inicial até a arma de fogo no coldre, a segunda ascendente, onde o policial saca a arma do coldre. Ambas as curvas apresentam os deslocamentos verticais não acentuados, bem como, não há oscilações no percurso, o que demonstra que a velocidade foi ótima e o saque linear.

 

 

 

Gráfico 16. Relação Deslocamento Horizontal (m) e Deslocamento Vertical (m) da articulação do punho do indivíduo F7 do GCF*.

* A linha marcada, de cor azul, apresenta 02 (duas) curvaturas destacadas, a primeira descendente, a qual indica o movimento do punho da posição inicial até a arma de fogo no coldre, a segunda ascendente, onde o policial saca a arma do coldre. Ambas as curvas apresentam os deslocamentos verticais não acentuados, bem como, não há oscilações no percurso, o que demonstra que a velocidade foi ótima e o saque linear.

 

Quando o movimento apresenta falta de linearidade do arco de movimento do punho é possível observar, pois, há pontos de oscilação nos eixos. A Curvatura descendente bem acentuada indica o torque acima do ideal, do movimento inicial até o contato com a arma de fogo, conforme se verifica no Gráfico 17.

 

Gráfico 17. Relação Deslocamento Horizontal (m) e Deslocamento Vertical (m) da articulação do punho do indivíduo P10 do GCP*.

* A linha marcada, de cor azul, apresenta 02 (duas) curvaturas destacadas, a primeira descendente, a qual indica o movimento do punho da posição inicial até a arma de fogo no coldre, a segunda ascendente, onde o policial saca a arma do coldre. É possível verificar a curva descendente, a qual representa o deslocamento vertical, acentuada, o que indica velocidade elevada no movimento inicial.

 

5. CONCLUSÃO

A partir da análise biomecânica do saque de arma de fogo, se concluiu que o coldre femoral implica em um aumento do arco de movimento na ação do saque, em relação ao coldre pélvico. Observando o indivíduo em posição anatômica, o coldre pélvico é fixado próximo das mãos, logo, o movimento do saque tende a ser mais natural, com economicidade de movimento, portanto, a realização com eficácia é mais fácil de ser obtida.

É importante destacar que, além de fatores exógenos, o nível de treinamento de determinado ato motor é um fator relevante a ser considerado pelas Corporações, pois, é uma das maneiras de garantir o alto desempenho técnico da tropa. Ao escolher o tipo e a posição do coldre, os policiais devem realizar treinamento adequado, de modo a realizar o saque refinado, propiciando o aumento da taxa de sucesso no saque (CAMPBELL et al, 2013).  

O coldre posicionado na perna implica no aumento do arco de movimento e exige maior torque dos músculos do membro superior dominante para que a mão acesse a arma de fogo no menor tempo, surge, então, a necessidade de maior carga de treinamento, por parte do policial militar, para atingir a ação motora de maneira ideal (rápida e precisa). Com a pesquisa se verificou que com o coldre na pelve os movimentos de saque são mais lineares, em relação àqueles realizados com o coldre na perna.

O saque com a arma de fogo na cintura ocorreu com oscilações verticais e horizontai menores para corrigir a empunhadura, do que se observou com no GCF, portanto, o nível de adestramento da tropa com o coldre pélvico tende a ser mais célere e simples. 

Outro ponto evidenciado foi que o coldre na região femoral exige maior torque dos músculos do membro superior dominante. Todos os indivíduos do GCF apresentaram oscilações de posicionamento e de velocidade, no momento em que a mão formava a empunhadura, logo, a velocidade atingida no saque está acima da velocidade ótima. As correções de posicionamento da mão no momento da empunhadura implicam no aumento do momentum para o engajamento da ameaça, pois, o lapso é estendido.

O nível técnico dos indivíduos que participaram da pesquisa foi desconsiderado, pois, devido à heterogeneidade dos policiais que compõem os pelotões da Companhia RONE, tal variável não pôde ser isolada. Foi considerado que todos os policiais que participaram do estudo concluíram os cursos de formação e já se encontravam há, no mínimo, 02 (dois) anos na atividade operacional. A impossibilidade em realizar a pesquisa com indivíduos de nível técnico e de experiência similares foi uma das limitações.

Outra limitação da pesquisa foi a não realização dos testes com um modelo de coldre de pélvico e um modelo de coldre femoral apenas. A utilização de um único tipo de coldre de cada posicionamento permitiria restringir a ação motora do saque à ação do policial, contudo, a adaptação a qualquer coldre exige várias repetições e treinamento prévio, logo, se optou por permitir que o indivíduo participasse do estudo com o equipamento que ele tem familiaridade, ou seja, com o que ele usa durante o serviço.

Não foi objeto de análise desta pesquisa, contudo, foi evidenciado que o tipo, bem como, o nível de retenção do coldre implicam na dilatação do tempo do saque. Os das marcas Uncle Mikes® e Maynards®, ambos com retenção tripla, utilizados por 25% (03) policiais do GCP, apresentaram dificuldade na fase de retirada da arma do coldre, no momento em que a mão dominante envolve o cabo da pistola e a libera das retenções.

Com estes dois modelos de coldres o saque da arma mostrou-se ineficaz, quanto ao tempo de resposta compreendido entre o sinal luminoso e a retirada da pistola. Houve distorção da linearidade do arco de movimento em decorrência das retenções do coldre. Com sistema de retenção bi-planar, isto é, aquele em que o indivíduo realiza o movimento com a mão até a arma de fogo no plano mediano e, após finalizar a empunhadura, promove uma torsão no plano frontal, para, então, liberar a arma, os policiais do GCP apresentaram saques ineficazes.

Por fim, o assunto não se esgota na presente pesquisa, sendo que, outras condições a serem analisadas surgiram durante o estudo. É de suma importância verificar se a problemática identificada com o GCF esta vinculada a distância do posicionamento do coldre femoral em relação à cintura, bem como, buscar proceder a análise biomecânica do saque com o indivíduo em deslocamento.

 

REFERÊNCIAS

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1 US ARMY – Exército dos Estados Unidos da América.

2 Cinto de Guarnição: Cinto de nylon utilizado para fixar equipamentos do policial militar da PMPR.