Atuação Policial e Bombeiro Militar na proteção dos Direitos Humanos: População LGBT

Cap. QOPM Deoclécio Aires Barbosa
Cap. QOPM Alexsander Cardoso
Cap. QOPM Fábio Bonifácio Ferreira
Cap. QOS Ana Cristina Mattana Alves
Cap. QOPM Ariádene Mara Figueiró
Cap. QOBM Geovana Angeli Messias

POLICY BRIEF
Este policy brief apresenta orientações pautadas nas diretrizes internacionais referentes à proteção dos direitos humanos de pessoas em situação de vulnerabilidade. Visa identificar o papel da Polícia Militar do Paraná e do Corpo de Bombeiros no desenvolvimento de políticas públicas voltadas à proteção dos direitos humanos da população LGBT, apontando as principais demandas referentes ao tema a serem trabalhadas pela Corporação:

    1. Políticas Públicas com foco na população LGBT
    2. O papel da Polícia Militar do Paraná e do Corpo de Bombeiros na proteção dos direitos humanos
    3. Conhecendo as diferenças
    4. Nome social
    5. Os direitos humanos na formação do policial e do bombeiro militar
    6. Procedimentos em ocorrências envolvendo população LGBT
    7. Ingresso e tratativas referentes ao público interno LGBT na PMPR
    8. Grupo de Trabalho LGBT da SESP

 

ATUAÇÃO POLICIAL E BOMBEIRO MILITAR NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: População LGBT

Em 1948 foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU – Organização das Nações Unidas, a qual estabeleceu os direitos básicos e liberdades fundamentais que passaram a pertencer a todos os seres humanos.

Embora o Artigo I da carta declare que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (ONU, 1948), atitudes homofóbicas muitas vezes combinadas com uma falta de proteção jurídica adequada contra a discriminação em razão de orientação sexual e identidade de gênero, expõem muitas pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) a violações de seus direitos humanos.

As instituições públicas, a serviço do cidadão, devem se preocupar em averbar e garantir que esses direitos sejam plenamente usufruídos por pessoas LGBT, por meio da implementação de políticas públicas com o objetivo de aumentar a conscientização sobre a violência e a discriminação homofóbica e transfóbica, bem como promover o respeito pelos direitos dessa população. Diante deste cenário, o presente trabalho se propõe a apresentar as principais definições relativas à população LGBT segundo os órgãos internacionais de direitos humanos, bem como, identificar as medidas a serem adotadas pela Polícia Militar do Paraná e pelo Corpo de Bombeiros como garantidores dos direitos humanos dessa população.

 

POLÍTICAS PÚBLICAS COM FOCO NA POPULAÇÃO LGBT

Nas últimas décadas observamos o surgimento das políticas públicas voltadas ao segmento social LGBT no sentido de orientar as decisões das esferas de Governo e sociedade civil, na criação de propostas para a conscientização sobre o tema, promoção da convivência cidadã e resolução de conflitos.

Destacamos o entendimento de que o Estado é o maior promotor dos direitos humanos, surgindo também para seus órgãos de segurança pública a responsabilidade-dever de atuação impulsionando o desenvolvimento social e promovendo a inclusão destes segmentos.

O cientista norte-americano Ronald Dworkin, reconhecido por suas teorias utilizadas em políticas públicas (teoria democrática e da moralidade pública), realiza discussões no âmbito jurídico trabalhando sobre a idéia de um ideal de justiça em um Estado Democrático de Direito. Em sua obra “A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade” afirma que a consideração igualitária é a virtude soberana da comunidade política (2011, p. I), deixando claro sua preocupação sobre o respeito e a igualdade como um valor político fundamental do Estado:

Podemos dar as costas à igualdade? Nenhum governo é legítimo a menos que demonstre igual consideração pelo destino de todos os cidadãos sobre os quais afirme seu domínio e aos quais reivindique fidelidade. A consideração igualitária é a virtude soberana da comunidade política. (DWORKIN, 2011, p. I).

A comunidade LGBT no Brasil vem adquirindo novos direitos. A luta pelo reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo ocorreu especialmente a partir de 1995, com a apresentação do Projeto de Lei nº 1.151. As conquistas têm se apresentado especialmente no âmbito do Poder Judiciário. Leis estaduais e municipais também têm combatido a discriminação por orientação sexual.

Embora a discriminação ainda persista contra os membros desta comunidade, progressos significativos têm sido feitos nas últimas décadas em termos de aceitação social e igualdade legal.

No Brasil, além da Constituição de 1988 proibir qualquer forma de discriminação de maneira genérica, várias leis estão sendo discutidas a fim de proibirem especificamente a discriminação aos homossexuais.

O PAPEL DA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ E DO CORPO DE BOMBEIROS NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

A Polícia Militar do Paraná (PMPR) é uma Corporação com 163 anos, baseada nos princípios da hierarquia e da disciplina, que tem por missão constitucional a polícia ostensiva e preservação da ordem pública. A PMPR tem como instituição orgânica o Corpo de Bombeiros, o que lhe confere ainda a missão constitucional de execução de atividades de defesa civil, prevenção e combate a incêndios, buscas, salvamentos e socorros públicos, além de outras atribuições definidas em lei.

As Polícias Militares e Corpos de Bombeiros são instituições que devem ser voltadas para o atendimento ao cidadão. O policiamento comunitário expressa uma filosofia operacional orientada à divisão de responsabilidades entre a polícia e cidadãos no planejamento e na implementação das políticas públicas de segurança. Desta forma, fica evidenciado o reconhecimento do potencial que a comunidade pode oferecer às organizações responsáveis pela Segurança Pública na resolução de problemas que afetam diretamente a vida de ambos: comunidade e polícia. Os membros da comunidade e os policiais comunitários devem conviver bem com as diversidades de gêneros, mostrando a importância social da polícia comunitária.

No Brasil, segundo pesquisa realizada pelo Ibope, no ano de 2015 com 18 instituições públicas, privadas e da sociedade civil, o Corpo de Bombeiros é a instituição com maior índice de confiança social, posição que ocupa desde 2009. Essa confiabilidade é alimentada pelos relatos de salvamento e de proteção à vida, construindo uma imagem de heroísmo no imaginário da população. Um dos pilares da atuação do CB/PMPR estabelecido no seu Planejamento Estratégico para os anos de 2017 a 2025 é o foco no cidadão. Dentre as metas a serem alcançadas, estabelece um índice de confiabilidade igual ou maior que 90 por cento.

Desta forma, a Polícia Militar do Paraná e o Corpo de Bombeiros devem buscar aprimorar seus procedimentos no atendimento aos cidadãos, apoiando-se em dois princípios fundamentais que sustentam o regime internacional de direitos humanos, igualdade e não discriminação.

CONHECENDO AS DIFERENÇAS

De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a orientação sexual constitui um componente fundamental da vida privada das pessoas, havendo conexão entre a orientação sexual e o desenvolvimento da identidade e do plano de vida de cada indivíduo, incluindo sua personalidade e as relações com outros seres humanos. Refere-se à direção da atração emocional, do desejo afetivo e sexual. Pode tanto se direcionar a pessoa de gênero diferente quanto do mesmo gênero do indivíduo, ou os dois simultaneamente. A orientação sexual pode ser:

Heterossexual: Quando o desejo afetivo e sexual tem como direcionamento único ou principal pessoas do gênero oposto.

Homossexual: Quando o desejo afetivo e sexual direciona-se a pessoas do mesmo gênero. Há, portanto, a identidade sexual Gay e Lésbica, sendo que a primeira refere-se à relação sexual e afetiva entre homens e a segunda entre mulheres.

Bissexual: Quando o desejo afetivo e sexual está direcionado a pessoas de ambos os gêneros.

A identidade de gênero está relacionada aos sentimentos, posturas subjetivas, representações e imagens relativas a papéis e funções sociais. Baseia-se nos eixos masculino e feminino, podendo ou não corresponder com o sexo assignado ao momento do nascimento. Não é determinada pelas transformações corporais, mas sim pela identificação com gênero igual ou diverso do sexo biológico.

Pessoa trans é o termo genérico utilizado para descrever diferentes variações de identidade de gênero, cujo denominador comum é que o sexo designado ao nascer não coincide com a identidade da pessoa. Também pode ser utilizado por alguém que se identifica fora do binário homem/mulher. Há alguns consensos em relação às terminologias utilizadas pelas pessoas trans:

Mulher Transexual: Pessoa que teve o sexo designado como masculino ao nascer, mas que vive como e busca reconhecimento social no gênero feminino. Busca modificações corporais do sexo para sustentar socialmente a vivência no gênero a que sente pertencer.

Homem Transexual: Pessoa que teve o sexo designado como feminino ao nascer, mas que vive como e busca reconhecimento social no gênero masculino. Busca modificações corporais do sexo para sustentar socialmente a vivência no gênero a que sente pertencer.

Travesti: Pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, assumindo papéis de gênero diferente daquele imposto pela sociedade.

Além da orientação sexual e da identidade de gênero, a CIDH apresenta ainda o conceito de expressão de gênero que se refere à manifestação externa do gênero de uma pessoa, a postura, forma de se vestir, gestos, linguagem, comportamento, interações sociais e a ausência de uma companhia do sexo oposto, são todos elementos que podem alterar as expectativas de gênero (CIDH, 2015, p. 33).

Preocupada com as violações sofridas por pessoas que nascem com padrões corporais que divergem do “masculino” e “feminino”, a CIDH passou a defender também os direitos humanos das pessoas intersexo. Desta forma, adotando a sigla LGBTI em suas diretrizes. Isso porque há diversos relatos de que as pessoas intersexo são submetidas a cirurgias de designação de sexo e operações nos genitais sem consentimento, na infância ou idade adulta, o que além de traumas, pode acarretar dores crônicas, falta de sensibilidade genital, esterilização forçada, dentre outros problemas que podem perdurar por toda a vida.

O conhecimento desses diferentes conceitos referentes à população LGBTI é o primeiro passo para minimizar o preconceito, pois a desinformação propicia embasamentos superficiais e promove visões limitantes.

NOME SOCIAL

O uso do nome social é vital para que indivíduos pertencentes ao universo transgênero tenham reconhecida sua legitimidade humana no contexto em que vivem.

O nome social é aquele pelo qual o individuo deseja ser atendido, ou seja, aquele que identifica o gênero que ele expressa, independente do seu nome de registro civil, livrando-o, assim, de situações constrangedoras e vexatórias. (SILVEIRA, 2013, p. 1)

A mudança do nome civil pode ser solicitada judicialmente, independentemente de cirurgia de transgenitalização. Entretanto, o processo pode ser moroso.

Diversos decretos, resoluções e portarias tem autorizado a utilização do nome social por travestis e transexuais, visando que a identidade de gênero dessas pessoas seja respeitada, antes do reconhecimento judicial. Exemplo disso está no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Federal que, através da Portaria nº 233/2010, assegurou aos servidores públicos transexuais e travestis, no Âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, o direito ao nome social. (CARVALHO, 2016, p. 18)

A Lei nº 9708/1998 alterou o Art. 58 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, abrindo a possibilidade para que as pessoas que possuem orientação de gênero travesti e/ou transexual, masculino ou feminino possam utilizar, ao lado do nome e prenome, um nome social que não os coloque em situação de constrangimento público.

OS DIREITOS HUMANOS NA FORMAÇÃO DO POLICIAL E DO BOMBEIRO MILITAR

É por meio do ensino que a PMPR incute doutrinas e desenvolve as competências dos profissionais que atuarão junto à população. A implementação de uma política pública em direitos humanos deve se iniciar pelos bancos escolares, nos cursos de formação, aperfeiçoamento, capacitação e atualização profissional voltados aos policiais e bombeiros militares.

O ensino da PMPR destina-se a desenvolver as competências necessárias aos militares estaduais ou a outros integrantes do sistema de segurança pública em todos os escalões hierárquicos, para um melhor desempenho técnico-profissional, devendo observar os seguintes princípios. (PMPR, 2014)

A Matriz Curricular Nacional, referencial teórico-metodológico para ações formativas da área de segurança pública, orienta a inserção da Disciplina de Direitos Humanos nos cursos de formação de natureza policial e bombeiro militar. A PMPR atende a referida orientação, entretanto verifica-se que os Planos de Disciplina muitas vezes deixam de abordar ou fazem breves apontamentos sobre o atendimento à população LGBT.

Desta forma, faz-se necessária a adaptação dos Planos de Disciplina de Direitos Humanos, bem como o desenvolvimento de uma interdisciplinaridade da temática LGBT nas disciplinas operacionais e de gestão de pessoas.

Além dos cursos de formação, é necessário que os conceitos de direitos humanos sejam trabalhados nos cursos de capacitação e na instrução continuada e, sempre que possível, abordando as diretrizes referentes à atuação junto à população LGBT.

Cabe ressaltar que somente a teoria não se mostra eficaz quando o assunto representa um tabu, como o caso da temática LGBT. É necessário um conhecimento prático das dificuldades vivenciadas por essa população, que possibilite que aqueles que têm o preconceito enraizado, passem a perceber efetivamente as pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexo como seres humanos, detentores dos mesmos direitos e deveres daqueles que se enquadram nos padrões tradicionais de gênero.

PROCEDIMENTOS EM OCORRÊNCIAS ENVOLVENDO POPULAÇÃO LGBT

A Polícia Militar, no exercício da missão constitucional de polícia ostensiva e preservação da ordem pública é a instituição que se constitui na maior promotora dos direitos humanos em nosso país. Para o exercício de suas atividades, a Polícia Militar utiliza-se da abordagem policial para iniciar uma interação com a população, seja tão simplesmente para se comunicar com uma possível vítima de crime a fim de coletar os dados da ocorrência ou interagir nas atividades de polícia comunitária, seja para iniciar uma ação policial visando verificar uma atitude suspeita, com a posterior realização da busca pessoal a fim de localizar armas, drogas e/ou produtos ilícitos. A abordagem policial representa um encontro da polícia com o público, sendo que os procedimentos técnicos adotados pelos policiais variam de acordo com as circunstâncias e com a avaliação feita pelo policial sobre a pessoa com quem interage, a qual poderá estar relacionada ao contexto criminal ou não, ou seja, tanto o Policial Militar, assim como o Bombeiro Militar realizam a abordagem para interação com o público a ser assistido.

Além de ser uma forma de interação inicial do policial militar com o público, no caso específico da Polícia Militar, a abordagem também é uma ação policial proativa e constante, que ocorre durante as atividades de policiamento, podendo ser realizada por iniciativa da equipe policial ou por determinação da Central de Operações para a realização de atendimento de uma ocorrência policial solicitada pela população, como por exemplo, nas ocorrências de roubos, furtos, tráfico de drogas, denúncias sobre indivíduos portando armas de fogo, drogas e/ou objetos ilícitos, etc. Neste contexto, os procedimentos da abordagem policial preveem a interceptação de pessoas e veículos na via pública, sendo que o policial militar utiliza-se de comandos verbais enérgicos (em alto tom) e claros para interagir com o indivíduo suspeito: polícia militar; mostre as mãos; levante as mãos; coloque as mãos na cabeça; vire-se de costas para a equipe policial!

Após o atendimento dos comandos verbais do policial, e estando o indivíduo suspeito devidamente controlado e posicionado em local seguro, é procedida a busca pessoal, a qual independe de mandado judicial, quando houver a fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida, munições, drogas ilícitas ou objetos oriundos da prática de crimes. A decisão de agir é exclusiva do policial e é respaldada pela legislação processual penal brasileira (arts. 240 “usque” 249 do Código de Processo Penal). Conceitualmente, a busca pessoal é uma técnica policial utilizada para fins preventivos ou repressivos, que visa a procura de produtos de crime, objetos ilícitos ou lícitos que possam ser utilizados para a prática de delitos e que estejam de posse da pessoa abordada em situação de suspeição. É realizada no corpo, nas vestimentas e pertences do abordado, observando-se todos os aspectos legais, técnicos e éticos necessários. A busca pode ser realizada independente de mandado judicial, desde que haja fundada suspeita.

Destaque-se que tanto na abordagem policial (na emissão dos comandos verbais) ou na execução da busca pessoal (quando há o contato físico das mãos do policial com o corpo e pertences do suspeito), são momentos com grande possibilidade de ocorrência de conflito (reação do indivíduo suspeito), considerando o estado de ânimo do abordado, o qual poderá estar embriagado, ter feito uso de drogas ilícitas, assim como poderá estar com o estado psicológico alterado por ter conhecimento de que será inevitavelmente preso por estar em estado de flagrância (porte de arma de fogo, posse de drogas ou produtos ilícitos, mandado de prisão em aberto, etc). Considerando estes fatores para a garantia da segurança do policial, este deverá manter-se em estado de atenção no momento da abordagem, contudo deverá atuar com educação e respeito para com o público, nos gestos, atos e palavras. Ser enérgico não é sinônimo de desrespeito, de violência. Energia e firmeza empregadas não podem ser confundidas com atos de violência e de arbitrariedade por parte da Equipe Policial, ressaltando-se que em todos os casos a técnica a ser utilizada é aquela que preconiza o respeito ao cidadão.

Dessa forma, os procedimentos adotados pela equipe policial variam de acordo com os fatos motivadores da abordagem e com o ambiente. Além disso, o policial militar deve compreender as peculiaridades daquele com quem interage e não vincular essa interação, necessariamente, a ações delituosas. Em cada abordagem realizada, o policial militar deve utilizar técnicas, táticas e recursos apropriados ao público-alvo desta intervenção policial, esteja a pessoa em atitude suspeita ou não.

No que se refere aos procedimentos específicos para a realização da abordagem policial às pessoas integrantes do grupo LGBT, devem ser aplicadas todas as técnicas policiais previstas para a população em geral, contudo o policial militar deverá ser instruído sobre os conceitos específicos existentes e aplicáveis aquele grupo, como por exemplo, identidade de gênero, orientação sexual, homofobia, nome social, e ainda, que nossa Constituição Federal ampara os direitos fundamentais de todas as pessoas, não podendo existir diferenciação entre as pessoas assistidas, cabendo a Polícia Militar, no exercício de sua missão constitucional, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Assim sendo, o policial militar, como promotor dos direitos humanos, deve atuar respeitando a sexualidade do cidadão. Todavia, é necessário que as pessoas integrantes do grupo LGBT ao serem abordadas, declarem ao policial militar a sua identidade de gênero e nome social, evitando-se assim situações de constrangimento e permitindo a plena garantia de direitos na atuação policial, como por exemplo, a destinação de uma policial feminina para realizar a busca pessoal, tanto na mulher transexual e na travesti, como no homem transexual. Isso porque o Art. 249 do Código de Processo Penal, preconiza que “a busca em mulher deve ser feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência”. Asiim, tanto pessoas do sexo biológico feminino, quanto transexuais devem ser revistados sempre que possível por policiais femininas.

Da mesma forma, quando ocorrer a prisão de transexuais, tanto femininos quanto masculinos, deverão ser conduzidos em separado dos homens biológicos, pois há legislação específica relativa ao cárcere de mulheres (Art. 766, do Código de Processo Penal), cabendo ao policial militar uma atenção especial na prevenção da violência homofóbica, garantindo-se assim a integridade física do preso.

Os documentos oficiais, como boletins de ocorrência, dentre outros, deverão conter, além do nome de registro (da cédula de identidade), o nome social informado (BRASIL, 2013).

Com relação à atuação do Corpo de Bombeiros, todos os atendimentos devem ser pautados em servir e respeitar o cidadão. A atividade de atendimento pré-hospitalar (APH) é a que exige uma maior compreensão dos conceitos relacionados à população LGBT. As vítimas de trauma ou de problemas clínicos encontram-se vulneráveis, o que exige por parte do bombeiro militar que atua como socorrista sensibilidade na abordagem à pessoa. O protocolo de APH é pautado pelo quadro apresentado pela vítima, sendo que as prioridades de atendimento são definidas pelo grau de risco em que essas se encontram. Desta forma, no APH, e até mesmo nos salvamentos, não há diferenciação de atendimento em decorrência de sexo, idade, raça ou qualquer outro critério que não seja o grau de risco.

Entretanto, o conhecimento dos conceitos de transexualidade e de intersexualidade pode ser relevante na apuração do quadro da vítima em virtude da possibilidade da ausência ou presença de órgãos sexuais, não correspondentes à identidade ou expressão de gênero desta. Considerando que há algumas variáveis no atendimento de gestantes, tal como o lado em que é realizado o procedimento de rolamento, o bombeiro militar deve estar atento à possibilidade de se deparar com uma vítima transexual masculino em período de gestação, o que exigirá uma rápida identificação do quadro para adoção dos procedimentos mais adequados.

INGRESSO E TRATATIVAS REFERENTES AO PÚBLICO INTERNO LGBT NA PMPR

Considerando as diferenças biológicas, anatômicas e genéticas existentes entre homens e mulheres, o ingresso e as tratativas referentes ao público interno LGBT merecem especial atenção em uma Instituição como a Polícia Militar do Paraná. Alguns questionamentos são fundamentais, como a constitucionalidade da exigência, ou critérios para aplicação de Teste de Aptidão Física (TAF) em casos envolvendo transexuais.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou a respeito da aplicação dos testes de aptidão física em concursos públicos, considerando que não há inconstitucionalidade de tal exigência para cargos públicos que exijam força física, onde homens e mulheres são submetidos aos testes independentes do gênero. Portanto, se há previsão para o teste físico e o cargo a ser preenchido exige essa aptidão para a sua atuação, considera-se legítima e constitucional a exigência do TAF também para transexuais. Porém, a maior polêmica consiste se o transexual será submetido ao teste físico feminino ou masculino. Nesse caso, deve ser levada em consideração a identidade de gênero ou a identidade biológica? De acordo com o entendimento do STF, prevalecem os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e isonomia, priorizando a natureza jurídica envolvida e não as peculiaridades de cada caso.

Portanto, se o candidato teve seu direito reconhecido pela via judicial ou via cartório sendo considerado oficialmente homem ou mulher, o que prevalece é a última identidade psicossocial em detrimento à identidade biológica, mesmo que biologicamente não tenha havido alteração hormonal ou terapêutica. Logo, o que é válido juridicamente é o que deve ser aplicado nos testes realizados pelos candidatos nos concursos públicos.

Apesar desse entendimento, deve-se considerar a questão que um transexual masculino é um homem modificado por fora, porém com código genético, DNA e cromossomos masculinos, apresentando fisicamente vantagens em relação às mulheres. Há clara desvantagem do sexo feminino em relação ao masculino para desempenho de tarefas militares por conta da diferença da força muscular, composição corporal e diferenças endócrinas (FORTES et al, 2015).

Considerando que na maioria das polícias militares o TAF é classificatório, a condição física do transexual masculino traria vantagens em relação às candidatas do sexo feminino, desrespeitando o princípio constitucional da isonomia. Além disso, os militares também são submetidos a testes físicos ao longo da carreira, que também apresentam caráter classificatório.

Além dessas questões relativas ao ingresso e TAF, devem ser considerados outros aspectos quanto ao público interno LGBT. Uma das maiores problemáticas compreende o uso de banheiros e alojamentos coletivos, pois existem banheiros de uso comum na parte dos chuveiros, sem boxes individuais, o que poderia causar constrangimento em algumas situações, assim como o uso coletivo dos alojamentos.

GRUPO DE TRABALHO LGBT DA SESP

Considerando os princípios de Yogyakarta sobre a aplicação da legislação internacional de Direitos Humanos em relação à orientação sexual e à identidade de gênero, definidos pelo painel internacional de especialistas da Organização das Nações Unidas, bem como a necessidade de empreender esforços no sentido de buscar o acesso às políticas de segurança pública à população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), previsto no Plano Estadual de Políticas Públicas para Promoção e Defesa dos Direitos de LGBT do Paraná, de 2013, a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná (SESP) instituiu, em 2016, o Grupo de Trabalho LGBT (GT-LGBT) por meio da Resolução nº 379/2015. O GT-LGBT é um órgão consultivo, propositivo e de assessoramento junto à SESP que tem por principais competências:

• promover a articulação do poder público estadual com os grupos de defesa de direitos da população LGBT;

• fomentar a cooperação de órgãos e entidades, no âmbito do poder público estadual, com vista ao reconhecimento e respeito à população LGBT;

• adotar as medidas necessárias à criação de um observatório de boas práticas em segurança pública, relacionadas ao enfrentamento à homofobia e transfobia;

• adotar mecanismos para a capacitação de todas as unidades policiais e prisionais quanto ao atendimento de ocorrências relacionadas a crimes de ódio e delitos de intolerância contra a população LGBT;

• adotar mecanismos destinados à adequação dos formulários de registros policiais, para que contenham campo específico para registro de nome social, orientação sexual e identidade de gênero.(SESP, 2015)

 

O GT-LGBT da SESP é composto por representantes da Polícia Militar do Paraná, do Corpo de Bombeiros, do Departamento de Polícia Civil, Departamento de Execução Penal, da Polícia Científica, da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, do Ministério Público do Estado do Paraná, da Ordem dos Advogados do Brasil e por membros da sociedade civil. É um exemplo de que o Paraná está preocupado em estabelecer políticas públicas voltadas à proteção dos Direitos Humanos da população LGBT.

 

DESAFIOS PARA O FUTURO

A Polícia Militar luta para ser reconhecida como um ator social e poder se beneficiar com os ensinamentos das chamadas "políticas públicas" que em muito vem incluindo questões policiais em vários campos. As Corporações Policiais fazem parte da administração estatal, prestam serviço público para a coletividade, que é composta por uma gama imensa de segmentos, inclusive o LGBT. Neste sentido é importante buscar conhecimento para que a polícia possa produzir também ações que afetem positivamente a população LGBT.

Uma das características mais significativas da atividade policial é referente à sua universalidade ou generalidade – atende a todos, de dia ou noite, em dias da semana ou feriados, intervindo em qualquer tipo de situação tentando trazer o fato para um patamar considerado normal, e essa normalidade social impõe concretamente na vida policial cotidiana uma atenção e postura diferenciada frente ao público LGBT.

Uma Política de Tratamento da PMPR a este público, definida e baseada numa análise profunda de informações detalhadas sobre a situação geral do entendimento dos integrantes da Corporação. Para definir sua política, a PMPR não pode se basear exclusivamente no seu entendimento sobre o caso, deve se socorrer e buscar auxílio multidisciplinar para tratar de aspectos específicos da situação na Instituição, examinar a atitude corporativa, as estratégias e motivações de ação frente a este grupo, bem como combater o modelo preconceituoso com ênfase em uma “moralidade sexual, de gênero, etc”, que somente desacredita e coloca as instituições governamentais como oponentes ou longe de atitudes práticas. Estes cidadãos não possuem vida dupla - possuem vida. Não merecem outro padrão de respeitabilidade – merecem respeito em sua privacidade, na esfera privada ou pública. Embora no Paraná exista uma preocupação em articular os órgãos de segurança para a promoção dos Direitos Humanos da população LGBT, verifica-se que ainda é necessário tornar concretas algumas demandas apontadas pelo GT-LGBT da SESP, tal como a disponibilização identidade social pelo Instituto de Identificação da Polícia Civil do Paraná, ou mesmo pelo Departamento de Transito (DETRAN) como ocorre em outros Estados, para, a partir dessa medida tornar viável e seguro o registro de ocorrências com o nome social. Isso porque o uso do nome social, sem um documento oficial que o vincule ao Registro Geral (RG) da pessoa, pode oportunizar fraudes, como a obtenção indevida do seguro DPVAT por supostas vítimas de acidentes de trânsito.

Além do público externo, a PMPR deve pregar o respeito à diversidade de seu público interno, cumprindo assim os requisitos dos Direitos Humanos. Nesse sentido, as questões relativas ao ingresso, aplicação de TAF, uso de alojamentos e banheiros coletivos por integrantes transexuais devem ser cuidadosamente estudadas e discutidas, com abordagens responsáveis, levando em consideração as particularidades existentes nas carreiras militares, a fim de buscar soluções viáveis para lidar com as diferenças de gênero.

A análise dessa relação entre a Corporação e o público LGBT revela o impacto que pode causar positivamente a proposta de alteração de costumes, bem como as dificuldades enfrentadas pela Instituição na realização destas ações igualitárias e democráticas.

 

REFERÊNCIAS:

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CARVALHO, Lucas Saldanha de. A Retificação do Nome no Registro Civil como Mecanismo de Acesso à Cidadania para Transexuais e Travestis. Porto Alegre: UFRS, 2016.

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DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

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FORTES, M.S.R.; MARSON, R.A.; MARTINEZ,E.C.Comparação de desempenho físico entre homens e mulheres: revisão de literatura.R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 23, n. 2, p. 54-69, 2015.

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PINC, Tânia. Abordagem Policial: avaliação do desempenho operacional frente à nova dinâmica dos padrões procedimentais. Artigo. Tânia Pinc é Mestre e Doutoranda pelo Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo – DCP/USP. 2007. Disponível em: <http://www.uece.br/labvida/dmdocuments /abordagem_policial_avaliacao_do_desempenho_operacional.pdf>. Acesso em: 8 Jul. 2018.

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SILVEIRA, M., et. al

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