Proteção social à criança e adolescente: uma questão de direito

Ten.-Cel. QOPM Antonio Carlos Campos Junior
Ten.-Cel. QOPM Rubens Garcez da Luz
Ten.-Cel. QOPM Renato de Oliveira Ribas Filho
Ten.-Cel. QEOPM José Antonio Rodrigues
Ten.-Cel. QOPM Marcus André Barbosa Goeth
Maj. QOPM Joas Marcos Carneiro Lins

POLICY BRIEF
O presente artigo consiste na abordagem sobre a garantia dos direitos das crianças e adolescentes, sendo que tais direitos são relativamente recentes e ainda suscitam discussões, resistências e até descrença na aplicação da lei. A evolução e internacionalização do direito provocaram o avanço na proteção dos direitos das crianças e adolescentes, declarando-os como sujeitos internacional de direitos. Serão trazidas à lume as linhas gerais da evolução histórica dos direitos humanos voltados para os infanto-juvenis, os quais são parte integrante da rede de proteção social de forma sustentável e eficiente através da promoção do espírito cívico e comunitário, onde o Estado, a família e a sociedade devem prover a inclusão dos direitos humanos com o único caminho para garantir a formação plena do cidadão.

 

PROTEÇÃO SOCIAL À CRIANÇA E ADOLESCENTE: uma questão de direito

A sociedade brasileira evoluiu nas questões de assistências sociais, as quais devem ser entendidas como políticas de proteção e não de assistencialismo. O Estado reconheceu o seu papel na proteção dos direitos do cidadão, e diante desta importante presença estatal, qual seria o papel da Polícia Militar do Paraná (PMPR) na composição e atuação na rede de proteção social em consonância com as políticas públicas e programas sociais já existentes.

REDE DE PROTEÇÃO

A rede de proteção legalmente já existe em todo o território nacional, o que vem ocorrendo nos últimos anos é a quebra das barreiras que vinham impedindo a comunicação mais efetiva entre os diversos órgãos envolvidos no sistema, o que dificultava um trabalho mais eficiente.

A Constituição Federal de 1988, consagrou no Art. 227: “É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de coloca-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, prevê em seu Artigo 4º que: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” Consigna ainda, em seu parágrafo único que a garantia de prioridade compreende: primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

A Política de Assistência Social além de estar inserida na Constituição Federal, também encontra regulamentação na Lei n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993 - Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), onde podemos observar que a Assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

A PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS

A política do ECA ao longo de 29 anos de existência em consonância com a Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, demonstrou que é possível transformar a vida de crianças e adolescentes, sendo juntamente com políticas sociais, a maneira mais eficaz de ajudar um grupo de pessoas a quem é negado o acesso aos cuidados de saúde, nutrição e de um lugar seguro para viver e somente através de ações efetivas do governo e da sociedade conseguir-se-á diminuir a desigualdade e exclusão social.

O direito à liberdade, à dignidade e ao respeito exerce influência de forma direta na formação da criança e do adolescente e também no fortalecimento do vínculo familiar, sendo a família o primeiro núcleo de socialização onde deve ocorrer a transmissão de valores, usos e costumes. No entanto membros da própria família são apontados por alguns estudos como os responsáveis pela violação desses direitos. Violações desta natureza resultam na desestruturação familiar, sendo que eu muitos casos a criança ou o adolescente são retirados do convívio familiar de maneira temporária ou permanente com a única finalidade de preservar os seus direitos, evitando que a violência seja transmitida pela família como uma herança.

PROTEÇÃO DO DIREITO E SUAS FASES

No passado a legislação brasileira apenas preocupou-se com as sanções que deveriam ser aplicadas às crianças e adolescentes que não se harmonizassem nos padrões exigidos para a época. Durante muito tempo o simples fato de estarem em situação irregular era o suficiente para serem punidos, até mesmo com a privação da liberdade, não importando a diferença entre carência e delinquência, ou seja, ambos eram tabulados sob o mesmo argumento.

Conforme Jadir Cirqueira de Souza (2008, p. 71): (...) no Período Colonial, as crianças e os adolescentes não possuíam direitos. Na verdade, eram meros objetos das práticas religiosas. Depois, passaram a receber a parcial proteção do Estado. Em seguida, constituíram objeto de punição do Estado, por ocasião da prática de crimes e/ou em estado de miserabilidade. Na sequência, foram objeto de políticas públicas meramente assistencialistas e/ou filantrópicas. Finalmente, na fase da Constituição Federal e do ECA receberam tratamento de sujeitos de direitos e deveres.

Sendo assim, as crianças e adolescentes não possuíam direitos, tempos depois passaram a ter relação direta com o Estado no recebimento de ações punitivas e nas políticas assistencialistas e finalmente a legislação brasileira sobre o tema ganha notoriedade com o Estatuto da Criança e do Adolescente, onde a população infanto-juvenil deixa o estigma de menor e objeto e passa à condição de criança e adolescente.

Nesta perspectiva, para alguns estudiosos da área, a exemplo de Sérgio Salomão

Shecaira (23008, p. 27) e Karyna Batista Sposato (2006, p.26), a legislação brasileira sobre criança e adolescente pode ser dividida em três fases: a primeira de caráter penal indiferenciado, a segunda de caráter tutelar e a terceira de caráter garantista (protetiva).

Fase penal indiferenciada

É o período compreendido com a instituição dos códigos penais liberais do XIX, estendendo-se até às legislações estabelecidas no século XX, onde os “menores de idade” tinha o mesmo tratamento penal que os adultos, eram encarcerados no mesmo ambiente promiscuo, apenas tinham suas penas abrandadas.

Fase tutelar

Esta fase começa a partir de 1920, aqui adotava-se medidas especializadas, sem tratar o “menor de idade” da mesma maneira que os adultos, mantendo-os em locais separados e com penas diferenciadas, cuja finalidade era educativa, ainda que rigorosas.

Fase garantista

Em razão dos movimento de mobilização social, na década de 80, devido a abertura política que o Brasil enfrentava, a sociedade lutava por melhores condições de vida e dentre as diversas reivindicações estava a revogação e a consequente substituição do Novo Código de Menores de 1979 pelo Estatuto da Criança e do adolescente, sendo que o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, defendeu com muita veemência esta medida.

Em 1987, em razão da união e organização de alguns movimentos meses antes da promulgação da Constituição de 88, criou-se a Comissão Nacional da Criança e Constituinte, onde em todo o país se espalharam fóruns de discussão sobre os direitos das crianças e dos adolescentes.

Além do esforço da sociedade, devemos ressaltar a energia do governo na promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, onde as crianças e adolescentes foram reconhecidas com cidadãos em formação e tiveram seus direitos reconhecidos, sendo neste momento introduzido o princípio da proteção integral.

Sob a influência da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, em 20 de novembro de 1989, das Regras de Beijing, das Diretrizes de Riad, entre outros, no dia 13 de julho de 1990, foi promulgado pelo Congresso Nacional o Estatuto da Criança e do Adolescente, sob a Lei nº 8.069. Assim a terceira fase, inicia-se em 1988, com a CF e termina em 1990, esta fase rompeu com os dois períodos anteriores, a terceira etapa atribui a responsabilidade pela garantia dos direitos ao Estado, à família e à sociedade, onde a implementação de políticas sociais não deve ser confundia com assistencialismo ou caridade.

A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIRETIOS HUMANOS

A Convenção Americana sobre direitos humanos, também conhecida como Pacto de San José, a qual entrou em vigor para o Brasil em 25 de setembro de 1992, dedica o seu Capítulo II – Direitos Civis e Políticos, Artigo 19, à proteção dos direitos da criança, onde podemos observar: “Toda criança terá direitos às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado.” Em 2001, a Comissão Internacional de Direitos Humanos solicitou à Corte Interamericana de Direitos Humanos uma Opinião Consultiva, com a finalidade de determinar se as medidas de proteção estabelecidas no artigo 19 da Convenção (citado no parágrafo anterior) diz respeito ao arbítrio ou a discricionariedade dos Estado em relação às crianças. Levando em consideração que a Corte adotou o conceito de que: “criança é todo ser humano com idade inferior a 18 anos, salvo, se nos termos da lei que lhe for aplicável, a maioridade seja alcança antes da idade”, como está previsto no artigo 1º da Convenção sobre Direitos da Criança. Assim sendo, na Opinião Consultiva nº 17/2002, a Corte considerou inaceitável qualquer disparidade de tratamento entre os seres humanos, e após longa discussão a Corte estabeleceu 13 pontos de vital importância para a proteção dos direitos da criança e adolescentes, entre eles destacamos: “que a criança é sujeito de direitos e deveres”, e com maestria em seu voto Juiz Cançado Trindade nos ensina que: “o proprietário dos direitos é o ser humano de carne, osso e alma, não a condição existencial em que se encontra temporariamente.”, enfatizando a consolidação da personalidade jurídica da criança, fato que permeou todo o Parecer Consultivo nº 17 e tornou-se jurisprudência da Corte sobre a Condição Jurídica e Direitos Humanos da Criança, uma vez que foi estruturada na definição de cinco pontos: (I) definição de criança; (II) igualdade; (III) interesse superior da criança; (IV) deveres da família, sociedade e Estado; (V) procedimentos judiciais ou administrativo que participem crianças. Desta forma a Opinião Consultiva nº 17/02, foi a primeira vez que a Corte Interamericana de Direitos Humanos ao exercer a sua função consultiva reconheceu a criança como sujeito de direitos, sendo o principal vetor da doutrina de proteção integral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criança por muito tempo foi negligenciada pela sociedade e pelo direito, sendo que o reconhecimento de seus direitos como cidadão é um fato recente na história. A Constituição Federal de 88, juntamente com outras legislações nacionais e internacionais, romperam com uma cultura punitiva do Código de Menores e entenderam as crianças como sujeitos de direitos e merecedores de tratamento especial.

A mudança de postura e paradigma na sociedade brasileira ocorreu com o advento do ECA, nos anos de 1990, ficando reconhecida internacionalmente como uma legislação promissora a qual inspirou legislações em outros países, mesmo assim até os dias atuais encontra dificuldade para uma implementação mais efetiva como falta de pessoal no Conselho Tutelar, falta de política públicas

Voltadas às crianças e adolescentes, falta de conhecimento sobre direitos humanos, especialmente com relação ao infanto-juvenis.

Somente através da educação, capacitação para a cidadania, do enaltecimento dos valores e da importância do respeito e preservação dos direitos humanos, com o Estado, sociedade e família assumindo as suas responsabilidades, poderemos contribuir para maior evolução dos direitos humanos, tornando-o cada vez mais efetivo na proteção, não só das crianças e adolescentes, mas de toda a humanidade com o engajamento coletivo e envolvimento de todos nas políticas sociais, desta forma teremos de fato o verdadeiro conhecimento da doutrina da proteção integral, permitindo a criança e ao adolescente o seu pleno desenvolvimento sob a guarda do Estado, da sociedade e da família.

E finalmente, em 1959, a Assembleia Geral da ONU, reconhece os direitos a imunidade à discriminação, a ter um nome, uma nacionalidade, direitos à educação, cuidados de saúde e proteção especial. Este reconhecimento, passou a ser a viga mestra para a atuação do Estado e da sociedade em ralação às crianças. A afirmação da ONU quando declara que: “A humanidade deve dar à criança o melhor de seus esforços”, passou a constituir-se, no mínimo, num marco moral para os direitos da criança.

 

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Lei nº 8.069/1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Senado Federal: Coordenação de Edições Técnicas, 2017.

BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos. Protocolo nacional conjunto para proteção integral a crianças e adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência em situação de risco e desastres. Brasília, DF, 2013.

BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Brasília, DF: Casa Civil, 1992.

BRASIL. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção Sobre os Direitos da Criança, de 22 de novembro de 1990. Brasília, DF: Casa Civil, 1992.

SOUZA, Jadir Cirqueira de . A efetividade dos direitos da criança e do adolescente. 1. ed. São Paulo: Pillares, 2008.

CORBELLINI, Gisele. Convenção dos direitos da criança - direito de todos. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/conven%C3%A7%C3%A3o-dos-direitos-da-crian% C3%A7a-direito-de-todos: Acesso em: 18 de março de 2019.

FERRAZ, Hamilton Gonçalves. Núcleo Interamericano de Direitos Humanos. Disponível em: https://nidh.com.br/a-opiniao-consultiva-n-17-02-da-corte-interamericana-um-marco-naprotecao-internacional-a-criancas-e-adolescentes/: Acesso em: 18 de março de 2019.