Atuação da Polícia Militar do Paraná no contexto das políticas públicas: voltadas à população em situação de rua

Cap. QOPM Rangel Calixto Peijo
Cap. QOPM Cecílio Campiolo Luz
Cap. QOPM Marcelo Ferreira Ribas
Cap. QOPM Cleverson Rodrigues Machado
Cap. QOPM Charles Michel Rocha
Cap. QOPM Juan Diego Farias de Abreu

POLICY BRIEF
Este policy brief apresenta a atual conjuntura da atuação da Polícia Militar em Políticas Públicas voltadas à população em situação de rua com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e na Política Nacional para à População em Situação de Rua:

  1. Direitos humanos / fundamentais - dever de promoção – omissão – políticas públicas
  2. A problemática da população em situação de rua
  3. Política nacional para a população em situação de rua
  4. O papel da Polícia Militar do Paraná na proteção dos direitos humanos
  5. Atuação da Polícia Militar do Paraná no contexto das políticas públicas voltadas à população em situação de rua
  6. Considerações Finais

 

ATUAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: voltadas à população em situação de rua

A Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê a dignidade da pessoa humana como núcleo fundamental da vida humana, portanto o Estado deve criar condições do desenvolvimento da dignidade, bem como adotar mecanismos para efetivar tal preceito. O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais adotada pela Resolução n.2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992 veio para corroborar com essa ideia, trazendo o direito a moradia como um meio para se atingir a dignidade. No Brasil o decreto federal nº 7.053 de 2009 traz a Política Nacional para a População em Situação de Rua com suas diretrizes e objetivos, entretanto apesar de todo esse sistema de proteção jurídica vemos que na prática poucas são as ações efetivas. Estar em situação de rua resulta em recorrentes violações de direitos humanos que impedem uma mínima dignidade, desta forma a atuação da Polícia Militar não pode ser mais um mecanismo violador como justificativa na preservação da ordem pública. Portanto o presente trabalho tem o objetivo de identificar os preceitos jurídicos, sociológicos e filosóficos aplicáveis à temática proposta e identificar a capacidade da Polícia Militar em influenciar positivamente na prevalência dos direitos humanos da população em rua.

DIREITOS HUMANOS/FUNDAMENTAIS - DEVER DE PROMOÇÃO – OMISSÃO – POLÍTICAS PÚBLICAS

A condição de ser humano, confere a cada indivíduo a garantia de direitos e prerrogativas inerentes à sua dignidade. A “inerência” é uma das características dos Direitos Humanos, pela qual: “...tais direitos pertencem a todos os indivíduos pela simples circunstância de serem pessoas humanas, não consistindo em concessões do Estado ou de quem quer que seja, nem exigindo o preenchimento de qualquer requisito. Em suma, “basta a condição de ser pessoa humana para que todos possam vindicar seus direitos violados, tanto no plano interno como no contexto internacional”.1 Uma postura da sociedade que gera um desprezo para com a situação do semelhante, mais que o próprio regime capitalista em que estamos inseridos, gera, com frequência, uma desconsideração para com determinados grupos vulneráveis, desrespeitando-se seus direitos mais basilares.

SAMUELSON e NORDHAUS, ao descreverem as fontes de desigualdade, propõem os seguintes questionamentos, seguidos de uma assertiva impactante: “Qual é a origem da pobreza e da riqueza? O desleixo? A boa sorte? Ou a riqueza herdada? As atitudes das pessoas face à desigualdade têm bastante peso na determinação das orientações políticas respeitantes à redução da desigualdade.”2 A assertiva permanece atual, sendo fácil sua percepção no caso da omissão estatal em relação à implementação de políticas públicas voltadas à população carcerária, o que ocasiona a manutenção de presidiários em condições degradantes, que nenhuma relação tem com a dignidade da pessoa humana. Tal postura estatal é decorrência da forma como a sociedade, talvez por conta da influência da mídia, vê esta parcela da sociedade, isto é, como segregados, indignos do convívio social e passíveis de toda forma de arbitrariedades em resposta ao mal por eles feito.

O mesmo pode-se dizer em relação à ideia sobre moradores de rua. Estes, pela maioria da sociedade, são encarados como desocupados, que se acumulam nas regiões dos semáforos como pedintes, que incomodam ao ocupar calçadas, ao dormir nas marquises, ao deixar os ambientes fétidos. A sociedade fecha-se à uma perspectiva de encarar tais indivíduos como semelhantes, destituídos de parcela da riqueza social.

O Estado deve ser o maior promotor dos direitos fundamentais, ainda quando de baixa densidade, possam ser encarados como princípios. “O elemento central da teoria dos princípios de Alexy é a definição de princípios como mandamentos de otimização. Para ele, princípios são normas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes”.3 Digno de destaque que o Estado brasileiro é signatário de diversos tratados internacionais que elencam direitos humanos a serem respeitados, implementados e promovidos por parte dos entes públicos. Eventual desconsideração da obrigação de dar cumprimento a tais deveres pode gerar a responsabilização internacional, por meio dos sistemas de proteção dos direitos humanos.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais elenca importantes obrigações atinentes à qualidade de vida, a serem observadas pelo Estado: “O artigo 11 preocupa-se inicialmente com a qualidade de vida, consagrando o direito a alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua das condições de bem-estar na sociedade. No campo da segurança alimentar, consagra ainda o direito à proteção contra a fome, que deverá ser combatida pela melhoria dos métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios; pela difusão de princípios de educação nutricional; pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais; e pela repartição equitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação à necessidades de importadores e exportadores de alimentos.”4

No entanto, embora o estado brasileiro seja signatário de diversos tratados internacionais que se destinam à proteção e promoção dos direitos humanos e, em que pese a previsão constitucional constante do Art. 5º, § 1º (§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata), na prática, há uma omissão estatal em relação à promoção de diversos direitos fundamentais e sociais. Essa omissão, segundo LIANE, é atrelada a três questões: “À exigibilidade das normas de direitos fundamentais sociais opõem-se, em especial, três obstáculos, razão pela qual são aqui chamados de tripé denegatório, que se constitui pela sua suposta baixa densidade normativa, pela reserva do financeiramente possível e, finalmente, pelas reservas do legislador e do administrador.”5

Dessa forma, torna-se evidente que a mera previsão constitucional, sem o compromisso de implementar os direitos sociais, torna a previsão uma letra morta. Não podemos permitir que essa omissão torne nossa constituição uma mera folha de papel, como reconheceria Ferdinand Lassale, que considerava a Constituição, como a soma dos fatores reais de poder que emanam da população. “Ferdinand Lassale, na sua significativa obra A Essência da Constituição, revelou os fundamentos sociológicos das Constituições: os fatores reais de poder que regem uma determinada sociedade. Esses fatores reais do poder que atuam no seio de cada sociedade consistem, segundo Lassalle, numa força ativa e eficaz que, por uma exigência da necessidade, informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes no país, determinando que elas sejam o que realmente são. Quer dizer, a Constituição real e efetiva é um produto das infraestruturas sociais (econômicas, políticas, religiosas etc). Com base nessa afirmação, ele distingue entre as Constituição real e efetiva e a Constituição jurídica, ou seja, entre as estruturas sociais e políticas, as relações de poder efetivamente existentes em determinada comunidade política, que, para ele, são a verdadeira Constituição, e as normas constitucionais vigentes, que são a Constituição escrita, mera folha de papel, que deve corresponder àquela outra.”6

Logo, se aplicarmos este conceito, devemos empoderar os setores sociais que estejam vinculados à garantia dos direitos sociais, a fim de que possam influenciar as políticas estatais voltadas à promoção dos direitos fundamentais (em especial os sociais). Notadamente, a classe política vai estar voltada à sua promoção caso vislumbre que isso possa se refletir em votos, logo, a sociedade deve estar organizada de forma eficiente. Isso porque a formulação de políticas públicas se fundamenta em uma interação entre sociedade e estado, o qual, nestas relações, tem a classe política à sua frente.

Em discussão sobre a possibilidade de restrição de direitos fundamentais, Virgílio Afonso da Silva destaca ser fundamental a participação da comunidade na implementação dos mesmos: “Com a ênfase, reiterada a todo instante, nas exigências argumentativas que as restrições e a proteção aos direitos fundamentais impõem, a postura mais adequada parece ser aquela que se disponha a um desenvolvimento e a uma proteção dos direitos fundamentais baseados nem na omissão nem na ação isolada e irracional, mas a partir de um diálogo constitucional fundado nessas premissas de comunicação intersubjetiva entre os Poderes estatais e a comunidade.”7.

E a sociedade tem peso essencial na formulação de políticas públicas, uma vez que elege seus representantes para o parlamento. Virgílio, citando Peter Häberle, na obra Die Wesensgehaltgarantie des Art. 19 Abs, assevera que “...Haberle aponta para a necessidade de se compreender que os direitos fundamentais impõem duas espécies de tarefas ao legislador: “As garantias dos direitos fundamentais têm, assim, um conteúdo duplo. De um lado, significam elas uma proibição de se violarem os direitos fundamentais – nesse sentido, são elas um limite par ao legislador; de outro lado, contêm elas um dever, endereçado ao legislador, de desenvolver cada um dos direitos fundamentais – nesse sentido, são elas objeto da legislação e contêm uma tarefa par ao legislador”.8

Mas o que seriam “políticas públicas”? “Não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política pública. Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de política pública como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. A definição mais conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja, decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz.”9 Podemos vislumbrar outras definições de políticas públicas, sendo relevante identificar que o processo não se restringe à sua formulação, mas engloba sua execução e acompanhamento: “Políticas Públicas, em breve definição, trazem a concepção holística da gestão pública sobre problemas sociais setoriais. Melhor explorando, o Estado é reconhecido como o local de reconhecimento, debate e resolução dos problemas existentes em uma determinada sociedade e, a política pública é responsável pela identificação, planejamento e solução destes problemas através de uma ação estratégica que envolva sociedade e Estado.

As Políticas Públicas possuem um processo de formação de longo e médio prazo, consistentes nas fases de reconhecimento do problema público; formação de uma agenda pública; formulação da Política Pública em si; processo política de tomada de decisão de implementação da Política Pública; execução da Política Pública; acompanhamento, monitoramento e avaliação da Política Pública e; por fim, a decisão sobre a continuidade, reestruturação ou extinção da Política Pública”10

À sociedade não é dado permanecer míope à atuação de seus representantes, sob pena de ser quem mais sofrerá por conta dessa atitude relapsa. O exercício do poder político é determinante para a implementação de políticas públicas voltadas à melhoria da qualidade de vida da sociedade, não podendo aqueles que compõem os fatores reais de poder, ficar inertes. Bauman, trabalhando os reflexos da pós-modernidade na política, assevera: “Pois tudo isso parece o fim – ou pelo menos o começo do fim – da Política com “P” maiúsculo em nosso mundo contemporâneo. A política clássica sempre foi associada ao poder de transformar problemas privados em questões públicas, assim como ao poder de internalizar questões públicas e transformá-las em problemas privados ou existenciais. Hoje o mecanismo político está fora de sintonia. O que nós em nossa política pós-moderna tratamos como questões públicas são mais frequentemente problemas privados de figuras públicas.”11 Logo, a sociedade deve estar direcionada para utilizar a política para solucionar questões impactantes para o seu contexto, não para as questões privadas dos exercentes do poder político.

A implementação de políticas públicas voltadas às minorias e populações vulneráveis são implementadas, por vezes, através de ações afirmativas. As ações afirmativas “consistem num conjunto de medidas administrativas e legislativas de política pública que visam compensar desigualdades históricas decorrentes da marginalização social. Essas ações afirmativas inserem-se no âmbito de uma política social de discriminação positiva, voltada a corrigir desigualdades históricas. Vale dizer, busca-se igualar desigualando, como se verifica ultimamente através das políticas de cotas. A própria Constituição já determina algumas ações afirmativas, que não podem ser negligenciadas pelo legislador ordinário, como, por exemplo, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos (art. 7º, XX, CF) e a determinação de reserva de percentual de cargos e empregos para as pessoas portadoras de deficiência (art. 37, VIII, CF)”.

A PROBLEMÁTICA DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

Conforme estimativa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada no ano de 2016, existem cerca de 101.854 pessoas vivendo em situação de rua no Brasil.13 A existência de um número tão grande de pessoas em situação de rua no Brasil é fruto do agravamento de questões sociais, um fenômeno que os estudiosos atribuem que tem a sua origem relacionada ao modelo econômico vigente e faz parte da pobreza gerada pelo capitalismo23. Diversos fatores colaboraram para esse agravamento e, consequentemente, para o crescimento da quantidade de indivíduos nessa situação29, como descreve Silva (2006) tais como fatores estruturais (ausência de moradia, inexistência de trabalho e renda, mudanças econômicas e institucionais de forte impacto social, etc.), fatores biográficos (alcoolismo, drogadição, rompimentos dos vínculos familiares, doenças mentais, perda de todos os bens, etc., além de desastres de massa e/ou naturais (enchentes, incêndios, terremoto, etc.)

Infelizmente, diariamente são divulgados casos de violência contra essa população de rua que viram notícia tais como: saída forçada para além das fronteiras territoriais; morte por hipotermia; maltrato por agentes públicos; atos de ódio como chutes enquanto dormem; queima de pessoas que estão dormindo, execução sumária e até mesmo extermínio, aliado ainda à violência verbal. De acordo com dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 195 moradores de rua foram assassinados em todo o Brasil só no primeiro semestre de 2013. Além da violência, o preconceito e a ocorrência de atos de violação dos direitos mais básicos, como acesso aos serviços de saúde, também são frequentes.30

A definição deste grupo vulnerável encontra-se descrita no Decreto Federal n˚ 70.53/2009 como sendo “um grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.”24

De acordo com a Organização das Nações Unidas, existem dois conceitos relativos à pessoa em situação de rua: o desabrigado, que é um indivíduo que vive nas ruas por lhe faltar residência, devido a tragédias naturais, guerras, desemprego em massa, falta de renda, dentre outros; e o sem-teto que seria a pessoa – ou família – sem abrigo que sobrevivem à vida nas ruas. Eles carregam suas posses consigo, pernoitando nas ruas, nas estradas ou cais, ou em qualquer outro local, a partir de uma trajetória mais ou menos aleatória.25

Pesquisa sobre o perfil da população em situação de rua

Entre os anos de 2007 e 2008, o Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate a Fome realizou uma pesquisa em diversas cidades brasileiras, com população superior a trezentos mil habitantes, abrangendo várias capitais, e em que pese não ser a única, continua sendo a melhor pesquisa realizada até hoje, que permitiu traçar o perfil da população em situação de rua brasileira. Essa pesquisa identificou, nas 71 cidades em que foi realizada, 31.922 pessoas adultas em situação de rua. 31 Ao se acrescentar esse valor com os números encontrados em pesquisas municipais realizadas em São Paulo, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte, chega-se a aproximadamente 50 mil pessoas em situação de rua. Contudo, esse quantitativo compreendeu apenas adultos e não foi realizada em todos os municípios brasileiros.32 Em razão disso, é também importante destacar a grande quantidade de crianças e adolescentes em situação de rua no Brasil, 23.973 crianças e adolescentes, conforme Pesquisa Censitária Nacional, realizada em 2010, pela Secretaria de Direitos Humanos e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável 33

Dessa forma, a pesquisa (considerando somente a população adulta) permitiu observar o perfil desta população, revelando que: os principais motivos que os levaram à situação de rua foram o desemprego (29,8%), os conflitos familiares (29,1%) e o alcoolismo/drogas (35,5%); a população em situação de rua é composta, em grande parte, por trabalhadores (70,9% exercem alguma atividade remunerada sendo que apenas 15,7% pedem dinheiro como principal meio para a sobrevivência); parte considerável da população em situação de rua é originária do município onde se encontra, ou locais próximos, não sendo decorrência de deslocamento ou migração campo/cidade; um total de 51,9% dos entrevistados possui algum parente residente na cidade onde se encontram, porém, 38,9% deles não mantêm contato com esses parentes; 24,8% não possui quaisquer documentos de identificação e a maioria (61,6%) não exerce o direito de cidadania elementar que é o voto.

POLÍTICA NACIONAL PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

Nas últimas décadas, apesar das dificuldades e da demora do poder público em tomar medidas efetivas, pode-se afirmar que a população em situação de rua ganhou um pouco mais visibilidade, conquistando diversos avanços, sendo que o mais significativo foi a instituição de uma Política Nacional e do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, por meio do Decreto n° 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Também podem ser citadas algumas conquistas no âmbito da saúde como a publicação do Plano Operativo de Saúde para a População em Situação de Rua e a implantação do Programa Consultório na Rua. Outras conquistas obtidas pela População em Situação de Rua foram a contagem oficial por parte do IBGE (ocorrerá no Censo de 2020), a inclusão no Programa Minha Casa Minha Vida e a instituição do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua.35

Em síntese, dentre os objetivos da Política, pode ser destacado: assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda; garantir a formação e a capacitação permanente de profissionais e gestores para atuação no desenvolvimento de políticas públicas intersetoriais, transversais e intergovernamentais direcionadas às pessoas em situação de rua; desenvolver ações educativas permanentes que contribuam para a formação de cultura de respeito, ética e solidariedade entre a População em Situação de Rua e os demais grupos sociais, de modo a resguardar a observância aos direitos humanos; implantar centros de defesa dos direitos humanos para a População em Situação de Rua; criar meios de articulação entre o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o Sistema Único de Saúde (SUS) para qualificar a oferta de serviços; implementar ações de segurança alimentar e nutricional suficientes para proporcionar acesso permanente à alimentação pela População em Situação de Rua, com qualidade; e disponibilizar programas de qualificação profissional para as pessoas em situação de rua, com o objetivo de propiciar o seu acesso ao mercado de trabalho.

Vale destacar que as políticas públicas direcionadas à população em situação de rua devem ser intersetoriais para terem maior chance de sucesso, como por exemplo, é fundamental que as Políticas Públicas de Saúde para esse público estejam articuladas com as de Assistência Social.

O PAPEL DA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

A Polícia Militar do Paraná é um órgão de segurança pública, baseada na hierarquia e na disciplina, que tem por missão constitucional a polícia ostensiva e preservação da ordem pública. Como órgão que tem o dever de aplicar a lei, recebe seus poderes dos órgãos próprios ao Estado Democrático de Direito – Poder Executivo – para garantia da ordem e da segurança pública, tal como surge das bases da institucionalização da democracia, desenvolvendo as políticas de justiça para a aplicação da lei que é definida por quem representa a vontade do povo.14

Destarte, a forma como os militares estaduais devem efetuar o seu trabalho é tão importante como o trabalho em si. É fundamental que sua conduta seja íntegra e em conformidade com as leis e os regulamentos que regem as suas atividades.20 Espera-se um grau de profissionalismo do policial acima da média dos demais funcionários do Estado, já que possui conhecimentos, aptidões e senso de equilíbrio necessários e indispensáveis para o seu campo de atuação bastante amplo e próximo, diuturnamente, da população.21 Neste sentido, Coriolano Nogueira Cobra22 ressalta que “o policial moderno precisa ser um técnico e ter sempre a lembrança de que suas responsabilidades são realmente grandes, não só pelo aperfeiçoamento da forma de agir contra os criminosos, como pela sua posição de protetor dos bens, da vida e integridade física dos cidadãos. Deve levar em conta que o seu trabalho é realizado em equipe, e não individual; e o seu fracasso redunda em prejuízos e desprestígio a instituição em que pertence.”

Neste sentido, no dia 17 de dezembro de 1979, apor meio da Resolução nº 34/169, a Organização das Nações Unidas formulou um Código de Conduta para os funcionários responsáveis pela aplicação da Lei, a qual estabelece que os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem sempre cumprir o dever que a lei lhes impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas contra atos ilegais, respeitem e protejam a dignidade humana, mantenham e defendam os direitos humanos de todas as pessoas.em conformidade com o elevado grau de responsabilidade que a sua profissão requer. O modo profissional de se trabalhar resultará na contribuição individual para os resultados coletivos e a imagem da sua corporação como um todo. Assim, é possível concluir que a polícia e outros profissionais encarregados pela aplicação da lei são, muitas vezes, a primeira linha de defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana e, agindo assim, reforçam a noção de Estado Democrático de Direito.26 Quando violações de direitos humanos forem constatadas, os militares estaduais em função de comando têm a obrigação de dar uma atenção especial às vítimas e assegurar para que haja uma investigação completa, pronta e imparcial.

ATUAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS À POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

Essa atuação deve iniciar desde o âmbito dos processos de seleção, contratação e na formação dos policiais militares. É fundamental estabelecer perfis físicos e psicológicos mínimos para seleção e contratação dos policiais militares em conformidade com as funções que devem desempenhar e durante o processo de formação é necessário garantir uma grande qualidade e velar para que estejam em consonância com as normas internacionais de direitos humanos.40 Além disso, o artigo 2º, do Código de Conduta dos Funcionários Encarregados pela aplicação da lei, estabelece que é de fundamental importância que cada funcionário encarregado pela aplicação da lei passe por exames e avaliações periódicas, para que se verifique suas condições físicas e psíquicas adequadas para o desempenho de suas funções.19 Dessa forma, as ações dos militares estaduais podem ser aprimoradas através de participações em cursos, estágios, capacitações, treinamentos, palestras e seminários, com o intuito de aperfeiçoar o atendimento de ocorrências envolvendo pessoas em situação de rua. Para tanto, tal implementação poderá ser planejada e executada pelo Comando da Academia Policial Militar do Guatupê.

Como já foi dito anteriormente, para que as políticas públicas direcionadas à população em situação de rua tenham maior probabilidade de sucesso, os órgãos do poder público devem trabalhar de maneira conjunta, intersetorial e harmônica, com o objetivo único e amplo da promoção e defesa dos direitos afetos à população em situação de rua. É neste contexto que a Polícia Militar do Paraná, dentro de sua esfera, na preservação da ordem pública, deve atuar e desenvolver sua contribuição.

Em relação à atuação operacional da corporação, verifica-se que ainda não existe no âmbito da Polícia Militar do Paraná normativa que discipline e padronize a abordagem e o atendimento a ocorrências envolvendo especificamente pessoas em situação de rua. Apesar disso, é importante lembrar que todos militares estaduais podem e devem seguir a Cartilha do Ministério da Justiça que trata da atuação policial na proteção dos Direitos Humanos, contendo os procedimentos em relação às pessoas em situação de vulnerabilidade, a qual num de seus tópicos, especificamente, trata das pessoas em situação de rua.27 Dentre as orientações desta cartilha vale destacar: os procedimentos de segurança do policial não podem ser diferentes daqueles utilizados com qualquer outro cidadão; o policial deve considerar e tratar a pessoa em situação de rua como cidadão de direitos, garantindo-lhe proteção e segurança, deve reconhecer a vulnerabilidade da pessoa em situação de rua e garantir a isonomia (igualdade e equidade) do tratamento; seja cauteloso com os pertences do abordado, quando fizer a verificação nos pertences, seja cuidadoso, lembre-se que estes objetos têm grande importância para aquela pessoa; oriente o abordado sobre abrigos, ele não é obrigado a aceitar o convite, mas as instituições estão abertas para acolhê-lo, e se possível, ajude-o a encontrar uma instituição que o acolha.28

Além disso, a Polícia Militar do Paraná desenvolve ações comunitárias e sociais42, como por exemplo, a participação em feiras de serviços ao cidadão, arrecadação e distribuição de alimentos, roupas e brinquedos às pessoas dessa população vulnerável.

Aspectos Legais para atuação da Polícia Militar relativa à população em situação de rua

É necessário clarificar o mito que paira sobre muitas pessoas que ao se sentirem incomodadas com a simples presença de “moradores de rua”, às portas de suas casas e comércios, acionam a Polícia Militar para que esta promova a retirada daqueles que lhes estariam “perturbando” (ideia da “higienização”). Primeiramente, importante explicar que morar na rua ou espaço público, por si só, não constitui qualquer crime. A Constituição Federal de 1988 prevê em seu art. 5º, inciso XV que é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. Nos casos de situações conflitantes, cabe ressaltar que o cidadão em situação de rua tem o direito de permanecer em local público, desde que não esteja infringindo a lei. Outra questão é o fato de que a “mendicância” deixou de ser tipificada como contravenção penal a partir da Lei nº 11.983, de 16 de julho de 2009.

Em linhas gerais, podem ser citadas como as principais normativas relacionadas à população em situação de rua que o policial militar defensor dos direitos humanos e promotor das políticas públicas da pessoa em situação de rua deve saber:

- Constituição Federal de 1988, no seu Título I, Dos Princípios Fundamentais e no seu Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seus artigos e incisos, abarcam princípios que norteiam as ações dos policiais militares como aplicadores da Lei: o princípio da legalidade, através do qual as pessoas na rua não podem ser obrigadas a fazer nada que não seja exigido por lei e são livres para estar em qualquer local, sem que a sua presença signifique desrespeito à lei, exceto se estiverem praticando um crime. Ao mesmo tempo, o servidor público não pode aplicar nenhuma sanção ou penalidade que não esteja prevista em lei e não tenha sido definida por um juiz, em sentença fundamentada e transitada em julgado; o princípio da vedação à tortura e tratamentos desumanos ou degradantes por meio do qual como qualquer cidadão do nosso país, a pessoa em situação de rua deve ser tratada com respeito, sem agressões de qualquer natureza; o princípio da inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem, através do qual os pertences, por mais humildes e precários que sejam, quando for necessária e justificada uma revista, devem ser tratados como os objetos de qualquer cidadão, e devolvidos no mesmo estado em que se encontravam, sendo abusiva qualquer exigência de taxa ou comprovante de propriedade; o princípio da função social da propriedade, por meio do qual quando qualquer morador da cidade estiver próximo ou nas dependências de uma propriedade privada não ocupada ou não utilizada, sem praticar nenhum delito ou tumulto anormal, estará apenas dando a esse imóvel (ou bem) uma utilidade social, que é dar guarida (acolhida) a um de seus beneficiários, e poderá estar aguardando o reconhecimento desse direito pelo Poder Judiciário.

- Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004) que assegura cobertura a população em situação de rua;

- Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, 2003);

- Lei nº 11.258, de 30 dez. 05, altera o parágrafo único do art. 23 das LOAS: “Na organização dos serviços da Assistência Social serão criados programas de amparo: II - às pessoas que vivem em situação de rua.” Estabelece a obrigatoriedade de criação de programas direcionados à população em situação de rua, no âmbito da organização dos serviços de assistência social, numa perspectiva de ação intersetorial;

- Decreto nº 7.053, de 23 dez. 09, instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua e o seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento.

- Instrução Operacional conjunta – SNAS e SENARC Nº 07, de 22 nov. 10, reúne orientações aos municípios e Distrito Federal para a inclusão de pessoas em situação de rua no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Resta claro que em consonância com tudo que foi aqui exposto, os direitos humanos, imanentemente existem, pertencem e precisam ser vividos, pelo natural e essencial direito de uma pessoa existir.

Ilumine-se o que foi trazido, nesse célere percurso acadêmico, que o direito à moradia resguardaria diversos outros direitos lindeiros a esse cerne, a esse eixo estruturante. Entenda-se que a ausência de moradia é mais do que a violação de uma premissa somente, e sim incorrerá em diversas violações de outros direitos humanos satélites. Portanto, a população em situação de rua, tem diversos direitos a sua dignidade feridos.

Ainda nesta esteira conceitual atente-se ao que traz o Relator Especial da ONU, no relatório que trata da moradia adequada, como um componente de um direito a um padrão de vida próprio, o qual tratou o direito de moradia como: “O direito a um lugar para viver com dignidade e segurança. Interligado com os demais direitos humanos, particularmente o direito a igualdade e não discriminação e o direito a vida”41.

Durante este mergulho, nas políticas públicas voltadas a população em situação de rua, percebeu-se que existe no Brasil um arcabouço jurídico e políticas públicas, teoricamente, que tratam do tema. No entanto, esta previsão legislativa não está sendo cumprida na essência. Restou claro que, no campo prático, existe muito a se avançar. Nesse prisma, necessita-se de um amadurecimento social e, por conseguinte, político-econômico, culminado numa valorização das políticas públicas aqui em clamor.

Frise-se que as políticas públicas voltadas aos Direitos Humanos da população em situação de rua, perpassam invariavelmente por uma conscientização e uma valorização social do tema. Pois, as políticas públicas virão, de maneira eficaz e indelével, quando a classe política perceber que a classe de eleitores também se preocupa com essa fração da população.

Não se olvide que a sociedade, de maneira geral, não tem um olhar extremamente atento a essa parte da população, porquanto, seja pelo pequeno peso estratégico político e econômico, seja pelo pouco altruísmo da sociedade capitalista em que estamos inseridos, como um todo, muitas vezes esse conjunto de seres humanos, espalhados pelas ruas das cidades, é tratada como se não existisse ou como se transparente fosse.

Conste-se que este mergulho, antes exposto, nesta seara das vicissitudes enfrentadas pela população em situação de rua, explicita uma mazela social de extrema importância e de indelével, mas latente angústia social. Sim latente, porquanto a população em situação de rua, normalmente, não tem voz audível, mas tem expressão e sentimentos de dor incontestáveis.

Resta indubitável, num mesmo diapasão, que a Polícia Militar do Paraná necessita de um policial moderno, técnico, apto a tratar as diversas máculas sociais de uma forma sensível, cidadã e dentro da dignidade da pessoa humana.

Este desafio, para PMPR, precisa ser contemplado já no processo de seleção, na constante atualização do perfil profissiográfico buscado e, obviamente, perpassando pelos bancos escolares, intensificando um viés cada vez mais humano ao militar estadual, que ora prende o traficante, ora auxilia a pessoa, que por motivações diversas está em situação de rua, e necessita de um auxílio verticalizado da Polícia Militar do Paraná. Faz-se mister que o militar estadual seja inserido em cursos, estágios, capacitações, treinamentos, palestras e seminários que o ambientem e os preparem para enfrentarem ocorrências envolvendo pessoas em situações de rua.

Gize-se que a Polícia Militar do Paraná é uma grande promotora de Direitos Humanos, reverberando seus atos de proteção e segurança em todos os ambientes e cenários do Paraná, bem como sendo o braço mais evidente do Estado, quanto ao combate das violências de toda sorte.

Por tudo aqui vislumbrado, resta imperioso o incremento cada vez maior, nas ações da PMPR, quanto a promoção dos Direitos Humanos. Bem como, enseja-se, verticalizadamente, que tenhamos uma Corporação capacitada, pronta, atualizada e vanguardista, no que tange ao tratamento do militar estadual com a população em situação de rua.

 

REFERÊNCIAS:

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