A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NA QUALIFICAÇÃO DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE SEGURANÇA PÚBLICA: O OLHAR DO GESTOR SOBRE O TEMA

Thiago Ramos dos Santos. Mestre em Administração (CEFET-MG). Especialista em Inteligência de Segurança Pública (APM/PMMG). Bacharel em Administração Pública (UFLA). Policial Militar na PMMG.

 

Fabrício Molica de Mendonça. Doutor em Engenharia de Produção (UFRJ). Bacharel em Administração (UFV). Professor do Mestrado Acadêmico em Administração do CEFET-MG e do Mestrado Profissional PROFNIT (UFSJ).

 

A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NA QUALIFICAÇÃO DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE SEGURANÇA PÚBLICA: O OLHAR DO GESTOR SOBRE O TEMA

 

RESUMO

A pesquisa objetivou compreender como a atividade de inteligência auxilia no combate à criminalidade através da qualificação dos insumos que subsidiam as decisões tomadas no âmbito da segurança pública. Para isso, demonstrou-se como a inteligência qualifica a prestação do serviço de segurança pública e como os gestores da segurança pública percebem a inteligência de segurança pública na prática. A metodologia consistiu de uma pesquisa qualitativa e descritiva; a coleta de dados foi feita por meio de pesquisa bibliográfica, documental e de entrevista semiestruturada aplicada a gestores, usando a técnica da análise de conteúdo. Os resultados apontam que a Inteligência de Segurança Pública qualifica os insumos que subsidiam as decisões tomadas, o que resulta em um melhor uso dos escassos recursos disponíveis. Contudo, é necessário desenvolver a mentalidade de inteligência nos gestores da segurança pública.

Palavras-chave: Atividade de inteligência. Segurança pública. Processos decisórios.

 

ABSTRACT

The objective of the research was to understand how the intelligence activity helps in the fight against crime through the qualification of the inputs that subsidize the decisions made in the scope of public security. For this, it was demonstrated how intelligence qualifies the provision of public security service and how public security managers perceive public security intelligence in practice. The methodology were a qualitative and descriptive research; bibliographic and documentary research; and data collection took place via semi-structured interviews applied to managers, treated through content analysis. The results show that Public Security Intelligence qualifies the inputs that support the decisions make, resulting in a better use of the scarce available resources. However, it is necessary to evolve the intelligence mentality in public managers.

Keyworks: Intelligence. Public security. Decision-making process.

 

1 INTRODUÇÃO

A atividade de inteligência é uma ação permanente de busca de informações que tem como escopo produzir conhecimentos precisos e oportunos que objetivam assessorar o tomador de decisão em qualquer nível do processo decisório, sobre um amplo espaço do conhecimento sobre o qual seja necessário analisar o problema. A partir do momento em que a inteligência identifica algum fato portador de futuro, ela assessora a autoridade no sentido de minimizar ou neutralizar esse tipo de ameaça, ou até mesmo, aproveitar uma oportunidade.

A segurança pública é uma ramificação do Estado que também faz o uso da atividade de inteligência. A atividade de Inteligência na esfera de segurança pública consiste na produção de conhecimento para subsidiar os tomadores de decisão no planejamento e na execução de ações relacionadas à atos criminosos que atentem à ordem pública, à incolumidade das pessoas e do patrimônio (BRASIL, 2021).

A inteligência de segurança pública (ISP) é fundamental para o desempenho satisfatório das instituições policiais, em que o conhecimento produzido pelas suas agências influencia diretamente a tomada de decisão, a otimização dos serviços e o emprego operacional do policiamento. Entretanto, no Brasil, estudos apontam que há um descompasso entre a atividade de inteligência e os tomadores de decisão no campo da segurança pública, onde os gestores desconhecem as potencialidades dessa atividade e, consequentemente, não conseguem aproveitá-la, o que prejudica a eficiência e a eficácia do processo decisório (ROCKEMBACH, 2017), visto que, o produto da inteligência não é para ser coletado e depois arquivado. Ele deve ir além do que apenas informar, ou seja, deve auxiliar as pessoas a tomarem decisões (LOWENTHAL, 2015).

Nesse contexto, a pesquisa tem a finalidade de compreender a importância do papel da inteligência no combate à criminalidade através da qualificação dos insumos que subsidiam as decisões tomadas no âmbito da segurança pública.

O objetivo geral é compreender como a inteligência qualifica a prestação do serviço de segurança pública e como os gestores da segurança pública percebem a inteligência de segurança pública na prática.

No decorrer do texto, como objetivos específicos, será possível: 1) entender como a ISP qualifica a prestação do serviço de segurança pública; 2) analisar a percepção que os gestores da segurança pública têm sobre a ISP.

O Brasil, embora possua uma atividade de inteligência considerada recente, tem avançado na construção de conhecimentos com vistas a fortalecer sua estrutura, tanto em termos teóricos quanto práticos. Ainda assim, a reflexão dos processos existentes é uma carência desse ramo do conhecimento a ser explorado pela área acadêmica (HAMADA, 2017).

O foco principal da atividade de ISP é para a prevenção e repressão de crimes, que auxilia o processo decisório desde o direcionamento e o emprego do policiamento preventivo, até nas decisões de nível estratégico. A inteligência é apontada como uma das principais soluções para as crises no campo da segurança pública. Contudo, a ISP precisa ser encarada com mais profissionalismo e seriedade no país. Ao mesmo tempo, é necessário desenvolver a mentalidade de inteligência nos gestores da segurança pública, sendo este um dos desafios da ISP para os próximos anos (ROCKEMBACH, 2017).

O objeto de pesquisa proposto consiste em uma lacuna do conhecimento percebido pela literatura e seu resultado pode ser útil tanto para o amadurecimento da atividade de inteligência, como também, para a conscientização dos tomadores de decisão quanto à finalidade e a capacidade da atividade de inteligência dentro do processo decisório. Também, busca contribuir com a sociedade no geral, ao abordar um tema relevante à Administração Pública.

 

2 METODOLOGIA

A pesquisa se apresenta como qualitativa e descritiva. A pesquisa qualitativa se fundamenta pela aproximação em relação ao objeto estudado de forma a entender os elementos contextuais e suas inter-relações com profundidade. Ou seja, busca-se compreender significados, organizar as informações e construir conceitos, realizando um relato descritivo, detalhado e rico, baseados em dados verbais e visuais que surgem de dados empíricos, coletados de forma sistemática (FIRMIN, 2008; GODOY, 2005). Descritiva, pois, pretende expor as características de determinado fenômeno, conhecendo, interpretando e buscando oferecer novas visões acerca da realidade estudada (VERGARA, 2005). Também, busca levantar opiniões, percepções ou associações para compreender os processos dinâmicos vividos por grupos sociais, através do uso de métodos científicos (GIL, 1999).

As técnicas de levantamento de dados foram: pesquisa bibliográfica, documental e levantamento de dados primários com a aplicação de entrevista semiestruturada aplicada a 12 gestores.

Para a pesquisa documental, utilizou-se as legislações que tratam sobre a atividade de inteligência, em geral, e sobre a inteligência de segurança pública, em específico, o que constitui a coleta de dados secundários.

Os conceitos apresentados de como os gestores públicos percebem e utilizam a inteligência no âmbito da segurança pública são resultados das análises de conteúdo das entrevistas de 12 gestores que trabalhavam em um dos órgãos de segurança pública do estado de Minas Gerais – Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar, Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Polícia Penal – onde ocupassem um cargo de gestão que tivessem sob seu comando uma seção de inteligência.

Tais cargos podem ser definidos em dois tipos: ou como tomadores de decisão da instituição a que pertencem; ou como chefes de equipe de inteligência, que intermedeiam a relação entre os tomadores de decisão e a equipe de inteligência. Seis dos entrevistados ocupavam um cargo de tomador de decisão e outros seis entrevistados ocupavam um cargo como chefe de uma equipe de inteligência, considerando a data da realização da entrevista.

Os resultados apresentados estão contidos em um estudo maior, uma dissertação de Santos (2021), que pesquisou como os gestores públicos percebem e utilizam a inteligência como instrumento de assessoria dentro do processo decisório, no âmbito da segurança pública.

A coleta dos dados primários da pesquisa se deu por meio de entrevistas individuais, com roteiro semiestruturado, acrescidas pelo diário de campo, que foram analisadas através da análise de conteúdo, que consiste em descrever de forma objetiva e sistemática o conteúdo da comunicação realizada, classificando-a em um conjunto de categorias de análise apropriadas com base nos objetivos da pesquisa. A análise de conteúdo se fundamenta não apenas naquilo que a mensagem diz, mas considera o seu contexto, os dados e suas circunstâncias, de onde surgem características qualitativas (CARLOMAGNO; ROCHA, 2016; BARDIN, 2016).

 

3 DESENVOLVIMENTO

3.1 Conceituando a Inteligência de Segurança Pública

A atividade de inteligência é uma ação permanente de busca de informações que tem como escopo produzir conhecimentos precisos e oportunos objetivando assessorar o tomador de decisão em qualquer nível do processo decisório, sobre um amplo espaço do conhecimento sobre o qual seja necessário analisar o problema. Também, pelo ramo da contrainteligência, a atividade visa proteger a organização no cumprimento de sua missão institucional, servindo como um radar, monitorando constantemente as principais ameaças (SANTOS, 2021).

A partir do momento em que a inteligência identifica algum fato portador de futuro, ela assessora a autoridade no sentido de minimizar ou neutralizar esse tipo de ameaça ou, até mesmo, aproveitar uma oportunidade.

De acordo com teóricos consolidados e com a legislação vigente, a inteligência é uma atividade que envolve a coleta, a análise e a disseminação de informações, com vistas ao assessoramento das autoridades governamentais na tomada de decisão relativa à defesa do Estado, da sociedade e dos interesses nacionais. Tais informações devem ser oportunas, abrangentes e confiáveis, as quais permitam que o Estado faça frente às adversidades futuras, como também, identifique as ameaças e as oportunidades (BRASIL, 2016; CEPIK, 2003; PLATT 1974). Atualmente, a ameaça é o principal alvo e o maior motivo que justifica a existência da atividade de inteligência (SFETCU, 2019).

A evolução e a modernização da atividade de inteligência, acompanhando a globalização tecnológica e as suas diversas formas de interação, deram origem a várias agências especializadas produtoras de informações em grande escala (PLATT, 1974).

A ISP é a derivação da inteligência de Estado mais desenvolvida, devido à crescente necessidade de estratégias mais qualificadas para combater as atividades criminosas (HAMADA, 2017). Dentro das peculiaridades do cenário nacional, potencializou-se o interesse da inteligência na área de segurança pública, onde fenômenos como violência, organizações criminosas, violações dos direitos humanos e atividades ilegais quem envolvem o comércio de bens de uso dual e de tecnologias sensíveis desafiam os Estados democráticos (BRASIL, 2016).

Além de consultiva, a ISP se caracteriza como uma atividade de natureza executiva, em razão da produção de conhecimentos que potencializam a atuação dos órgãos de segurança pública. O foco principal da atividade de ISP é para a prevenção e repressão de crimes, auxiliando o processo decisório desde o direcionamento e emprego do policiamento preventivo, até nas decisões de nível estratégico (ROCKEMBACH, 2017).

A Política Nacional de Inteligência de Segurança Pública (PNISP) define ISP como uma atividade permanente e sistemática de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na Segurança Pública, que atentem à ordem pública, à incolumidade das pessoas e do patrimônio. A ISP produz e salvaguarda os conhecimentos necessários para subsidiar os tomadores de decisão no planejamento, implementação e execução das políticas de Segurança Pública e das ações para prever, prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza (BRASIL, 2021).

Além de subsidiar os gestores em todos os níveis do processo decisório – político, estratégico, tático e operacional, a ISP tem por finalidade contribuir para que o processo interativo entre os tomadores de decisão e os profissionais de Inteligência produza efeitos cumulativos, que aumente o nível de eficiência das decisões normativas e do alcance dos objetivos organizacionais.

As decisões normativas se referem a como as decisões devem ser tomadas, considerando os seus insumos, ou seja, os instrumentos que assessoram o tomador de decisão por meio de um processo sistemático. Importante entender que esses insumos vêm de seres humanos que exibem vários vieses e distorções e é preciso aprender a controlar esses fatores para se atingir uma decisão de qualidade (HOWARD; ABBAS, 2016).

Para fornecer insumos de qualidade, a atividade de inteligência utiliza uma metodologia específica para a produção do conhecimento que possui forte caráter científico, somado a características da arte, necessárias no momento da obtenção dos dados (GONÇALVES, 2018).

Embora uma das funções da ISP seja assessorar o tomador de decisão de forma que seja possível auxiliá-lo a alcançar a habilidade de se tomar uma decisão de qualidade, há de se considerar que, além de suas próprias preferências dentre as diferentes alternativas disponíveis, o tomador de decisão dispõe de outros instrumentos de assessoramento e, ao fim do processo, é ele quem determinará o caminho a ser seguido.

 

3.2 A percepção do gestor em relação a atividade de inteligência

Para se configurar um conhecimento de inteligência, a produção do conhecimento deve conter, no todo ou em parte, informações que não estão disponíveis em fontes convencionais e que são obtidas por técnicas específicas, próprias da atividade de inteligência (CANADÁ, 1996). Somado a isso, as informações devem ser processadas pela mente de um analista, ou seja, necessitam de um envolvimento humano para dá-los sentido e transformar as informações em conhecimento específico para as diferentes demandas dos solicitantes (SFETCU, 2019).

Por isso, a atividade de ISP se torna essencial no processo decisório do gestor, pois as instituições de segurança pública estão inseridas em um cenário de muita instabilidade e, querendo ou não, os conhecimentos de inteligência acabam por influenciar o gestor a tomar a decisão mais adequada.

Muitas vezes, a segurança pública tem que lidar com locais de difícil acesso, onde as informações necessárias não estão disponíveis, elas são ocultadas. A ISP tem que buscar esses dados em um cenário hostil, de dificuldade, sabendo que não haverá cooperação ou receptividade ao seu trabalho, para colher as melhores informações e levar ao tomador de decisão. Isso pode ser confirmado nas falas do Entrevistado E3.

A atividade de inteligência é uma ação permanente de busca de informações para a melhor tomada de decisão em um cenário de difícil acesso. Eles têm que buscar informação, mas não é que essa informação está disponível. Essa informação, muitas das vezes, na atividade de segurança pública, ela está oculta. É, ele não vai ter uma um nível de cooperação, nível de recepção do seu trabalho. Então, assim, é uma atividade permanente de busca informação em um cenário hostil, em um cenário de dificuldade, em que ele tem que driblar, superar essas dificuldades, para colher as melhores informações e trazer para o tomador de decisão” (E3).

 

Obter e analisar dados para a produção de um conhecimento de ISP depende da criatividade de seus agentes. Para isso, é fundamental que os gestores propiciem um ambiente favorável que estimule essa criatividade. Platt (1974) considera que as agências de inteligência são constituídas de especialistas dedicados, que precisam ter conhecimento básico de diversos assuntos, além da formação específica e treinamento continuado na área de inteligência.

A proatividade, ou seja, a intenção de se antecipar a futuros problemas, gera uma característica de ação por iniciativa das agências de ISP que é percebida por parte dos entrevistados. Os gestores das instituições militares estaduais são unânimes na percepção de que os conhecimentos de inteligência são, em sua maioria, produzidos por iniciativa das agências, complementados por demandas dos decisores. Enquanto isso, os entrevistados da Polícia Penal percebem essa relação de forma mais equilibrada. Já os entrevistados da Polícia Civil e da Sejusp se destacam em ter uma visão de que o trabalho de inteligência é mais motivado pelas demandas dos tomadores de decisão.

Percebe-se que há uma expectativa do gestor em relação à proatividade da agência inteligência, mesmo naqueles que entendem que a inteligência deve trabalhar mais por demanda do gestor. A própria definição da atividade de ISP justifica essa expectativa quando define que a ISP se trata de atividade técnico-especializada, permanente e sistemática acerca de ameaças reais ou potenciais sobre a segurança pública, com a produção de conhecimentos que subsidiem políticas de Segurança Pública (BRASIL, 2016). De acordo com o Entrevistado E11:

Toda vez que o conhecimento, ele é produzido de iniciativa, ele tende a render bons frutos, porque significa que a agência de inteligência, ela já tem uma rotina, já tem rotinas e processos, né, em termos de tipos de conhecimento, acompanhamento de cenários” (E11).

 

Ao abordar acerca da influência da atividade de inteligência na decisão, os entrevistados, sejam como tomadores de decisão, sejam como chefes de agências de inteligência, afirmaram que já passaram por situações em que um conhecimento de inteligência influenciou na decisão tomada, a partir de novos cenários e alternativas que os conhecimentos de inteligência expandiram ao gestor. Também, alguns entrevistados relataram que o conhecimento de inteligência os ajudaram a confirmar uma posição, antes de decidirem.

Percebe-se que a atividade de inteligência auxilia os tomadores de decisão aumentando o conhecimento que ele tem sobre o problema, fortalecendo a lógica sobre a qual ele tomará sua decisão. Encontrar alternativas exige tempo e esforço e um tomador de decisões tem preferências sobre os futuros que surgem de diferentes alternativas (HOWARD; ABBAS, 2016).

O Entrevistado E8, por exemplo, afirmou que houve situações em que, mesmo convicto de uma opinião, acabou por tomar decisão diversa em virtude de novas informações trazidas pela assessoria de inteligência, segundo ele:

Em algumas situações, inclusive, eu já mudei de opinião. Eu estava com uma ideia formada a respeito de uma decisão e após conversa com a assessoria, a assessoria de inteligência me mostrou um outro lado. Então, assim, não falo que é muito frequente, não acredito que seja muito frequente, mas existe sim em situações que a assessoria já me fez mudar de rumo” (E8).

 

Entretanto, alerta-se que os tomadores de decisão geralmente não são capacitados para terem uma noção do que é e para que serve a atividade de inteligência. Aqueles tomadores de decisão que tiveram a oportunidade de trabalhar em uma agência de inteligência durante sua carreira tendem a utilizar mais e a estarem mais próximos de sua seção de inteligência. Já aqueles decisores que não tiveram experiência prévia junto à inteligência ou aprendem na prática do dia a dia, com as explicações que os próprios agentes de inteligência lhe fornecem ao apresentar uma assessoria, ou ignoram e não se aproximam da atividade de inteligência durante o processo decisório.

O parágrafo anterior vai ao encontro de Gonçalves (2018) e Platt (1974) que afirmaram que, fora as pessoas que atuam na área, pouco se sabe sobre a atividade de inteligência. Além do mais, de acordo com Rockembach (2017), a falta da mentalidade de inteligência por parte dos gestores pode resultar no subemprego ou no completo desvirtuamento das finalidades da ISP. Esse desconhecimento dos gestores sobre o que é a inteligência, o que faz e sua limitação ficou evidente nas declarações dos entrevistados E1, E2 e E10:

A maioria dos gestores da instituição não tem o conhecimento do que a inteligência faz, do que a inteligência pode fazer e o que que ela não pode fazer e quais suas as limitações” (E1).

Mas uma das maiores deficiências dos decisores é não saber como pedir ou o que pedir para a inteligência. E achar que a inteligência vai atender do alfinete ao foguete” (E2).

São poucos os que têm noção do que que é atividade de inteligência, né. Eles misturam atividade de inteligência com tudo. [...] Ao passo que aqueles que não possuem afinidade, [...] ele simplesmente ignora a atividade. Ou então, ele pede a outro do seu (rede de contato), né, que o faça” (E10).

 

Além da falta de conhecimento sobre a atividade de inteligência por parte dos tomadores de decisão, outras limitações da atividade de ISP estão ligadas à falta de estrutura e de pessoal alocado na atividade. Na Polícia Civil e no Corpo de Bombeiros Militar, os entrevistados narraram que, principalmente no interior do estado, os profissionais que atuam na área da inteligência acumulam outra função e ficam sobrecarregados, o que prejudica o desenvolvimento da atividade de inteligência. O depoimento do entrevistado E9 corrobora o pensamento de que um bom serviço de Inteligência demanda recursos humanos, financeiros e tecnológicos.

Aqui sempre foi muito enxuto, sabe. [...] A gente chegou a visitar Cidade X para conhecer a atividade de inteligência lá. Eles tinham é, muitos integrantes na época. Eles tinham uma estrutura muito interessante de inteligência que a gente não tinha né, por falta de efetivo também e recursos. A gente chegou a visitar a inteligência lá e trouxemos o que deu para trazer para a nossa realidade né, com um efetivo menor, recursos também um pouco acanhados” (E9).

 

Outra ponderação foi em relação ao treinamento continuado e mais aprofundado dos profissionais de ISP, além da necessidade constante de atualização do conhecimento sobre as normatizações. De acordo com o E1, um curso de inteligência de poucas semanas não faz com que o profissional seja de fato um especialista na atividade de inteligência, mas sim que tenha um conhecimento introdutório.

As análises reforçam o entendimento de Rockembach (2017) ao apontar que há um descompasso entre a atividade de inteligência e os tomadores de decisão no campo da segurança pública, em que os gestores desconhecem as potencialidades dessa atividade e, consequentemente, não conseguem aproveitá-la, o que prejudica a eficiência e eficácia do processo decisório.

Em contrapartida, ressalta-se que aqueles gestores que se aproximaram da inteligência na prática, durante seus processos decisórios, passaram a ter uma estima e confiança por esse tipo de assessoria.

O Entrevistado E8 afirmou que mudou de opinião com o tempo, após se aproximar da inteligência na prática. O Entrevistado E9, por sua vez, ressaltou que o que aprendeu de fato, foi pela aproximação com o serviço de inteligência e não em treinamentos formais ou cursos. Tais evidências devem levar as instituições de segurança pública a repensarem em como fazer para que os gestores se aproximem mais da Inteligência, por meio da prática e da capacitação.

Mas chegar e falar assim, ‘olha, você tem um documento assim, você tem que fazer desse jeito’, isso foi na prática, isso foi com os colegas gestores, tá. E às vezes, assim, perguntando para quem trabalha na área. Que é igual eu falei com você, quando eu comecei, eu pensava de um jeito. Hoje eu penso de outro jeito” (E8).

Treinamento formal, vamos dizer assim, curso né, que eu tenha sido chamado para fazer, não. [...] O que eu sei realmente é o que eu aprendi com eles da inteligência. E eu aprendi assim autodidata, né, lendo um pouco” (E9).

 

Os gestores percebem que quanto mais difícil é a decisão a ser tomada, que também tendem a ser as decisões mais importantes, mais os tomadores de decisão recorrem aos conhecimentos de inteligência. Contudo, é sabido que grande parte dos gestores não tem consciência da utilidade da atividade da inteligência, como também, eles possuem outras fontes de informações e outros meios de assessoria que influenciam nas decisões tomadas.

As declarações dos entrevistados E4 e E5 ratificam tal posicionamento, ao afirmarem que quando estão diante de uma decisão complexa, costumam ouvir a inteligência para que possam tomar decisões, porém, para decisões menos complexas, as decisões nem sempre se pautam dentro da inteligência.

Ele (tomador de decisão) sempre que tem uma decisão complexa para tomar aqui, ele chama o chefe da agência e pede para que fale sobre o assunto para ele. Não quer dizer que ele vai fazer o que nós falamos, mas ele escuta. Qualquer decisão mais complexa, ele gosta de ouvir” (E4).

Falar exatamente assim: ‘ah não, toda decisão ela está pautada, ou a grande maioria das decisões estão sendo pautadas dentro da inteligência’, eu não vejo isso. Mas eu vejo que quando, vamos dizer assim, entra numa encruzilhada, numa situação mais complicada, normalmente eles recorrem. Então, tipo assim, numa decisão mais complexa, aí eu vejo que eles recorrem ao, vamos dizer assim, a palavra da inteligência” (E5).

 

Entretanto, mesmo em decisões consideradas menos complexas, os entrevistados entendem que os tomadores de decisão também podem recorrer à atividade de inteligência como instrumento de assessoria. Os entrevistados E9 e E7 afirmam que, independentemente do grau de dificuldade das decisões, é interessante recorrer ao serviço. O E9 declarou recorrer ao serviço de inteligência em todas as decisões e o E7 ressaltou que é importante usar a informação que está à disposição.

Assim, eu recorro em todas elas (risos). É, mas logicamente num grau de importância para as decisões mais difíceis, ela é mais importante. Mas eu recorro literalmente em todos os momentos. [...] Eu acho que em todos os níveis eu aciono a inteligência. Não é para todas as decisões, mas em todos os níveis de decisões” (E9).

Eu acho que a gente deve, como gestor, a gente deve utilizar em todas, né. Independente do grau de dificuldade, eu penso que se a gente tem aquela informação a nossa disposição, a gente tem que usar ela de alguma forma” (E7).

 

Para ser ainda mais efetiva, a ISP tem que atuar de forma compartilhada entre órgãos que compõe o sistema de inteligência, como se cada instituição fosse uma ramificação de um mesmo tronco. Hoje em dia, a inteligência é menos secretismo e mais compartilhamento de informações dentro daquele grupo de pessoas que precisa saber. De igual modo, é preciso cuidar para que a informação não chegue a quem não pode saber. A compartimentação é muito importante.

Essa modernização da atuação da atividade de inteligência também passa pela parte da legislação. Ambas vêm evoluindo para atender as demandas da sociedade moderna. A atividade de inteligência é totalmente dentro da lei e as próprias restrições jurídicas limitam a atuação da atividade de inteligência de uma instituição específica.

Então, as instituições de segurança pública precisam estabelecer parcerias com outros órgãos para potencializar o resultado da prestação do serviço. Como exemplo, citam-se as operações conjuntas dos órgãos de segurança pública, aos quais inclui o Ministério Público, onde as informações de inteligência compartilhadas contribuem para resultados maiores e mais qualificados.

Por fim, percebe-se que, em geral, os profissionais de inteligência pouco se relacionam com os tomadores de decisão e o conhecimento dos pontos insatisfatórios de seu trabalho, como estímulo para aperfeiçoamento, ficam prejudicados. O maior estímulo para um profissional de inteligência é perceber o conhecimento produzido usado, direta ou indiretamente, como base para uma tomada de decisão.

As diversas formas de a inteligência obter um feedback dos gestores em relação aos seus serviços são encontradas nas declarações do entrevistado E11. Alguns desses feedbacks são mais explícitos, reportando os resultados alcançados, e outros implícitos, por meio de gestos e agradecimentos.

Sim, eles dão o feedback para gente. Não com muita constância. Não com muita constância, né. Não é todo o trabalho que eles dão o feedback, mas a gente percebe que aquele trabalho em que ele dá maior importância, né. A gente tem um feedback que pode ser um joia, que pode ser um muito obrigado, pode ser um tipo de apresentação que a gente desenvolve e passa para autoridade, aí ele fala ‘muito boa, muito bem’. Então, assim, esses são os feedbacks né. E sempre dentro do possível, eu sempre tento também passar esse feedback do usuário para equipe também, para que ela possa ter uma percepção de como os nossos usuários estão recepcionando os nossos produtos” (E11).

 

Os gestores que são chefes de equipe de inteligência demonstraram ter uma dupla importância nessa relação de feedback, pois eles orientam e fazem uma primeira checagem dos conhecimentos produzidos, qualificando esse documento antes de ser repassado ao tomador de decisão e, posteriormente, são eles quem geralmente captam a forma como o tomador de decisão reagiu àquela informação, na maioria das vezes de forma indireta, e retroalimentam o restante da equipe de inteligência.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa teve por finalidade compreender a importância do papel da inteligência no alcance dos objetivos organizacionais através da qualificação dos insumos que subsidiam as decisões tomadas no âmbito da segurança pública, por meio da abordagem sobre como os gestores percebem e utilizam a inteligência como instrumento de assessoria dentro do processo decisório. Para isso foi realizada uma pesquisa qualitativa e descritiva.

Considera-se que a ISP é importante no processo decisório porque amplia a visão que o tomador de decisão tem das alternativas disponíveis, p que propicia mais eficiência no uso dos recursos disponíveis e resulta em uma decisão mais qualificada por parte do gestor, potencializando a atuação dos órgãos de segurança pública. A falta dos conhecimentos produzidos pela inteligência amenta o risco da instituição não atingir os resultados almejados.

Porém, a atividade de inteligência, em geral, é pouco conhecida pelos tomadores de decisão no âmbito da segurança pública, com exceção dos que tiveram a oportunidade de trabalhar, de alguma forma, com a atividade de inteligência durante sua carreira, antes de ocupar cargos na alta hierarquia da instituição. Isso faz com que a própria atividade de inteligência tenha que mostrar sua importância e finalidade aos gestores sob o risco de serem ignorados ou afastados do processo decisório.

Apenas a existência ou a criação de uma equipe de inteligência não garante a geração de conhecimentos relevantes e nem que os conhecimentos produzidos cheguem aos tomadores de decisão. É preciso investir em recursos humanos e tecnológicos para a atividade de inteligência, bem como desenvolver um programa de sensibilização e treinamento dos gestores, demandantes e usuários dos conhecimentos de inteligência.

Uma sugestão é que as instituições de segurança pública promovam uma capacitação continuada com vistas a desenvolver nos gestores da segurança pública a mentalidade de inteligência, para que a ISP seja primeiro conhecida, para depois ser mais bem aproveitada nos processos decisórios. Desenvolver essa mentalidade de inteligência nos gestores deve ser encarado como uma política pública permanente. Além disso, possibilitaria formas mais objetivas de avaliação das agências de inteligência, com uma melhor mensuração da efetividade dos conhecimentos de inteligência nos processos decisórios na segurança pública.

Pelo perfil e número das pessoas entrevistados, não se pode afirmar que as análises desta pesquisa refletem a opinião de toda a população de gestores. Por ser um estudo qualitativo em ciências sociais, as condições e resultados desta pesquisa podem ser irreproduzíveis na sua totalidade.

Desperta-se, com isso, sugestões de pesquisas que possam confrontar com os resultados aqui apresentados como, por exemplo, a aplicação de entrevista e análise similares em instituições de segurança pública de outros estados brasileiros.

Pretendeu-se, com este estudo, aproximar esses dois elos do processo decisório: o tomador de decisão e a atividade de inteligência, que precisam estar conectados para que se alcance uma prestação de serviço público com mais qualidade. De igual forma, buscou-se contribuir com os estudos na área da segurança pública e suas lacunas do conhecimento, ao abordar um tema relevante à Administração Pública que, consequentemente, afeta toda a sociedade.

 

REFERÊNCIAS

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