A LEGITIMIDADE ACERCA DA ATUAÇÃO DAS AGÊNCIAS LOCAIS DE INTELIGÊNCIA, CUMPRINDO A MISSÃO CONSTITUCIONAL DA PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA

Autores:

RANGEL CALIXTO PEIJO, MAJOR DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO PARANÁ, ATUALMENTE COMANDANTE DA 6º CIPM.

WILLIAN STRUGALA, PRIMEIRO TENENTE DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO PARANÁ, ATUALMENTE NA CHEFIA DA ALI DO 10 BPM

 

Título:


A LEGITIMIDADE ACERCA DA ATUAÇÃO DAS AGÊNCIAS LOCAIS DE INTELIGÊNCIA, CUMPRINDO A MISSÃO CONSTITUCIONAL DA PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA.

 

RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade principal evidenciar que segundo rege a Constituição Federal de 1988, é dever da Polícia Militar realizar a preservação da Ordem Pública, composta pela tríade da tranquilidade pública, segurança pública e paz pública. Neste diapasão, deve a Polícia Militar manutenir e restabelecer o Instituto da Ordem Pública, caso seja quebrada. Com base neste diagnóstico, tendo em vista a missão constitucional da Polícia Militar, esta tem por obrigação realizar o eficiente enfrentamento às organizações criminosas quando estas, pela simples existência, afetam a tranquilidade e a segurança pública.

 

Palavras-Chaves: Polícia Militar. Missão Constitucional. Preservação da Ordem Pública.

 

 

THE LEGITIMITY ABOUT THE PERFORMANCE OF LOCAL INTELLIGENCE AGENCIES, FULFILLING THE CONSTITUTIONAL MISSION OF PRESERVING PUBLIC ORDER.

 

ABSTRACT

The present work's main purpose is to show that, according to the Federal Constitution of 1988, it is the duty of the Military Police to carry out the preservation of the Public Order, which is composed of the triad of public tranquility, public security, and public peace. Therefore, the Military Police must maintain and must restore the Institute of the Public Order, if it is broken. Based on this diagnosis, the Military Police, given its constitutional mission, has the obligation to carry out the efficient confrontation with criminal organizations when, just by existing, such organizations affect tranquility and public safety.

 Keywords: Military Police. Constitutional Mission. Preservation of the Public Order.

 

 

INTRODUÇÃO

Sabe-se que, segundo Dantas (2009), às organizações criminosas têm certos aspectos que as caracterizam, são esses: quantidade de pessoas, a continuidade das ações delituosas, a divisão de tarefas, a especialidade criminosa e a corrupção de agentes públicos.

A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) determinou que cabe à Polícia Militar a realização da polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Registre-se que o constituinte ampliou as competências das Polícias Militares. O que antes era policiamento ostensivo tornou-se “polícia ostensiva” (muito mais abrangente), e o que era manutenção da ordem pública tornou-se “preservação da ordem pública” (também mais abrangente). É nesta última missão constitucional federal que se concentrará o presente estudo. Obviamente, trata-se de ordem pública interna.

Preservar é “resguardar, conservar, proteger” (MICHAELIS, 2022). Portanto, é dever, conforme a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, da Polícia Militar fazer com que a ordem pública se mantenha íntegra, mas caso a mesma seja quebrada, violada ou maculada, é missão, é dever da Polícia Militar encetar esforços para restabelecer o referido instituto constitucional. Trata-se de uma nova concepção, visando cumprir exatamente o que o constituinte desejou. A Polícia Militar deve manter, mas na mesma medida, deve restaurar a ordem pública caso esta seja violada.

Doutrinariamente, segundo Lazzarini (1999), a ordem pública é composta pela tríade da tranquilidade pública (ou paz pública), segurança pública e salubridade pública. Tranquilidade pública decorre da sensação de segurança plena, ou da ausência da sensação de insegurança. Salubridade pública é inerente ao ambiente onde se vive, que deve ser incólume, digno e harmônico. Segurança pública é a real segurança patrimonial e física.

Neste contexto, a Polícia Militar do Paraná (PMPR), responsável direta pela tranquilidade, segurança e salubridade pública, tem o poder-dever de atuar de maneira direta e incisiva no combate ao crime organizado, cumprindo seu dever constitucional de bem zelar pela sociedade como um todo, restabelecendo a ordem pública.

Registre-se, finalmente, que o assunto debatido neste trabalho possui relevância de ordem social e institucional. Social porque trará benefícios imensuráveis à coletividade, que propõe o envolvimento de uma Polícia Militar proativa, e Institucional porque viabilizará atuação constante e pragmática das agências locais de inteligência na tentativa de preservação da ordem pública, dentro dos parâmetros legais vigentes.

 

2. A MISSÃO CONSTITUCIONAL DAS POLÍCIAS MILITARES

Com o advento da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), as Polícias Militares tiveram suas missões estabelecidas no art. 144, em especial no inciso V e parágrafo 5º do aludido artigo, que aduz o seguinte:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. (BRASIL, 1988)

 

São duas, portanto, conforme supracitado, as missões constitucionais federais da Polícia Militar: a realização da polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Necessário consignar que ao repassar às Polícias Militares a realização da polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, o constituinte tornou as missões dos militares estaduais muito mais abrangentes que anteriormente à referida Carta Magna.

Evidente, portanto, que compete à Polícia Militar não somente a realização da polícia ostensiva, mas também a missão constitucional de preservar a ordem pública, mantendo-a e restabelecendo-a, se preciso for.

É atributo da Polícia Militar prover aos cidadãos uma segurança pública de qualidade, eficiente e eficaz, com segurança real - ausência de riscos ao cidadão - Lazzarini (1999), e plena ausência de medo pela população (tranquilidade pública), com a certeza da responsabilização dos infratores.

Cumprir a missão que o constituinte determinou, portanto, deve ser o objetivo maior das Polícias Militares, sendo seu dever realizar a polícia ostensiva e atuar de maneira proativa para que a ordem pública seja perene e constante.

Em caso de quebra desta ordem pública, deve a Polícia Militar, acatando o dispositivo constitucional, agir para restabelecê-la, beneficiando de maneira imensurável àqueles que têm o direito, legal, constitucional e moral, de conviver em harmonia, com dignidade e segurança: a sociedade.

 

2.1. O PAPEL DAS POLÍCIAS MILITARES NA REALIZAÇÃO DA POLÍCIA OSTENSIVA

Importante frisar que o texto constitucional menciona, como missão da Polícia Militar, a polícia ostensiva e não policiamento ostensivo, como anteriormente previa o art. 3º do Decreto-Lei n.º 667/69 (BRASIL, 1969), que organizou as Policias Militares do Brasil.

A Constituição de 1988 trouxe, portanto, nova missão à Polícia Militar, expandindo sua abrangência. Conforme Teza (2008) houve efetivo “alargamento” da missão constitucional federal, não se tratando de mera questão semântica, como se observa:

“Nesse novo cenário, as polícias militares foram colocadas em seu devido lugar, como consequência pelos serviços que já haviam prestado à Nação, bem como sua organização, seu efetivo, sua investidura militar, dentre outros aspectos. Houve inclusive, após tudo isso, um alargamento da missão constitucional das polícias militares, passando agora a ser a grande instituição de socorro da sociedade, nos termos da nova constituição”. (TEZZA, 2011)

 

Além desta assertiva, importante mencionar o parecer GM-25 (BRASIL, 2001) da Advocacia-Geral da União (AGU), devidamente aprovado pelo Presidente da República e que, portanto, possui caráter normativo. O referido parecer data de 13 de agosto de 2001, e dentre outros pontos, deixou latente que a expressão “polícia ostensiva” é mais abrangente que “policiamento ostensivo”, como se observa:

“A polícia ostensiva é uma expressão nova, não só no texto constitucional como na nomenclatura da especialidade. Foi adotada por dois motivos: o primeiro, já aludido, de estabelecer a exclusividade constitucional e, o segundo, para marcar a expansão da competência policial dos policiais militares, além do “policiamento” ostensivo”. (BRASIL, 2001).

 

O aludido parecer expôs ainda que a execução plena de polícia ostensiva (missão constitucional das Policias Militares) dar-se-á durante as fases integrais do poder de polícia, quais sejam: ordem de polícia, consentimento de polícia, fiscalização de polícia e sanção de polícia.

O cerne deste trabalho, entretanto, reside na outra missão constitucional federal das Polícias Militares, preservação da ordem pública, tratada no tópico seguinte.

 

2.2. O PAPEL DAS POLÍCIAS MILITARES NA PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA

Ao compreender que a existência consolidada de uma organização criminosa gera a quebra da ordem pública, e também que é dever constitucional federal da Polícia Militar agir para preservar esta mesma ordem pública, tem-se como legítimo, e devido, a ação da Polícia Militar no combate ao crime organizado, visando restabelecer a ordem pública, que constitucionalmente é direito de todos.

Preliminarmente é necessário ratificar, conforme menciona Valla (2012) que a ordem pública aqui tratada não se confunde com ordem interna, pois diz respeito à relação existente entre os cidadãos do País. Segundo o autor, a ordem pública “fundamenta-se na proteção ao indivíduo e a sua propriedade contra a ação de delinquentes comuns, sem qualquer conotação ideológica ou contestatória contrária ao Estado”.

Batisti (2014), ao tratar sobre a segurança interna, relaciona-a com a segurança pública. Vislumbra o autor que a segurança interna possui duas óticas, sendo uma institucional e outra voltada à segurança social ou segurança para a vida em sociedade.

Em relação a esta segunda ótica, o autor registra que:

“A segurança para a vida em sociedade ou segurança social, aprioristicamente engloba o direito à vida e significa poder viver com tranquilidade, sem sustos exagerados, dispondo de proteção pessoal (contra agressões de qualquer espécie), proteção ao patrimônio, próprio e ao patrimônio coletivo. Viver em uma sociedade de riscos implica em não existir providência possível que garanta imunidades. Mas, a segurança de manter a vida, a integridade física, o patrimônio é imposição lógica, mesmo numa sociedade de riscos.” (BATISTI, 2014)

 

Hodiernamente este instituto (ordem pública) é tido como a ausência de medo e risco para sociedade, pautado nos baldrames de uma convivência harmoniosa e pacífica, tendo, inclusive um tripé que a compõe, quais sejam: salubridade pública, paz pública (ou tranquilidade pública) e segurança pública.

Meirelles (1993) ao tratar sobre ordem pública, aduz que:

“situação de tranquilidade e normalidade que o Estado assegura – ou deve assegurar – às instituições e a todos os membros da sociedade, consoante às normas jurídicas legalmente estabelecidas [...] visa garantir o exercício dos direitos individuais, manter a estabilidade das instituições e assegurar o regular funcionamento dos serviços públicos, como impedir os danos sociais [...] O conceito de Ordem pública não se restringe apenas à estabilidade das instituições, pois abrange e protege também os direitos individuais e à conduta ilícita de todo cidadão, para a coexistência pacífica na comunidade”. (MEIRELLES, 1993)

 

Como já mencionado, antes da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), as Polícias Militares tinham o dever de apenas manter a ordem pública (Decreto nº 667/69, art., 3º) e não preservá-la (manutenir e restabelecê-la), como preconizou o texto constitucional. Não se trata de simples questão semântica do constituinte. Houve, de fato, uma mudança na missão constitucional federal da Polícia Militar, pois para preservar, faz-se necessário manter e restabelecer a ordem pública.

Cretella (2004) relata que a concepção de ordem pública é muito vaga, mas reflete, em linhas gerais, a proteção de ordem moral, a segurança das pessoas e de seus bens, além da salubridade e tranquilidade públicas. Neste diapasão, ao preservar, restabelecendo a ordem pública, se for o caso, a Polícia Militar cumpre sua missão constitucional federal, sem exageros ou usurpação.

Desta forma, após expor o que é ordem pública, bem como evidenciar que cabe a Polícia Militar preservá-la (mantendo-a e restabelecendo-a), entende-se plausível, justo e devido, que os agentes que integram a Polícia Militar combatam de maneira efetiva e eficaz o crime organizado, sem se imiscuir em atividades diversas àquelas determinadas pela Constituição Federal.

 

2.5 RESTABELECIMENTO DA ORDEM PÚBLICA

Considerando a exposição de motivos elencadas neste estudo, doravante será evidenciado o momento em que a ordem pública é quebrada, pois a Polícia Militar tem o dever-poder de agir visando restabelecê-la, inclusive realizando ações de inteligência de segurança.

Lazzarini (1999) relata que ordem pública decorre da segurança pública, da tranquilidade pública e da salubridade pública (tripés da ordem pública). O aludido doutrinador especificou cada uma destas vertentes como se pode observar:

“SEGURANÇA PÚBLICA: estado antidelitual que resulta da observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela lei das contravenções penais com ações de polícia preventiva ou repressiva típicas [...];

TRANQUILIDADE PÚBLICA: ou paz pública. estado de ânimo tranquilo, sossegado, sem preocupações nem incômodos. Que traz às pessoas uma serenidade, uma paz de espírito;

SALUBRIDADE PÚBLICA: estado de sanidade e de higiene de um lugar, em razão de qual se mostram propícias às condições de vida de seus habitantes”. (LAZZARINI, 1999)

 

Conforme mencionado na introdução deste trabalho e corroborando os ensinamentos de Lazzarini (1999), por salubridade pública entende-se a possibilidade de viver em ambiente harmônico, pacífico e que confira dignidade à pessoa humana. A segurança pública consiste na segurança real e efetiva, sendo a materialização da tranquilidade pública. É a ausência efetiva de risco ao cidadão, que tem de maneira concreta a sua incolumidade física e patrimonial garantidas, sem qualquer possibilidade de serem violadas.

Finalmente, menciona-se que a tranquilidade pública (ou paz pública) reflete a ausência da sensação de insegurança, ou a absoluta convicção de segurança plena. É, nesta visão, a sensação de segurança.

Ademais, as constatações feitas (sensação de (in) segurança e real falta de segurança) podem advir da existência de uma organização criminosa sedimentada, que de maneira indubitável afeta diretamente os mencionados pilares que compõem a ordem pública.

Desta forma, um cidadão não irá desfrutar de uma efetiva segurança pública e muito menos de uma tranquilidade pública sabendo haver, de fato, uma organização criminosa (grupo agressivo) atuando em sua cidade, muitas vezes em sua vizinhança.

É cediço que, não raras vezes, estes grupamentos atuam de maneira midiática, mas são as ações obscuras desenvolvidas por estas organizações criminosas que geram maior preocupação, pois dentre as ações encetadas na clandestinidade reside a tentativa de cooptar membros em praticamente todo o Estado do Paraná visando a recrudescer seus lucros e intimidar seus desafetos.

A simples consciência de que tal grupamento está sedimentado, estruturado e agindo sem maiores preocupações, por si só tiram a tranquilidade pública do cidadão de bem, que além de não usufruir a merecida sensação de segurança, terá, na mesma medida, mas inversamente proporcional, a certeza da insegurança, crente que seus bens patrimoniais estão em risco constante, bem como a incolumidade física sua e de seus parentes.

Assim, considerando a maneira de agir das organizações criminosas denominadas grupos agressivos e o que a doutrina traz como pilares da ordem pública, entende-se que a existência certa e inequívoca de determinado grupamento criminoso é motivo suficiente para impedir o gozo de uma efetiva tranquilidade e segurança pública. E ausentes tais institutos, não há ordem pública sedimentada.

Neste caso, cabe à Polícia Militar, por meio de ações de inteligência de segurança pública, realizar medidas para restabelecer a ordem pública, acatando a normativa constitucional. Agindo neste contexto, a Polícia Militar estaria conciliando sua ação com o preconizado pelo Sistema Brasileiro de Inteligência e a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP), não havendo qualquer usurpação em tais ações, como será abordado neste trabalho.

Ao realizar a atividade de inteligência de segurança pública, a Polícia Militar estará realizando ações para “neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza ou atentatórios à ordem pública”, exatamente como preceitua a legislação vigente (DNISP).

Inegavelmente, a Polícia Militar, ao tentar restaurar a ordem pública, irá gerar elementos que podem colaborar de maneira direta com a persecução penal, viabilizando, se for o caso, a responsabilização dos que integram organizações criminosas. Tal possibilidade nada mais é que o resultado de ações de inteligência de segurança pública visando a restabelecer a ordem pública quebrada. Não há que se falar, registre-se, em investigação policial por parte da Polícia Militar.

Desta forma, para não haver quaisquer dúvidas acerca desta assertiva, ratifique-se que ao restabelecer o instituto da ordem pública por meio de ações de inteligência de segurança pública (e não investigação, frise-se) a Polícia Militar estará exercendo seu papel constitucional, sem qualquer ilegalidade ou abusos. Ao contrário, tais ações encontram amparo na própria Constituição Federal.

 

3. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

Considerando que o escopo deste trabalho é demonstrar a relevância da atuação da PMPR na preservação da ordem pública, diante da atuação e presença sistêmica de organizações criminosas, impõe delimitar o que é considerado, hodiernamente, crime organizado.

A lei mais moderna que trata sobre o tema, Lei n.º 12.850/13 (BRASIL, 2013), prevê em seu art. 1º, que organização criminosa é a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenadas e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que seja de caráter transnacional”.

Minguardi (1998) elencou quinze pontos que caracterizam uma organização criminosa, quais sejam: prática de atividades ilícitas; atividade clandestina; hierarquia organizacional; previsão de lucros; divisão de trabalho; uso da violência; simbiose com o Estado; mercadorias ilícitas; planejamento empresarial; uso da intimidação; venda de serviços ilícitos; relações clandestinas; presença da lei do silêncio; monopólio da violência e controle territorial.

Dantas (2009) mencionou como características de uma organização criminosa os seguintes pontos: quantidade de pessoas, a continuidade das ações delituosas, a divisão de tarefas, a especialidade criminosa e a corrupção de agentes públicos.

Assim, depreende-se, após análise interpretativa dos diversos conceitos existentes na doutrina, que as organizações criminosas possuem cinco eixos estruturantes principais, quais sejam: a) simbiose com o Estado; b) auferimento de lucro oriundos de ações ilícitas; c) poderio econômico; d) divisão de tarefas; e) estrutura hierárquica.

Sobre a simbiose com o aparato estatal, Hassemer (1993) narra que:

“a corrupção da legislatura, da Magistratura, do Ministério Público, da Polícia, ou seja, a paralisação estatal no combate à criminalidade. É uma criminalidade difusa que se caracteriza pela ausência de vítimas individuais, pela pouca visibilidade dos danos causados bem como por um novo modus operandi”. (HASSEMER, 1993)

 

Costa (apud FRANCO, 2000) trata os eixos “auferimento de lucros” e “poderio econômico” no mesmo diapasão, deixando latente que ambos advêm de ações ilícitas, mas explicita que em segundo plano as ações econômicas de uma organização criminosa estruturada podem misturar ações lícitas (para tentar legitimar a origem do dinheiro indevidamente obtido) e ilícitas (dando continuidade aos lucros oriundos das ações ilegais).

Ainda quanto ao eixo que versa sobre a obtenção de lucros, importante mencionar a posição de Lavorentin e Silva (2000), que atesta ser comum a toda e qualquer organização criminosa a busca pelo lucro fácil, independente de sua ideologia ou finalidade.

Quanto aos demais eixos (divisão de tarefas e estrutura hierarquizada), Sznick (1997) relata que as organizações criminosas são compostas por líderes e chefes, que delimitam as tarefas de cada um na estrutura do grupamento criminoso, atuando como efetiva noção empresarial. Imprescindível que haja controle centralizado (pelos chefes) das ações que são delegadas aos que estão hierarquicamente abaixo dos líderes.

Quando presentes estes cinco eixos, o grupamento criminoso atinge níveis de organização e estruturação que exigem do Estado medidas mais complexas para seu enfraquecimento, uma vez que a completa extinção da organização criminosa demandará tempo, esforço e ações coordenadas para que, somente a médio e longo prazo, o grupamento criminoso combatido deixe realmente de existir.

Importante mencionar que atacar somente um dos cinco eixos, na visão dos autores, representa medida paliativa, que embora possa enfraquecer a organização criminosa, não a extingue. Ações não sistêmicas podem, inclusive, ter efeito contrário, acabando por fortalecer a estrutura criminosa, uma vez que os criminosos irão se aperfeiçoar para que não sofram mais ataques naquele eixo pontualmente combatido pelo Estado.

A violência, própria de muitas organizações criminosas, faz com que seus membros tenham maior fidelidade (pelo temor) à causa proposta pelos líderes do grupamento criminoso, além de ser meio para intimidar e coagir terceiros e integrantes de outras organizações criminosas, e mesmo alguns agentes públicos.

Assim, tem-se como imperioso a atuação imediata e eficiente da Polícia Militar, pois, como já citado, a partir do momento em que um grupamento criminoso se consolida, com a sedimentação dos cinco eixos que o estruturam, a ordem pública é quebrada, devendo a Polícia Militar, cumprindo sua missão constitucional, restabelecer aquele instituto, proporcionando a segurança e a tranquilidade pública que a população tem direito.

A maneira de concretizar esta proposta é exatamente por meio das ações das Agências Locais de Inteligência (ALI), que são grupamentos de militares estaduais que cada Unidade Policial Militar possui, que atuam de maneira sistêmica, visando a assessorar o processo decisório da autoridade responsável, por meio de ações de inteligência clássica (tradicional) e de segurança pública.

Realizando esta segunda metodologia (Inteligência de segurança pública) as ALI’s têm a capacidade de, após identificar a existência de uma organização criminosa em determinada região, atuando de maneira constante e sedimentada, agir na tentativa (poder/dever) de restabelecer a ordem pública, quebrada a partir do momento em que tal grupamento criminoso se instalou e passou a atuar de maneira sistêmica e organizada.

 

4. CONCLUSÃO

O presente trabalho teve o condão de expor a necessidade imperiosa de a Polícia Militar se inserir definitivamente no combate eficiente às organizações criminosas que atuam no Paraná, pois o simples fato de um grupamento criminoso desta natureza existir e agir na clandestinidade (e por vezes de maneira expressa e até midiática) gera grande sensação de insegurança e intranquilidade pública na coletividade, ou seja, há, de fato, a quebra da ordem pública, que constitucionalmente é direito de todos.

A Carta Maior aduz que cabe à Polícia Militar a preservação da ordem pública. Por preservação compreende-se manutenir e restabelecer. A ordem pública é tida como plena quando estiverem presentes a tranquilidade pública, a salubridade pública e a segurança pública. Ausente qualquer destes pilares, pode-se atestar que a ordem pública foi quebrada, e para restabelecê-la a Constituição Federal incumbiu a Polícia Militar.

Desta forma, lícito, legítimo e devido, que a Polícia Militar, notadamente por meio dos militares estaduais que atuam nas agências locais de inteligência, adote medidas hábeis para combater as organizações criminosas estruturadas (“grupos agressivos”) visando a restabelecer a tranquilidade e a segurança pública, componentes vitais do instituto da ordem pública.

Sabe-se que os argumentos apresentados neste trabalho, são relativamente novos, tendo em vista que as Polícias Militares não perceberam as suas verdadeiras missões constitucionais: realizar a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (muito mais abrangentes que os antigos conceitos de policiamento ostensivo e manutenção da ordem pública, que vigiam antes da Constituição Federal de 1988), mas julga-se necessário uma mudança efetiva de paradigmas, em prol de uma sociedade mais segura.

É chegado o momento da Polícia Militar compreender sua real importância constitucional. Mais que um poder, é dever constitucional que nossa instituição envide esforços para combater de maneira frontal, proba e transparente, com os meios legais disponíveis, os grupamentos criminosos que atuam no território paranaense.

A Polícia Militar tem a capilaridade que nenhum outro órgão estatal possui. Tem organização. Tem metodologia, hierarquia e disciplina. Basta compreender sua verdadeira missão constitucional e encarar o novo desafio, para proporcionar de maneira efetiva que nossa sociedade seja mais segura, tranquila e pacífica.

 

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