O SUICÍDIO ENTRE POLICIAIS MILITARES NA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ: ESFORÇOS PARA PREVENÇÃO

Marco Antonio da Silva 1
Helen Paola Vieira Bueno 2

RESUMO
Policiais são indicados pela literatura como integrantes de um grupo de risco de morte por suicídio. Este artigo tem como objetivo realizar reflexões sobre a autodestruição de policiais militares, bem como sobre os esforços para prevenir tais atos. Passa por um estudo breve sobre a problemática do suicídio em nível mundial e também especificamente em relação ao público alvo. São trazidas a lume estatísticas de suicídios consumados na Polícia Militar do Paraná (PMPR), de 2013 a 2016 (até o mês de julho), demonstrando um recrudescimento dos casos nos últimos anos. São analisados os fatores que podem levar policiais a cometerem o ato fatal e também são relacionadas pistas que podem demonstrar o intento suicida nos profissionais de segurança pública. Por fim, a prevenção ao suicídio de policiais é apresentada por meio de revisão de literatura, concluindo-se que o assunto é grave e o seu debate nas corporações é extremamente necessário.

PALAVRAS-CHAVE: Polícia Militar. Suicídio. Prevenção.
 

ABSTRACT
Police officers are indicated by the literature as members of a suicide risk group. This article aims to reflect on the self-destruction of military police officers, as well as on efforts to prevent such acts. It goes through a brief study on the problem of suicide worldwide and also specifically in relation  to the target audience. Suicide statistics from the Military Police of Paraná (PMPR), from 2013 to 2016 (until the month of July) are brought to light, demonstrating a resurgence of cases in recent years. The factors that can lead police officers to commit the fatal act are analyzed, as well as clues that may demonstrate suicidal intent in public security professionals. Finally, the prevention of police suicide is presented through a literature review, concluding that the subject is serious and its debate in the corporations is extremely necessary.

KEY WORDS: Military Police. Suicide. Prevention.

 

Em 2008, a Equipe de Negociação (EN) do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Paraná (PMPR) foi acionada para atender uma ocorrência cujo protagonista central era um policial militar de suas próprias fileiras. Ele estava no interior de sua casa, aos prantos e com sua pistola de trabalho apontada para a cabeça, num claro ensaio para sua própria morte. Ele relatava que tinha vários problemas de cunho profissional e familiar e que não conseguia resolvê-los, e, por isso, achava que a solução seria terminar com sua vida. De acordo com o relatório oficial da ocorrência crítica, depois de algumas horas de negociação ele foi convencido a não praticar o ato e aceitou ser encaminhado para ajuda especializada.

Assim como o policial militar do caso relatado, inúmeros outros policiais possuem problemas que se tornam difíceis de serem administrados quando ocorrem num mesmo período de tempo. E sem um histórico de vida que ajudem a resolver e superar as adversidades, buscam a solução fatal, ou seja, o suicídio. Muitos deles, inclusive, chegam a consumar o ato, deixando um rastro de tristeza entre seus familiares e amigos. Não raras vezes nos deparamos com a notícia de um policial militar que decidiu ceifar sua própria vida. E as perguntas que sempre ecoam são: “por que ele fez isso?”, e, “será que esse ato poderia ter sido evitado?” No presente estudo faremos uma análise breve sobre o fenômeno e suas possibilidades de prevenção, com o foco na atividade policial militar, acreditando sempre numa resposta positiva para essa questão.

O suicídio é um tema complexo. De um modo geral, a sociedade atual ainda o vê como um assunto imerso numa variedade de mitos e como um problema tabu, ou seja, que deve ser escondido e evitado. Em 2006, o Ministério da Saúde publicou as Diretrizes Nacionais de Prevenção do Suicídio (Portaria 1876/2006), compilando as estratégias para prevenção do problema em âmbito nacional e envolvendo as entidades de saúde. Entre as ações relacionadas estão: o desenvolvimento de estratégias de promoção de qualidade de vida, de educação, de proteção e de recuperação da saúde; a organização de linha de cuidados integrais (promoção, prevenção, tratamento e recuperação) em todos os níveis de atenção; identificação dos determinantes e condicionantes do suicídio e tentativas; e, o desenvolvimento de campanhas de informação, comunicação e de sensibilização da sociedade de que o suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido, entre outras (BRASIL, 2006).

Entretanto, é necessário questionar se tais ações estão sendo adotadas de forma efetiva e trazendo os resultados esperados, pois as demandas são enormes. Particularmente, pode-se dizer que as diretrizes citadas também são válidas para as corporações policiais militares. Ações e estudos na área são fundamentais, considerando a natureza do serviço e que invariavelmente as tentativas e suicídios consumados por policiais militares estão estreitamente ligados ao trabalho que o profissional desempenha.

A prevenção do suicídio no meio policial militar é uma necessidade imperiosa. Particularmente, a Polícia Militar do Paraná tem registrado um recrudescimento nos casos registrados nos últimos anos. Tal constatação levou ao estudo desse assunto e a análise dos esforços voltados para a prevenção dos atos. Investir na prevenção do suicídio traz benefícios incomensuráveis, já que o objetivo primordial é o de evitar os sofrimentos inerentes a esse fenômeno que acompanha o homem por toda sua história.

1. SUICÍDIO: PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA GLOBAL

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio se caracteriza como um importante problema de saúde pública global. Os números estatísticos mais recentes compilados pela entidade comprovam a magnitude do problema. De acordo com a OMS, estima-se que 800 mil mortes por suicídio ocorreram em todo o mundo no ano de 2012. Tal número representa uma taxa anual global de suicídio de 11,4 por 100 mil habitantes (15,0 para os homens e 8,0 para mulheres). E, além disso, pela análise dos números é possível afirmar que ocorre um suicídio a cada 40 segundos ao redor do planeta, ou ainda, que mais de duas mil pessoas cometem o ato fatal por dia no mundo (WHO, 2014).

Outra informação relevante é o indicativo de que as tentativas de suicídio são aproximadamente vinte vezes mais frequentes do que os suicídios consumados, tornando a dimensão do problema ainda mais relevante e causando impactos sociais altamente destrutivos. Contudo, por ser um tema sensível e até mesmo considerado ilegal em alguns países, é muito provável que ele seja subnotificado. O suicídio pode ser erroneamente classificado como um acidente ou ocasionado por outra condição, ou ainda, mascarado pela família por questões como vergonha ou culpa (WHO, 2014). Além disso, o suicídio, em geral, não é encarado como uma forma aceitável de se morrer, momento em que se esconde o fato de a morte ter sido por suicídio, para negar os sentimentos mais dolorosos de quem ficou (BOTEGA, 2015).

O registro do suicídio é um procedimento complicado que envolve várias entidades diferentes, incluindo por vezes, as forças policiais. Quando não há sistemas de registros confiáveis, a tendência é que muitos casos consumados ou tentados não entrem para as estatísticas oficiais. No Brasil, segundo Volpe, Corrêa e Barrero (2006), o processo de notificação dos suicídios consumados e das tentativas de suicídio é um dos pontos vulneráveis para o conhecimento de sua magnitude. Os pesquisadores esclarecem que há vários motivos para que isso ocorra, como por exemplo, a imprecisão na fonte de produção das informações sobre a violência no Brasil e também, fatores socioculturais que levam familiares a mascarar a existência do fato. Com base nessas informações, estima-se que existam cerca de dez vezes mais suicídios no país do que o que é reportado.

O suicídio é o ponto final de uma série contínua de pensamentos e comportamentos suicidas. É o ato derradeiro resultante de uma complexidade composta por fatores genéticos, biológicos, psicológicos, sociais, culturais e históricos, tudo isto acumulado à biografia do indivíduo. Assim, não é adequado dizer que o ato fatal ocorreu por determinada causa ou motivo e sim, que o suicídio é uma ação multideterminada, gerada por fatores desencadeantes, que são peculiares, variados e muitas vezes imprevisíveis. Por isso, tal situação exige de quem se depara com um indivíduo suicida uma avaliação cuidadosa e metódica, buscando compreendê-lo na sua singularidade e sua especificidade. (MELEIRO, 2003).

Nos Estados Unidos, a taxa de suicídio de policiais é uma vez e meia a taxa da encontrada na população em geral, e continua sendo a principal causa da morte de policiais, segundo um estudo divulgado por Kulbarsh (2016). No Brasil, segundo Botega (2015),

Mesmo não havendo consistência entre os achados dos estudos é provável que membros das forças policiais tenham risco mais elevado do que o encontrado na população geral. Algumas explicações possíveis, e não exclusivas, para tais achados de pesquisa incluem: conhecimento e acesso a meios letais, estressores específicos da profissão e tendência para a agregação de mais indivíduos com transtornos psiquiátricos em certas categorias profissionais. (BOTEGA, 2015, p. 94).

Entretanto, no caso de policiais militares, estudos recentes apontam que o risco relativo de suicídio para esses profissionais é de 4 vezes superior ao da população geral do estado do Rio de Janeiro, de 2005 a 2006 (MIRANDA, 2016). Esse estudo foi realizado especificamente na Polícia Militar do Rio de Janeiro e originou o livro “Diagnóstico e Prevenção do Comportamento Suicida na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro”, com uma ampla e aprofundada pesquisa sobre o tema, incluindo recomendações para prevenção do suicídio entre policiais militares daquele Estado.

Como a maioria das pessoas que comete suicídio, o policial normalmente comete o ato final como uma resposta inadequada a enormes problemas pessoais ou profissionais os quais sente que não podem ser resolvidos. Porém, ao contrário da maioria das pessoas, os policiais são especialmente e emocionalmente ligados a seus papéis profissionais e reagem fortemente quando seu status está ameaçado. Assim, muitos casos de suicídio refletem o impacto cumulativo de vários fatores estressantes, muitas vezes envolvendo uma combinação de problemas de relacionamento interpessoal e do próprio trabalho.

2. O TRABALHO POLICIAL E O SUICÍDIO

O trabalho policial é permeado por riscos reais de morte. Há inúmeros fatores que contribuem para o recrudescimento de tais riscos, como por exemplo, ações falhas, pouco treinamento ou a falta de equipamentos de proteção. O aspecto mais letal, entretanto, é o suicídio, considerando que para o resultado morte basta apenas a conduta autodestrutiva do próprio indivíduo. Quando o policial ultrapassa o limite do sofrimento psíquico suportável, sua resposta poderá ser àquela direcionada à autodestruição. Desta forma, ele busca a solução para seus problemas e também para o fim do sofrimento que o domina por meio do ato fatal, independentemente dos fatores que desencadearam a ação. E, na maioria das vezes, o faz com o uso do meio que está à mão: sua arma de fogo.

O sofrimento, entretanto, não termina. Segundo Botega (2015), estima-se que entre 5 a 10 pessoas pertencentes ao ciclo social do suicida sejam afetadas profundamente. O dia a dia das pessoas que perdem um ente querido por suicídio costuma ser de silêncio e isolamento. O reflexo trágico para a vida de familiares e amigos é visível e incomensurável. Sentimentos como culpa e raiva se misturam à tristeza que a situação proporciona.

O conhecimento dos fatores de risco que predispõem o indivíduo ao cometimento do suicídio é uma estratégia válida para sua prevenção. Nos Estados Unidos, pesquisadores descobriram ligações entre o aumento do número de suicídios de policiais ao abuso de álcool, aos problemas de relacionamento, ao isolamento de seus pares, ao transtorno da depressão e à disponibilidade de armas de fogo (JOHNSON, 2010).

O recrudescimento da violência nos últimos anos tem gerado grandes cobranças e pressões das instituições públicas de segurança pública. As demandas sociais são para que estas organizações combatam os criminosos e diminuam os índices de criminalidade que assolam as cidades. Por sua vez, muitas corporações policiais se mostram carentes de recursos humanos e materiais para um combate mais apropriado e objetivo. Segundo Miranda e Guimarães (2012, p. 2) “no nível individual, seus membros sofrem uma profunda sobrecarga física e emocional com as sucessivas cobranças sociais e institucionais”. E uma das muitas consequências da sobrecarga de trabalho é o adoecimento psíquico, que muitas vezes podem conduzir às tentativas e aos suicídios consumados desses profissionais, para Miller (2006).

Suicídios raramente ocorrem de forma isolada e muitas vezes acontecem com policiais que têm um histórico de uso de drogas, depressão e abuso de álcool ou de uma combinação debilitante de estressores que levam a uma sensação de desamparo e desesperança. Muitas vezes, há uma lenta acumulação de estresse, tensão e desmoralização que se acelera abruptamente, culminando com a crise suicida. Não é incomum ter havido uma série de ciclos de humor ao longo da vida do policial. (MILLER, 2006, p. 185).

Em particular, o abuso de álcool potencializa um quadro depressivo e aumenta o risco de suicídio, por duas razões: primeiro, o álcool prejudica a julgamento durante uma crise e aumenta o risco de comportamento impulsivo. Em segundo lugar, uma história de abuso de álcool é frequentemente associada a uma história de transtornos de humor e comportamento impulsivo, errático e violento, tais como intimidações, abuso da força e violência doméstica (MILLER, 2006).

A prevenção do suicídio de policiais militares perpassa por questões objetivas e extremamente necessárias. A própria natureza do serviço do policial impõe condições que podem agravar o problema e dificultar os trabalhos de prevenção. Entretanto, apesar da dificuldade, os esforços para a prevenção são fundamentais.

2.1. AS ESTATÍSTICAS NA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ

Na Polícia Militar do Paraná (PMPR), o denominado Serviço de Ação Social (SAS) realiza atividades de prevenção ao suicídio de policiais militares e também compila as estatísticas dos óbitos auto infligidos. É uma seção que faz parte da Diretoria de Pessoal (DP) e se foca tanto na seleção dos candidatos quanto na atenção psíquica do efetivo e no tratamento das alterações comportamentais dos profissionais de segurança pública. De posse dos números solicitados formalmente ao SAS, cabe uma avaliação estatística das informações compiladas sobre os suicídios no âmbito da PMPR.

Segundo os registros do SAS (2016), no período de 2013 a 2016 (até julho desse ano), 21 policiais militares cometeram suicídio na PMPR (Tabela 1). Ao analisar as informações constantes na Tabela 1, percebe-se um aumento considerável nos números dos suicídios consumados na Corporação nos últimos anos. Em 2013 e 2014, foram 2 e 4 suicídios, respectivamente. Na sequência, esse número aumentou para 9 em 2015 e 6 casos registrados até julho do ano de 2016.

Desses 21 policiais militares que se mataram, somente três eram mulheres (14%). A maioria deles, ou seja, 7 (33%) tinham de 41 a 50 anos, enquanto os demais, 5 (24%) tinham

entre 21 e 30 anos, 5 (24%) entre 31 e 40 anos e 4 (19%), entre 51 e 60 anos. Em relação à situação funcional, 16 (76%) eram da ativa e 5 (24%) já estavam na inatividade. Pelos registros, dos 16 policiais militares da ativa, 11 (69%) trabalhavam em atividades operacionais e apenas 5 (31%) atuavam em atividades administrativas.

Todos os 21 policiais militares eram praças (sendo um deles, Aspirante-à-Oficial, ou seja, a chamada “praça especial” na hierarquia da Polícia Militar). Com relação à graduação, 14 deles (67%) eram Soldados, 3 (14%) eram Cabos, 3 (14%) eram Sargentos e 1 (5%) era o Aspirante à Oficial citado acima. Quanto ao estado civil, 8 deles (38,1%) eram casados, 6 (28,6%) eram solteiros ou separados e com relação aos 7 (33,3%) restantes, não há registro sobre seus estados civis. Também não há registros relacionados a filhos destes policiais suicidas nos registros pesquisados.

Tabela 1 – Distribuição dos Suicídios Consumados por Sexo na PMPR (2013-2016, até julho).

Ano Números Absolutos de Suicídios Total
Homens Mulheres
2013 1 1 2
2014 3 1 4
2015 9 0 9
2016 (até julho) 5 1 6
Total Geral de Suicídios Consumados 21

Fonte: Serviço de Ação Social (SAS) da Polícia Militar do Paraná (2016).

 

O estudo sobre o meio empregado pelos 21 policiais militares que se suicidaram no período considerado no Paraná, comprova que o acesso ao meio letal pode fazer a diferença, ou seja, 13 deles ou 61,9% utilizaram arma de fogo para a prática do ato fatal. Em relação aos outros, 6 (28,5%) utilizaram o enforcamento como meio, 1 (4,8%) fez uso de arma branca, e, por fim, 1 (4,8%) se precipitou de local elevado. Além do meio empregado, a Tabela 2 também faz a distribuição por sexo dos suicidas no período estudado. Identificou-se que todas as 3 mulheres policiais militares utilizaram sua arma de fogo para o ato. Já com relação aos homens, 10 deles preferiram a utilização da arma de fogo como meio para o fim.

Tabela 2 – Distribuição dos Meio para o Suicídio e por Sexo na PMPR (2013-2016, até julho).

Meio empregado Números Absolutos de Suicídios Total
Homens Mulheres
Arma de fogo 10 3 13
Enforcamento 6 0 6
Arma branca 1 0 1
Queda de altura 1 0 1

Fonte: Serviço de Ação Social (SAS) da Polícia Militar do Paraná (2016).

  

Uma análise mais apurada das estatísticas apresentadas traz informações contundentes com relação ao perfil básico dos policiais militares que se suicidaram. Como visto, a maioria dos suicidas estava no serviço ativo da Polícia Militar (76%), e destes, a maioria (69%) atuava em atividades operacionais. Outra informação relevante: a maioria possuía até 50 anos (81%), ou seja, uma faixa etária produtiva e socialmente ativa. Além disso, constata-se que todos eram praças, e que a grande maioria (13 dos 21, ou 61,9%) utilizou arma de fogo para concluir o ato fatal, demonstrando que o acesso ao meio é altamente significativo para a conclusão do intento por policiais militares. Cabe salientar que nos documentos pesquisados não há análise sobre os prováveis fatores desencadeantes dos atos finais.

Como visto, o suicídio de policiais militares na PMPR é um problema grave. Um conjunto de fatores pode ser levado em consideração quando o suicídio dos profissionais de segurança pública assume essa gravidade perturbadora. Tragicamente, muitas vezes o suicídio se torna a única forma do policial lidar com os problemas que o atormentam. Os estressores internos verificados em seus locais de trabalho aliados a problemas externos à Corporação, como relacionamentos pessoais, por exemplo, juntamente com o abuso de álcool e acesso à arma de fogo criam uma receita para o desastre entre os policiais mentalmente perturbados que podem ver no suicídio a única saída para sua dor e sofrimento.

2.2. POR QUE POLICIAIS COMETEM SUICÍDIO

De acordo com Thomas (2011), o processo de socialização e de reformulação da identidade pessoal do policial pode começar antes mesmo dele entrar na academia para realizar seu curso de formação. As transformações realmente começam quando a decisão de se tornar um policial é tomada. Quando uma pessoa decide se tornar um policial, ela está aceitando um compromisso com um estilo de vida e um conjunto de valores que muitas vezes a distinguem das demais pessoas. Alicea (2014) esclarece que em relação a outras profissões, o trabalho policial é uma ocupação onde a propensão para o atendimento de incidentes perturbadores é a norma.

Durante o desenvolvimento do seu serviço, o policial recebe mensagens ambivalentes do público interno (da própria Corporação) e externo, ou seja, a sociedade em geral, incluindo sua família e seus amigos. As mensagens podem expressar sentimentos conflitantes de desprezo e admiração, carinho e hostilidade e amor e ódio, quase simultaneamente. Essas mensagens são importantes fatores psicológicos que ajudam moldar o mundo do policial. Sobre isso, Lima (2005), escreve:

O policial vive em um mundo à parte, pois pode se reconhecer sem hipocrisia hoje, que o uso de um distintivo ou de um uniforme faz o policial se separar da sociedade ou a sociedade segregá-lo, o que produz muitos efeitos psicológicos negativos, entre os quais a agressividade. Esse fenômeno é mundial, visto que o policial exerce um papel diferente e precisa, obrigatoriamente, usar essa “máscara” ou exercer seu papel. Às vezes, esse papel afeta suas vidas e provoca mudanças no curso de suas relações sociais e em seu próprio tempo. (LIMA, 2005, p. 47).

Quando as mensagens negativas se sobressaem e se juntam a outros estressores, como problemas de ordem pessoal ou financeira, por exemplo, podem conduzir o indivíduo para uma situação conflitante insuportável. Para Alicea (2014) a comunidade policial possui práticas exclusivas de socialização entre seus integrantes e que tal situação pode predispor policiais que vivem momentos de angústia ou desespero real ou irreal para uma propensão ao autoextermínio. Essas condições impostas pelo papel desempenhado pelo policial afetam as relações pessoais, promovendo o isolamento social. Sendo a Polícia Militar uma corporação hierarquizada, os seus superiores também podem reforçar o isolamento do policial. E como resultado, caso o indivíduo não possua mecanismos psicológicos para superar os problemas, o suicídio poderá ser cogitado.

Ramos (2010) escreve que o estresse da profissão policial é único porque ele é constante, ou seja, o papel de um policial em si é estressante, porque ele nunca está de folga. Lima (2005) corrobora com tal pensamento, afirmando que, mesmo quando está de folga, o policial tenta resolver os problemas quando a maioria das pessoas se omite, mesmo com os riscos inerentes. Desta forma, ele opera em um ambiente onde é frequentemente exposto a altos níveis de frustração e perigo, os quais levam aos desgastes físico, emocional e psicológico. Sobre isso, Violanti (1995) escreveu:

O alto nível de estresse do trabalho policial é geralmente citado como um fator de contribuição principal. O limite constante com estressores inerentes ao perigo, e para os gestores de polícia, as pressões da administração, podem oprimir até mesmo a pessoa mais forte. Quando os policiais perdem a capacidade de lidar com os problemas de maneira normal, eles podem recorrer a uma solução final para aliviar as pressões de estresse. (VIOLANTI, 1995, p. 20).

O policial vive no limiar de cometer um erro de procedimento ou presenciar um incidente com resultados trágicos, eventualmente provocados por suas ações ou inações. Thomas (2011) ressalta que a pressão intensa que o profissional sente após um incidente dessa magnitude pode fazê-lo optar pelo suicídio para aliviar sua dor. Os fatores que o pressionam são vários, tais como, o sentimento de fracasso, o confronto dos valores morais, a incapacidade de controlar o próprio destino, o controle que sofre de sua corporação, da justiça, dos pares, da mídia e da própria família; além da incapacidade de se conectar com os entes queridos por medo de que eles irão vê-lo como fraco.

Quando as pessoas se afastam por motivo de fracasso profissional, o policial sente uma sensação de rejeição e isolamento. Ele sente tanto os efeitos de seu próprio fracasso, como o isolamento de amigos e colegas. Violanti (1995) complementa que a sensação de isolamento social muitas vezes que se segue, conduz o agente para a tomada de uma postura defensiva. Quando o policial sente que a sensação de frustração não é mais tolerável, ou que nenhuma alternativa de enfrentamento está disponível, o suicídio pode tornar-se uma opção atraente.

Por esta razão, as corporações policiais militares necessitam ter programas de apoio relacionados à saúde mental que incentivem seus integrantes a procurar ajuda. Em uma cultura orientada para ações onde as decisões são tomadas rapidamente, um policial pode se sentir obrigado a "fazer algo" sem pensar nas consequências. E ainda, o acesso a uma arma de fogo aumenta o perigo da impulsividade. Não se pode esquecer que a arma do policial está em sua mão todo o tempo.

Para Violanti (1995), a arma de fogo do policial tem um significado especial. É um símbolo muito poderoso do poder de vida e morte. A sociedade confia aos policiais a autoridade para usar suas armas e tirar a vida de outra pessoa em determinadas situações. Em suicídios de policiais, os indivíduos, de fato, estão reivindicando o direito de tomar suas próprias vidas. Afinal, a arma foi estabelecida como um meio para parar a tristeza e para proteger os outros do mal. Policiais perturbados podem ver o suicídio de tal maneira, ou seja, como a extinção do mal que lhe causa sofrimento.

Muitas vezes, os colegas policiais são os únicos que podem falar francamente com o companheiro sobre o trabalho. Para o policial, admitir que esteja pensando em cometer suicídio ou que tem problemas domésticos, é como admitir que estivesse perdendo o controle. Segundo Lima (2005, p. 49), “os policiais necessitam estar constantemente no controle de suas emoções, pois a missão exige uma profunda restrição em circunstâncias altamente emocionais”. Em uma profissão em que se espera que seus membros sempre estejam no controle, as organizações policiais podem ser implacáveis ou mal preparadas para lidar com policiais que apresentem problemas pessoais. Por isso, Thomas (2011) escreve que o suicídio policial está envolto em secretismo, ou seja, é comumente mantido oculto, em segredo.

Policiais normalmente acreditam que podem ser capazes de lidar com a maioria das situações, sem ajuda. Ao mesmo tempo, quer admitam ou não, têm um desejo quase insaciável por aprovação, na sociedade e entre os companheiros. Assim, há pouco espaço para erro ou falha. Para muitos policiais, a vergonha é muito pior do que o medo, e perder a aprovação ou o apoio da família ou dos colegas é algo grave. A vida pode se tornar intolerável se o policial for atingido por uma avalanche de estressores profissionais ou pessoais, especialmente se tudo acontecer de uma só vez. Para Kapardis (2010), há na cultura policial o estilo machista que desencoraja o policial de falar sobre os estressores, sendo um mecanismo muito utilizado, porém, inadequado. Um policial angustiado pode ficar relutante em procurar ou aceitar ajuda por medo de parecer fraco.

Em resumo, Violanti (1995), lista os fatores que podem levar os policiais a cometerem suicídio: o alto nível de estresse do trabalho policial; o sentimento de impotência e frustração por resultados negativos de ocorrências atendidas; o acesso às armas de fogo; o abuso de álcool; a aposentadoria, que representa a separação da camaradagem e da proteção dos colegas policiais; e, por fim, a exposição constante à violência e a incidentes trágicos que podem conduzir a transtornos mentais graves como depressão, estresse pós-traumático, etc.

O conhecimento detalhado e aprofundado de tais fatores é o grande trunfo que as corporações policiais devem obter para executar um trabalho de acompanhamento e prevenção do suicídio de seus integrantes. Para evitar o ato suicida, é importante entender os fatores que a ele conduzem. Assim, o foco deve estar nos riscos sobre os quais a intervenção teria o maior impacto, lembrando que alguns riscos são mais modificáveis e outros mais estáveis (JONES, KENNEDY e HOURANI, 2009). A realização de programas preventivos e treinamentos específicos podem minimizar as taxas de suicídio e reconduzir policiais perturbados ao trabalho com sua saúde mental restaurada.

2.3. PISTAS PARA O SUICÍDIO DE POLICIAIS

Indivíduos com intenções suicidas costumam demonstrar seu intento em falas e gestos, os quais podem ser chamados de pistas. Importante entender que algumas pistas são apresentadas de maneira sutil, porém, outras, de forma muito clara (MILLER, 2006). Invariavelmente, após um suicídio consumado, pessoas próximas ao policial relatam que ele “não dava indícios que cometeria tal ato”, demonstrando assim, a dificuldade de interpretação dos sinais emitidos pelo indivíduo suicida. Logo, a atenção por parte dos colegas às pistas pode promover condições objetivas para o apoio especializado ao companheiro de trabalho que sofre.

Miller (2006) divide as pistas para o suicídio de policiais em verbais e comportamentais, esclarecendo que frequentemente elas aparecem misturadas. A identificação de apenas alguns sinais já deve causar a preocupação necessária para a tomada de medidas preventivas. Para esse autor, algumas pistas verbais são:

  1. Auto ameaça: ameaças verbais para si mesmo podem ser diretas e podem incluir declarações como “eu posso atirar na minha boca agora” e “é isso aí, eu desisto.” Ou indiretas, como: “aproveite os bons momentos enquanto você pode – eles nunca duram” ou “é um inferno não ser necessário nesse mundo.”.
  2. Ameaça aos outros: insatisfação com si mesmo muitas vezes se reflete na hostilidade para com os outros, especialmente para aqueles que estão relacionados a qualquer aspecto dos problemas vivenciados pelo policial. Nesse caso, as ameaças também podem ser diretas, "eu vou dar um jeito nesse maldito tenente por tudo que ele fez para mim", ou indiretas, "eventualmente, essas pessoas vão conseguir o que merecem.”.

  3. Perda de controle: esta é provavelmente a pista verbal mais clara e inequívoca do suicídio, ao lado de ameaçar-se diretamente: “se ele me humilhar de novo, eu não serei responsável pelo resultado.”.

  4. Insubordinação: momento de insurgência contra a autoridade ou ordem estabelecida: “se o senhor não gosta do jeito que eu fiz, então faça você mesmo, pois não estou nem aí.”.

  5. Sentimento de derrota: uma expressão de desesperança sem referência direta ao suicídio: “eu não aguento mais isso”, ou com uma referência mais direta: “estou pronto para umas férias permanentes.”.

  6. Atração mórbida por suicídio ou homicídio: o policial pode coletar notícias sobre suicídio ou outras mortes violentas, falar sobre pessoas que se mataram e desenvolver um fascínio mórbido pela morte: "Você conhece a história daquele policial que matou sua família e se suicidou? Eu sei exatamente como aquele pobre bastardo se sentiu.”.

  7. Sobrecarga: expressa um sentimento de estar oprimido pelas circunstâncias ruins que se acumulam: “minha esposa está me traindo, estou cheio de dívidas e no trabalho ninguém valoriza o que eu faço, eu não aguento mais.”.

  8. Sem opções: não vê saída da situação atual: “tenho agido conforme as regras durante toda minha carreira e agora estou perdendo tudo e ninguém parece dar a mínima”. (MILLER, 2006, p. 189, grifo nosso).

O autor relacionou também as pistas comportamentais que podem ser verificadas quando se trata do suicídio de policiais:

  1. Gestos: inclui qualquer tipo de gesto autodestrutivo, tais como brincar com uma arma de fogo ou simular os dedos em forma de uma arma, segurando-o na boca ou na cabeça e fazendo o gesto de puxar o gatilho.

  2. Entrega da arma: o policial entrega sua arma para um companheiro ou ao seu comandante. Entretanto, entregar a arma não elimina o risco de suicídio.

  3. Armas em excesso: o policial passa a utilizar várias armas de fogo, e as mantém estrategicamente localizadas em sua casa ou no seu carro, ostensivamente “para proteção.”

  4. Riscos excessivos: o policial se expõe a riscos desnecessários, como por exemplo, participando de situações perigosas sem uma arma, com uma arma descarregada ou sem esperar reforço. O policial pode assumir riscos mais sutis como dirigir de forma imprudente ou não tomar cuidado com problemas de saúde.

  5. Violações: isso envolve a violação de regras ou tradições e, em muitos casos, agrava a insubordinação. Pode também incluir o abuso de privilégios, o uso de força excessiva, dormir em serviço ou atrasos.

  6. Preparativos finais: o policial faz mudança de planos já previstos, faz ou muda um testamento, realiza cenas de despedida, faz doações excessivas para instituições de caridade ou ainda, tem um súbito interesse por religiões.

  7. Busca de assistência: ele se informa sobre programas de ajuda para o uso de substâncias ou procura ajuda psiquiátrica na sua Unidade ou no Serviço de Assistência Social (SAS) de sua Corporação. Embora esteja dando passos positivos em direção a uma recuperação saudável, tal situação não elimina o risco de suicídio. (MILLER, 2006, p. 189, grifo nosso).

Os sinais emitidos pelos policiais e que trazem indícios para o cometimento do suicídio precisam ser analisados dentro do contexto de vida do indivíduo. Para Baker e Baker (1996), o alerta comportamental mais forte é uma tentativa anterior de suicídio. Geralmente, quanto mais recente a tentativa, maior a condição de risco para o policial. Ainda para os autores citados, o treinamento dos policiais precisa incorporar a educação sobre a identificação dos sinais de alerta de suicídio como uma parte regular do programa de saúde mental, justamente por que identificar companheiros em situação de risco iminente de suicídio é o primeiro passo para ajudá-los.

3. A PREVENÇÃO DO SUICÍDIO ENTRE POLICIAIS MILITARES

Cada suicídio de policial militar é um evento trágico. As consequências para familiares, amigos e para a própria Corporação são avassaladores. Por isso, os esforços para a prevenção devem ser tratados como prioridade e seriedade pelos comandantes e por cada um dos integrantes de suas fileiras. Para Corrêa e Barrero (2006, p. 155), “a prevenção do suicídio não é um problema exclusivamente médico, mas de toda a comunidade, de suas organizações e indivíduos”. Logo, no âmbito das corporações policiais militares tais preceitos se aplicam e precisam ser considerados.

A Organização Mundial da Saúde enfatiza, em documento recente, que os suicídios são evitáveis. E, para tanto, a entidade internacional esclarece que os esforços para a prevenção do suicídio necessitam de coordenação e colaboração entre os múltiplos setores da sociedade, sejam públicos ou privados, que atuem na área de saúde ou não, como educação, trabalho, agricultura, negócio, justiça, lei, defesa, política e da mídia. Esses esforços devem ser abrangentes, integrados e sinérgicos, considerando que nenhuma abordagem única pode impactar sozinha em um problema tão complexo como o suicídio (WHO, 2014).

Werlang, Meleiro e Fensterseifer (2004, p. 142) afirmam que “a prevenção do suicídio deve ser pautada no conhecimento dos fatores de risco”. Tais condições são relevantes ao processo, pois facilitam as formas de intervenção nos problemas específicos pelos quais passa a pessoa. Segundo as autoras, os fatores de risco para o suicídio podem ser divididos em três grupos distintos:

(1) Fatores constitucionais e hereditários, não passíveis de intervenção, como idade, sexo, história familiar, genética; (2) fatores ligados a condições endógenas, passíveis de serem controladas, como doenças físicas e mentais (...); e (3) fatores ligados a hábitos e ambientes, passíveis de serem mudados ou corrigidos, como estado civil, isolamento social, religião, classe social, profissão, desemprego/aposentadoria, família suicidogênica, abuso de álcool e outras substâncias psicoativas, acesso aos métodos e seu grau de letalidade. (WERLANG, MELEIRO e FENSTERSEIFER, 2004, p. 142).

Como a subcultura policial exerce grande influência sobre seus integrantes e os fatores de risco podem ser mapeados, um trabalho integrado dos vários segmentos da corporação se torna fundamental. Entretanto, Miranda e Guimarães (2012) relatam uma realidade longe da ideal em relação aos investimentos para a área de prevenção ao suicídio nas corporações policiais. Segundo as autoras, há uma carência de investimentos voltados para a atenção à pessoa humana do profissional de segurança, tanto nas esferas do executivo federal quanto do estadual. Tal situação torna o problema praticamente invisível aos olhos do poder público e também da sociedade brasileira.

Miranda e Guimarães (2012) realizaram um estudo detalhado sobre a prevenção do suicídio em duas corporações policiais militares brasileiras: a Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) e a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). Na PMESP, relatam que devido aos altos índices de suicídio registrados no final dos anos 90 e início dos 2000, no ano de 2004 foi instituído naquela corporação o Programa de Prevenção de Manifestações Suicidas (PPMS). O foco do programa é o de identificar as questões psicossociais que alteram o comportamento dos policiais e fomentar os fatores de proteção contra o suicídio, consistindo em avaliações psicológicas, acompanhamentos, palestras e demais atividades relacionadas. Como resultado positivo do programa, os números de suicídios sofreram uma significativa redução no ano de sua implantação, de 33 no ano de 2003 para 17 em 2004.

Na PMERJ, o quadro encontrado foi diferente, ou seja, a corporação não dispunha de um trabalho cujo foco esteja nas manifestações suicidas. Nesse estudo de 2012, as autoras concluíram que “o trabalho realizado pela equipe de saúde mental da PMERJ se limitava ao atendimento clínico de policiais militares e familiares no setor de psiquiatria e de psicológica nas unidades de saúde da Polícia” (MIRANDA e GUIMARÃES, 2012, p. 17). E, até o ano desse trabalho, as estatísticas de suicídios consumados na corporação se mostraram precárias e não confiáveis, dificultando estudos aprofundados sobre o assunto. Miranda (2016), num diagnóstico mais recente e profundo realizado na PMERJ, esclarece que:

No Rio de Janeiro, o descaso em relação ao sofrimento emocional desses profissionais é condizente com o caráter tradicional das políticas de segurança pública. Por décadas, executivos estaduais priorizaram investimentos materiais em detrimento de políticas de valorização de recursos humanos. A prevenção de doenças mentais e emocionais de policiais civis, militares e bombeiros nunca fez parte da agenda de políticas de segurança pública do estado do Rio de Janeiro. (MIRANDA, 2016, p. 19).

Como resultado desse diagnóstico realizado na PMERJ, foram difundidas várias recomendações para a prevenção do comportamento suicida entre policiais militares na tentativa de conscientizar os gestores daquela corporação para a gravidade do problema. São recomendações importantes que também servem para as demais corporações coirmãs. As propostas dividem-se em dois níveis: uma de cunho geral, com palestras, gestão de pessoal (revisão das escalas de trabalho), gestão de logística (melhores locais para refeições e alojamento), formação e treinamento; e outra mais específica, voltada para o atendimento do policial em situação de risco, entre elas, a criação de um protocolo sobre como lidar com um potencial suicida, considerando os níveis de risco (MIRANDA, 2016).

Na Polícia Militar do Paraná (PMPR), o descaso com a problemática também pode ser verificado ao longo de sua história. Entretanto, mais recentemente, desde 2013, diversos esforços para a prevenção do suicídio vêm sendo articuladas pelo Serviço de Ação Social (SAS) da PMPR. Dentre as diversas atividades desenvolvidas pelos profissionais de saúde mental lotados naquele setor, está o Programa de Prevenção ao Suicídio, o qual conta com avaliações psicológicas, palestras de conscientização, encaminhamento para tratamentos psiquiátricos e acompanhamentos, sempre em conjunto com as unidades da corporação.

Segundo Penkal (2016), a base do trabalho preventivo realizado pelo SAS da PMPR é dividida em três etapas:

A primeira etapa consiste no diagnóstico através da avaliação psicológica realizada por meio de métodos psicológicos – a aplicação de testagens, questionários e entrevistas – elaboradas por uma comissão de Psicólogas(os). (...). A segunda etapa está na separação dos grupos identificados através da avaliação em: “Estresse Normal”, Depressão, Ansiedade, Estresse Pós-Traumático e Dependência Química. (...) A terceira etapa é a análise do perfil psicológico existente por meio dos dados colhidos no processo de avaliação, tratamento e intervenção. (PENKAL, 2016, p. 87).

De um modo geral, para Violanti (1995), as corporações devem realizar as seguintes ações com foco na prevenção do suicídio de policiais: reconhecer os fatores de risco e as pistas para o suicídio emitidas, pois podem dar à corporação a oportunidade de intervir antes que seja tarde demais; treinar policiais militares para lidarem melhor com problemas pessoais e profissionais, evitando situações que podem causar sofrimentos e o suicídio; desenvolver medidas eficazes para combater o suicídio em suas fileiras, com intervenções e acompanhamentos diretos e constantes; e, realizar e difundir pesquisas na área visando à quebra do silêncio sobre o assunto na corporação policial.

Além desses aspectos, é importante ressaltar que para que essas medidas se tornem viáveis, a política institucional de prevenção deve ser reconhecida como uma prioridade do comando da corporação. Para Miranda (2016, p. 92), isso significa “fazer da prevenção do comportamento suicida uma política a ser inserida no planejamento estratégico da instituição”. Num segundo momento, é necessário sensibilizar os integrantes da corporação sobre a gravidade do problema e a necessidade de adesão à campanha de prevenção às mortes autoprovocadas. Desta forma, prevenir o suicídio requer quebrar barreiras institucionais e pessoais, há muito tempo arraigadas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa procurou evidenciar a necessidade urgente do direcionamento de esforços para a prevenção do suicídio de policiais militares. Basta ser um policial para entrar num grupo com risco aumentado para a prática autodestrutiva. A subcultura institucional que enfatiza que o policial é superior a tudo e que não adoece psiquicamente é algo que deve ser combatida energicamente. A ajuda deve ser naturalmente buscada por aqueles que necessitam. Muitas vezes, a negação ao problema atrasa a assistência e conduz o indivíduo para a solução que causará feridas indeléveis e arrasadoras àqueles que fazem parte de suas redes sociais. O apoio também deve ser fornecido àqueles que tentam e por qualquer motivo não conseguem consumar o ato. Sem atendimento e acompanhamento adequados, o risco aumenta para uma nova tentativa.

O sofrimento psíquico de policiais militares não pode permanecer invisível aos olhos dos comandantes e de seus pares. Apesar de estar ganhando cada vez mais espaço na sociedade e sendo trabalhado de forma mais contundente nas corporações, como visto no exemplo da PMPR, ainda há muitas barreiras que impedem projetos e discussões plenas sobre o assunto. Muitos suicídios de policiais militares poderiam ter sido evitados se a cultura policial fosse mais favorável no sentido de aceitar as vulnerabilidades de seus integrantes. Também é importante reconhecer que suicídios continuarão ocorrendo, isto é fato. Entretanto, deve-se dar prioridade às ações que busquem evitar àqueles que podem ser evitados e interromper ou amenizar aqueles que não podem.

Um policial militar só conseguirá desempenhar suas funções adequadamente e prestar um bom trabalho à sociedade se estiver com sua saúde mental perfeita. Se estiver mentalmente comprometido, tende a se colocar em risco e também a arriscar a vida de outras pessoas. Assim, as corporações precisam, além de investir, entender a gravidade do problema para poder envidar esforços e salvar da autodestruição seus integrantes que sofrem veladamente. É uma questão humanitária e extremamente necessária.

REFERÊNCIAS

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1 Capitão da PMPR, especialista em Gerenciamento e Negociação em Crises Policiais, e Psicólogo, especialista em Psicologia Jurídica. Endereço eletrônico: capmarco@pm.pr.gov.br.
2 Psicóloga, Mestre em Psicologia, Doutoranda em Psicologia da Saúde. Professora no Ensino Superior. Integrante do Laboratório de Qualidade de Vida do Trabalhador do CNPQ. Orientadora da Pós-Graduação em Saúde Mental da UCDB Virtual. Endereço eletrônico: helen_psi@hotmail.com.