APLICAÇÃO DAS DIRETRIZES PRINCIPIOLÓGICAS DA LEI 13.105 EM PROL DE UMA EFETIVA RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS FUNDIÁRIOS

Íncare Correa de Jesus1
Marco Aurélio Schilichta2

 

RESUMO
O escopo do presente artigo centra-se na análise dos princípios que embasam o novo código de processo civil (Lei 13.105/2015) e na aplicabilidade das diretrizes para a solução pacífica dos conflitos fundiários. Para tanto, abordou-se, primeiramente, o conceito doutrinário de acesso à justiça, visando entender a extensão e importância deste tema para a manutenção do bem estar social, na medida em que a pacificação social é um dos importantes objetivos da jurisdição. A pesquisa ainda visa analisar o incentivo do ordenamento jurídico para a utilização de meios pacíficos de resolução de conflitos, em especial a mediação e a autocomposição, e, sobretudo, o direcionamento destes instrumentos para a resolução dos conflitos judicializados. O método utilizado foi o indutivo, sendo que a originalidade do tema reside justamente na aproximação dos conceitos laborados, a fim de propiciar uma reflexão sobre o tema.

Palavras-chave: Mediação. Autocomposição. Acesso à Justiça. Conflitos fundiários.

ABSTRACT
The scope of this article focuses on the analysis of the principles underlying the new civil procedure code (Law 13.105 / 2015) and the applicability of the guidelines for the peaceful settlement of land conflicts. In order to do so, we first approached the doctrinal concept of access to justice, aiming to understand the extent and importance of this theme for the maintenance of social welfare, insofar as social pacification is one of the important objectives of the jurisdiction. The research also aims to analyze the incentive of the legal system for the use of peaceful means of conflict resolution, especially mediation and self-composition, and, above all, the direction of these instruments for the resolution of judicial conflicts. The method used was the inductive, and the originality of the theme lies precisely in the approximation of the concepts worked, in order to provide a reflection on the theme.

Keywords: Mediation. Self-composition. Access to justice. Land conflicts.

 

 

Desde os tempos de colonização do Brasil, a terra, que outrora parecia um infindável universo de recursos, passou a ser objeto de disputa. A partir das capitanias hereditárias até os registros imobiliários atuais, a proteção da propriedade versus a necessidade do cidadão de moradia digna desperta toda sorte de conflitos, muitos destes materializados em ações de reintegração de posse, interditos, pedidos de aquisição de propriedade, dentre outros (MANFREDO, 2011).

A Constituição da República é taxativa ao proteger a propriedade privada, mas também é firme quando aduz que a propriedade deve atentar ao seu papel social, o que se concebe hodiernamente como função social da propriedade. (EVANGELISTA, 2013). Obviamente que a resolução destes conflitos não é simples e muitas das vezes, infelizmente, se faz necessário o uso da força coercitiva do Estado para se proteger direitos constitucionalmente garantidos.

Imagine-se, por exemplo, uma ocupação irregular de terra, ocorrida por invasão e que abriga centenas de famílias, em casos como este, que são inúmeros em solo nacional, a retirada forçada das pessoas da área acaba por gerar um enorme problema social.

Mas, ao mesmo tempo, o Estado não pode impingir ao proprietário o afastamento forçado dos seus direitos de uso e gozo do imóvel, ainda que em nome da coletividade. Para que isto ocorra, o devido processo legal deve ser observado, e, caso pretenda adquirir a área, deverá fazê-lo pelo preço justo, aliás, conforme também preconiza a Constituição da República (GHISLENI; SPENGLER, 2013).

Destes poucos parágrafos, somado ao conhecimento comum que atinge o cidadão pelo que a mídia informa nos meios de comunicação, pode-se afirmar que a resolução destes problemas passa, obrigatoriamente, pelo estabelecimento de políticas públicas efetivas. Além disso, exigir que o Judiciário, sozinho, resolva os conflitos de terra pelo país afora é praticamente impossível, primeiro porque este não pode executar com as próprias mãos os comandos que emergem de suas decisões, ele precisará contar com aparato técnico e humano do próprio Estado para fazê-lo. Nesse sentido, tampouco a resolução será efetiva apenas com a ação do Poder Executivo, por meio da ação policial em operações de reintegração de posse, pois, conforme já se aventou, a resolução forçada pode gerar outros importantes problemas sociais e risco de passivo humano, que onerarão ainda mais o Estado, e, consequentemente, a própria sociedade.

Entretanto, em virtude da complexidade do tema, exigir tal resposta apenas do Estado tem se mostrado pouco profícuo, de modo que a participação de todos os atores envolvidos, como Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, INCRA, proprietários e também os ditos “invasores”, representados por suas associações, sociedades ou movimentos, é primordial para uma solução eficaz do conflito.

Neste cenário, o acesso à Justiça será o ponto de partida do presente estudo, pois se pretende investigar, primeiramente, o que se deve entender por acesso à Justiça. Num segundo momento, mas, nem por isso desconectado do acesso à justiça a ser estudado, passar-se-á a análise da possibilidade que o novo código de processo civil trouxe aos operadores do Direito, em seu mais amplo significado, com o escopo de se promover a resolução dos conflitos por intermédio, sobretudo, da mediação.

Neste ponto, abordar-se-á principalmente os artigos principiológicos do novo mandamento processual civil pátrio, que trouxe inovações com o advento de normas incentivadoras da conciliação e da mediação no âmbito processual e extraprocessual, voltadas para estimular uma resolução pacífica e célere dos conflitos de interesses.

Por fim, sem pretensão de se esgotar o assunto, a proposta será discutir a utilização destas novas ferramentas, de maneira ordenada com a divisão de responsabilidades e busca da garantia de direitos de todos os envolvidos nas lides oriundas dos conflitos de terra.

1. JURISDIÇÃO E ACESSO À JUSTIÇA

Desde que o Estado chamou para si a responsabilidade pela resolução dos conflitos intersubjetivos na sociedade, exercendo seu imperium por intermédio da jurisdição que é ao mesmo tempo poder, função e atividade é que o tema acesso à Justiça se mostra dos mais relevantes à sociedade (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012). Sobre o assunto, nota-se que:

Como poder, é manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete. O Poder, a função e a atividade somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado, O devido processo legal. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012, pg. 41).

Por meio do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República do Brasil (BRASIL, 1988) é garantido a todos o acesso ao poder, função e atividade da Jurisdição, e, justamente com base neste fundamento é que os autores pretendem investigar qual são as

interações entre o acesso à Justiça, as reintegrações de terra e os novos ditames da Lei processual civil em vigor. O mote central será traçar um paralelo entre as reintegrações de posse e o novo Código de Processo Civil, pretendendo-se à luz das diretrizes principiológicas propor políticas públicas no sentido de envolver todos os atores (Estado, proprietários, movimentos sociais, INCRA, Ministério Público, Defensoria Pública e Polícia Militar) na consecução do objetivo maior, qual seja: o cumprimento e a observância da lei, sem, contudo, deixar de buscar amparo e condições dignas às famílias que serão realocadas.

Sabe-se que o acesso à ordem jurídica justa pressupõe não apenas o acesso puro e simples do jurisdicionado em juízo, mas também:

É preciso eliminar as dificuldades econômicas que impeçam ou desanimem as pessoas de litigar ou dificultem o oferecimento de defesa adequada. A oferta constitucional de assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, inc. LXXIV) há de ser cumprida, seja quanto ao juízo civil como ao criminal de modo que ninguém fique privado de ser convenientemente ouvido pelo juiz, por falta de recursos. (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2012, p. 42).

Neste ponto, a toda evidência, a primeira correlação que se faz com o tema é justamente a própria admissão ao processo, e este, por sua vez, na sua concepção teleológica de pacificação social. Além disso, este também deve ser o escopo precípuo da jurisdição que pode atuar mediante a provocação da parte e que se materializa através da lide. O segundo ponto, ainda conforme os autores dantes mencionados relaciona-se com o modo de ser do processo, a saber:

No desenrolar de todo o processo (civil, penal e trabalhista) é preciso que a ordem legal de seus atos seja observada (devido processo legal) que as partes tenham oportunidade de participar em diálogo com o juiz (contraditório), que este seja adequadamente participativo na busca de elementos para sua própria instrução. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2012, p. 43).

Após a admissão do processo, há que se considerar este como forma de provocação à jurisdição se desenvolverá perante o Estado-Juiz. Neste aspecto o devido processo legal e o respeito à oportunidade do contraditório e da ampla defesa devem se fazer necessariamente presentes.

No entanto, ressalta-se que não somente a admissão e o modo de ser do processo são necessários para se atingir o adequado acesso à justiça. Entende-se que é importante, ainda, a justiça e a efetividade das decisões, esta última entendida como dar a resposta prática e equivalente ao bem jurídico buscado pelo jurisdicionado. Com relação à justiça nas decisões, que não se confundem com o acesso à justiça, observa-se que:

O juiz deve pautar-se pelo critério de justiça, seja (a) ao apreciar a prova, (b) ao enquadrar os fatos em normas e categorias jurídicas ou (c) ao interpretar os textos de direito positivo. (...) Entre duas interpretações aceitáveis, deve pender por aquela que conduza a um resultado mais justo, ainda que aparentemente a vontade do legislador seja em sentido contrário (a mens legis nem sempre corresponde à mens legilatoris). Deve “pensar duas vezes antes de fazer uma injustiça” e só mesmo diante de um texto absolutamente sem possibilidade de interpretação em prol da justiça e que deve conformar- se. (EVANGELISTA, 2013, p.21).

Por fim, seguindo a visão dos autores e para se conferir o amplo acesso à justiça, a efetividade das decisões é um importante instrumento para se atingir este desiderato.

Efetividade das decisões: todo o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter. Essa máxima de nobre linhagem doutrinária constitui verdadeiro slogan dos modernos movimento em prol da efetividade do processo e deve servir de alerta contra tomadas de posição que tornem acanhadas ou mesmo inúteis as medidas judiciais, deixando resíduos de injustiça. (CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO, 2012, p. 43)

Marinoni (2008) ao discorrer sobre o tema dispõe que:

Na verdade, a realização do direito de acesso à justiça é indispensável à própria configuração de Estado, uma vez que não há como pensar em proibição da tutela privada, e, assim, em Estado, sem se viabilizar a todos a possibilidade de efetivo acesso ao Poder Judiciário. Por outro lado, para se garantir a participação dos cidadãos na sociedade, e desta forma a igualdade, é imprescindível que o exercício da ação não seja obstaculizado, até porque ter direitos e não poder tutelá-los certamente é o mesmo que não os ter. (MARINONI, 2008, p. 186)

Este mesmo autor ainda destaca dois pontos que devem ser levados em consideração para que se concretize o acesso à justiça, atentando-se para o custo do processo e a demora processual.

Nesse sentido, ainda no que diz respeito aos problemas do acesso à justiça, importante destacar o que:

A crise vivenciada pela Justiça oficial, refletida na sua inoperacionalidade, lentidão, ritualização burocrática, comprometimento com os “donos do poder” e falta de meios materiais humanos, não deixa de ser sintoma indiscutível de um fenômeno mais abrangente, que é a própria falência da ordem jurídica estatal. (WOLKMER, 2001, p. 99).

E continua:

Ainda que seja um locus tradicional de controle e de resolução dos conflitos, na verdade, por ser de difícil acesso, moroso e extremamente caro, torna-se cada vez mais inviável para controlar e reprimir conflitos, favorecendo, paradoxalmente, a emergência de outras agências alternativas “não institucionalizadas” ou instâncias judiciais “informais” (juizados ou tribunais de conciliação ou arbitragem “extrajudiciais”) que conseguem, com maior eficiência e rapidez, substituir com vantagem o Poder Judiciário. (WOLKMER, 2001, p. 99).

As invasões de terras refletem - infelizmente como exemplo negativo - a necessidade de se repensar o acesso à Justiça principalmente no que se refere à efetividade das decisões emanadas do Poder Judiciário. Ora, é evidente que se a responsabilidade é de todos os envolvidos, a resposta que deve ser dada a este problema social passa pela resolução ordenada do conflito. Desta forma, entende-se que a determinação de uma reintegração de posse não pode ser o ponto final de atuação do Judiciário, por exemplo, pois por vezes, se a remoção é feita de maneira desordenada, o problema social gerado terá um custo demasiadamente alto para o próprio Estado. Saliente-se que o histórico de cumprimento de reintegração com uso de força policial tem demonstrado que a retirada forçada de trabalhadores rurais sem a existência prévia de um local para levá-los, além de gerar controvérsias sobre direitos, não resolve o problema, pelo contrário, agrava-o no sentido de que os despejados, sem alternativa, acabam ocupando outra propriedade ou voltam a ocupar a mesma, com vários riscos sociais e humanos peculiares destas situações.

Ressalte-se desde já, que não se está aqui a dizer ou defender, em absoluto, que o Judiciário não possui o poder de determinar e, em ultima ratio, obrigar que as partes envolvidas cumpram suas decisões, muito pelo contrário, é de efetividade que a sociedade está necessitando.

Com este espírito de participação conjunta, de atribuir responsabilidades a todos os atores envolvidos nos conflitos agrários, que o novo código de processo civil, concebido em grande parte pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Fux, traz, no entender dos Autores, instrumentos principiológicos disponibilizados para aplicação da mediação e consequentemente, para se devolver o direito material às partes envolvidas, com Justiça.

Nesse sentido, deve-se destacar que o êxito da mediação passa por uma ampla discursividade entre os envolvidos, direcionada para a formação de um consenso a respeito do problema de forma a possibilitar que as partes deixem de lado a racionalidade estratégica, que naturalmente permeia a disputa sobre um bem ou um direito, para fazer valer as diretrizes da racionalidade comunicativa, em que se busca, de forma cooperada, uma compreensão mútua da situação e da solução possível e desejável pelas partes (GHISLENI; SPENGLER, 2013).

O próximo tópico abordará algumas das modificações que podem ser utilizadas na condução destes conflitos.

2. O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL À LUZ DOS SEUS PRINCÍPIOS COMO FORMA DE APLICAÇÃO COORDENADA E CONJUNTA PARA A RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS AGRÁRIOS

O foco deste tópico é propor uma reflexão no sentido de que a coordenação dos agentes envolvidos no sentido de resolução do problema pode trazer significativos avanços para este problema social.

A Lei 13.105 de 16 de março de 2015 (BRASIL, 2015), que entrou em vigor em março do corrente ano, foi elaborada de acordo com as diretrizes previamente traçadas pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ – por meio da Resolução nº. 125, de 29 de setembro de 2010, que instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, em que se estabeleceu como determinação aos órgãos do Judiciário o oferecimento de alternativas, especialmente aquelas ditas consensuais, de extinção das controvérsias, com destaque para a conciliação e a mediação (MÓL, 2015).

O instituto da mediação avulta-se como um procedimento de autocomposição por meio do qual os litigantes são assistidos por um ou mais terceiros imparciais na busca por uma resolução da contenda, por meio de um planejamento ordenado, inexistindo limite temporal para seu término. Justamente em razão dessas circunstâncias é ela mais indicada quando o litígio envolve relações continuadas (AZEVEDO, 2012).

Conceitualmente diverso, embora o instituto da conciliação também seja um mecanismo de solução pacífica de conflitos, direcionado por um terceiro imparcial, na tentativa de se alcançar um consenso entre as partes, há diferenças a se destacar. A conciliação corriqueiramente acarreta um limite temporal para sua conclusão e é possível ao conciliador sugerir uma solução do conflito de interesses às partes envolvidas, que, sob seu ponto de vista, é considerada como a melhor alternativa para o caso (RODRIGUES JÚNIOR, 2007). Ainda que se faça distinção entre os conceitos de mediação e conciliação, o escopo central deste ensaio não abordará qual destes institutos deve ser aplicado, mas sim buscará o focar o objetivo um maior, que é a eficácia na resolução dos conflitos.

No capítulo I do inovador dispositivo processual, sob o título e normas fundamentais do processo civil, há doze primeiros e principiológicos artigos que dão o norte a ser seguindo pelos seus destinatários, dos quais alguns merecem destaque, a saber:

O artigo primeiro indica que a utilização do processo civil deve se dar sempre à luz das normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República, que visam garantir a convivência pacífica, digna, livre e igualitária de toda a sociedade. Parece bastante lógico, mas a profundidade da determinação demonstra claramente que a intenção do legislador, foi a de expressamente formalizar a constitucionalização do processo e tal desiderato faz com que toda a aplicação do processo ocorra forçosamente na estrita observância dos eixos da Carta Magna, a partir dos quais o processo civil deve ser interpretado, aplicado e estruturado (MARINONI, 2015).

Assim, quando a Constituição prevê que a proteção da propriedade privada seja realizada, observando-se a sua função social e a dignidade da pessoa humana é na observância destes instrumentos que o processo se desenvolverá.

O artigo segundo traz o principio do dispositivo (ou da inércia da jurisdição) e o principio do impulso oficial, que se concretiza e tem como resultado o desenvolvimento do processo. O CPC 2015 enquadra esses princípios como normas fundamentais do processo civil brasileiro (DIDIER JR, 2015). Além disso, o referido dispositivo deixa claro que as partes podem, em certas situações, convencionar sobre determinadas obrigações processuais. No entanto, isso não se dá de forma totalmente livre, pois o magistrado exercerá o controle de tal convenção nos termos da lei. Resguardando o interesse individual das partes, ou seja, a autonomia individual na construção do procedimento (MARINONI, 2015), a regra dispõe no sentido de que a estas cabe a iniciativa de provocar a jurisdição, movendo a ação. Por outro lado, em nome do interesse publico, o processo caminha rumo ao seu desfecho, por impulso oficial. Afinal é de interesse público que o processo não fique parado, que seja ágil e que chegue logo ao fim, que, deve ser preferencialmente uma sentença de mérito.

O artigo terceiro é taxativo ao expor que todos os envolvidos devem participar da resolução do conflito, primando por privilegiar a solução consensual das lides. Tal ditame passa a ser, inclusive, uma obrigação da Jurisdição, no sentido de que ela deva ser promovida e tentada em todos os procedimentos. Portanto, a novidade trazida por este artigo consiste justamente em se abrirem portas para que o próprio Magistrado (assim como advogados, defensores e membros do Ministério Público) incentivem as partes, tendo em vista as peculiaridades do caso, a tentar a resolução do conflito pela mediação ou pela conciliação (FREIRE, COELHO JR, 2015).

Ainda no campo dos princípios que norteiam o novo processo civil, o legislador tratou de positivar no mandamento processual civil pátrio, a questão da duração razoável do processo, que foi inserida no texto constitucional pela Emenda 45, dando contornos de urgência para que se dê uma efetiva resposta pela Jurisdição às provocações feitas por intermédio das ações que lhe são distribuídas. Nada mais lógico, visto que o Estado chamou para si a resolução de conflitos, tendo, inclusive, criminalizado a autotutela.

A resolução dos conflitos fundiários, em sua grande maioria judicializados, necessita de resposta. É bem verdade que o novo CPC foi além, na medida em que incluiu a atividade satisfativa no tempo razoável para se durar um processo, o que em outras palavras significa dizer entregar o bem jurídico a quem de direito.

O artigo quarto é taxativo na observância pela celeridade do processo. Observe-se, por oportuno, que todos os envolvidos têm direito a solução de mérito da demanda, o que equivale dizer que não importa quem logre ser o vencedor, pois o mais importante para a Jurisdição e para a manutenção do Estado de Direito é que a resposta seja além de justa, célere, ao ponto, inclusive, de influenciar nas atitudes dos cidadãos.

A exposição de motivos do novo Codex, logo no seu início, demonstra a preocupação dos envolvidos com a celeridade e efetividade do processo, a saber:

Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito. (BRASIL, 2015).

Ora, é evidente que a celeridade deve ser levada em consideração quando da tentativa de resolução dos conflitos fundiários, mais um motivo, aliás, para que se voltem os olhos para a resolução destes pela autocomposição, esta endoprocessual ou extraprocessual, realizada pelo Juiz competente para a causa, ou até mesmo pelos centros de mediação e resolução de conflitos.

Nesta mesma linha de raciocínio, qual seja de propor uma reflexão para uma otimização da resolução dos conflitos de terras à luz do novo CPC, o legislador trouxe em dois artigos, quinto e sexto, integrantes das linhas principiológicas que devem servir de suporte, inclusive hermenêutico, quando da aplicação da nova Lei, a obrigação de que toda

pessoa, seja física ou jurídica, comporte-se de acordo com a boa-fé. Este princípio já encontrava supedâneo no código anterior, norteia várias possibilidades de sanções a serem aplicadas em caso de má-fé, como condenação e imposição de multa por ato atentatório a dignidade da justiça, por litigância de má- fé, dentre outros. Ainda, no dever de agir com a boa-fé, se inclui o de dizer a verdade, o de não criar embaraços ao cumprimento de decisão judicial, o de exibir documento em seu poder cujo exame, pelo juiz, seja necessário para decidir o mérito.

Na continuidade, o legislador inovou de forma bastante positiva, quando trouxe a determinação de que todas as partes envolvidas cooperem entre si, no sentido de que se obtenha da maneira mais justa e célere possível a decisão de mérito para a lide.

Tal determinação encontra-se gravada no artigo sexto do Código de Processo Civil e compõem perfeitamente com a ideia central deste ensaio, no sentido de que todos os envolvidos participem e cooperem efetivamente para a resolução dos conflitos, no sentido que:

Trata-se de reconhecer que – em que pesem as posições antagônicas, contrapostas, das partes; em que pese a distinção entre a posição do juiz (autoridade estatal) e das partes (jurisdicionados, sujeitos àquela autoridade) – todos os sujeitos do processo estão inseridos dentro de uma mesma relação jurídica (ou de um complexo de relações) e devem colaborar entre si para que essa relação, que é dinâmica, desenvolva-se razoavelmente até a meta para o qual ela é preordenada (a resposta jurisdicional final). (TALAMINI, 2015, p. 2)

Ainda que muitos, como Streck et al (2014), por exemplo, entendam que a cooperação apesar de interessante não se mostra possível, vez que a animosidade, o embate e a lide, esta última enquanto característica primordial para a atividade da própria Jurisdição, afastam quase que por completo a possibilidade de que ideais de cooperação deem frutos no desenrolar do iter processual.

No artigo sétimo observa-se a paridade de tratamento em decorrência do principio constitucional da isonomia. A paridade de tratamento entre as partes do processo deve ser integral, com raras exceções de aplicação da igualdade aristotélica, onde em virtude da hipossuficiência de uma das partes o tratamento deve ser diferenciado para se promover a igualdade entre os litigantes, como por exemplo, o consumidor frente ao fabricante. Entretanto, na grande maioria das lides a jurisdição deve ser rigorosa ao dispensar tratamento igualitário na condução dos processos, como por exemplo, na oportunidade de produção de provas e nos prazos distribuído entre as partes.

O artigo oitavo por sua vez, mostra-se perfeitamente aplicável aos conflitos de terras ao determinar que o Juiz, ao aplicar a lei deverá observar os fins sociais e as exigências do bem comum, sempre com vistas à proteção da dignidade da pessoa humana, lançando mão, sobretudo de razoabilidade, proporcionalidade e legalidade. No Estado de Direito, ninguém é obrigado fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei (CF, art. 5º, II). E esse regime não se limita à esfera da atividade privada, pois a Administração Pública também se acha constitucionalmente sujeita a só agir nos limites da legalidade (THEODORO JR, 2015, p.160). Ressalte-se, ainda, que fins sociais e exigências do bem comum são finalidades do próprio direito. A dignidade da pessoa humana é principio consagrado expressamente pela Constituição Federal.

O artigo nono positiva na lei infraconstitucional aquilo que a Carta Magna determina dentre os incisos do festejado artigo 5º, que discorre sobre as garantias fundamentais do cidadão que é o contraditório e a ampla defesa, tratando, na sua essência, de cientificar e proporcionar a possibilidade de manifestação à parte, antes que seja proferida decisão em seu desfavor (BRASIL, 1988). Ainda, nesse sentido:

O que prevalece, portanto, é que o contraditório do processo justo vai além da bilateralidade e da igualdade de oportunidades proporcionadas aos litigantes, para instaurar um diálogo entre o juiz e as partes, garantindo ao processo “uma atividade verdadeiramente dialética”, em proporções que possam redundar não só em um procedimento justo, mas também em uma decisão justa, quanto possível. (THEODORO JÚNIOR, 2015, p.157).

Neste MA EFETIVA RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS FUNDIÁRIOSartigo, a nova lei deixa claro o dever do juiz, no sentido de apreciar os elementos trazidos pelas partes, tanto para acolhê-los, quanto para rejeitá-los. Diante disso, uma decisão-surpresa é decisão nula, por violação ao princípio do contraditório (DIDIER, 2015).

O artigo décimo contempla o princípio da não surpresa, na medida em que veda que a atividade jurisdicional em qualquer grau utilize fundamento na decisão sobre o qual as partes não tiveram oportunidade de se manifestar, complementando desta forma o artigo anterior. Então, o contraditório no Novo Código de Processo Civil, é principio acolhido em sua versão mais especifica, haja vista que, não se decide contra alguém (salvo exceções expressamente previstas) sem que se lhe de oportunidade de se manifestar, corroborando assim com os princípios cooperativo e democrático (FREIRE, COELHO JR, 2015).

Os artigos onze e doze tratam de questões procedimentais e que não guardam correlação direta com o tema central proposto aqui. Os mencionados dispositivos tratam, respectivamente, da publicidade dos processos e da novidade da ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão, sendo esta última uma polêmica inovação que gera acaloradas discussões entre a doutrina e os Julgadores de primeira e segunda instância que deverão operá-la, haja vista, que determinados processos – por terem menor complexidade – são de conclusão mais céleres que outros.

Com este cenário, a proposta que se faz é justamente de se refletir, à luz dos princípios que regem a aplicação do novo Código de Processo Civil, para se traçar estratégias conjuntas de execução dos comandos judiciais, com o respeito à Lei, a propriedade, a dignidade das pessoas envolvidas, dentre outras características. Nesse sentido, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, da Justiça, do Meio Ambiente e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, por intermédio da portaria interministerial nº 1.053, de 14 de julho de 2006, criou a Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo (CNVC, 2006), coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio da Ouvidoria Agrária Nacional, que sugere o instituto da mediação na resolução dos conflitos, bem como combater, prevenir e reduzir a violência no campo.

Os deveres de tentativa de autocomposição, de respeito ao processo (boa-fé processual), de cooperação entre os envolvidos vem em boa hora, no sentido de fazer com que os jurisdicionados participem ativamente do processo, sempre visando na sua concepção teleológica, o bom termo dos problemas que foram levados à apreciação do Estado-Juiz.

Assim, desde o acesso à Justiça, o qual se percebeu ser muito mais do que a simples distribuição do processo em juízo, até os novos elementos principiológicos do novo CPC, há a condução de uma Jurisdição mais participativa, célere e justa, visando um estabelecimento de cronogramas, atribuição de responsabilidades e garantia direitos aos envolvidos, além de diminuição de possibilidade de confrontos no campo e passivo humano.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esses mecanismos, não obstante serem de inquestionável valia para a rapidez do trâmite processual, e mesmo para uma solução mais efetiva e legítima para a demanda, não recebiam o tratamento merecido pelo Código anterior, já que poucas eram as regras relacionadas a essa temática, além de não serem de fato aplicadas e observadas no cotidiano forense.

Como chegar a um bom termo, costurando-se os interesses do Estado, dos proprietários e dos invasores? Sabe-se que não é tarefa fácil, aliás, a prática tem se mostrado bastante inócua, com reintegrações que mesmo a despeito de existir ordem judicial para reintegração, há o risco de novas ocupações (ou reocupações) por falta de indicação de área pelo Estado para realocação das famílias despejadas, ou acabam por se protrair no tempo em virtude de que algumas invasões tomam proporções de verdadeiras cidades, tornando inexequível, ou pelo menos sem um pronunciado custo, o comando judicial.

Mas, ainda que se tenha uma pronunciada característica social envolta nestes conflitos também não se pode abrir mão da proteção da propriedade, também garantida constitucionalmente.

Por derradeiro, não se pode olvidar que os conflitos de terra em solo Nacional arrastam-se há muitos anos e situações de crise econômica, como a que se enfrenta agora, tende a agravar a situação na medida em que muitos perdem suas terras em virtude de inadimplemento, muitas vezes decorrentes da perda do emprego, e, consequentemente, da renda.

Assim, a utilização das diretrizes principiológicas do novo Código de Processo Civil somada a uma participação efetiva de todos os envolvidos, embuídos de um ideal conciliatório, melhora as perspectivas da promoção do acesso à Justiça, restaurando a paz social.

REFERÊNCIAS

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1 Oficial da Polícia Militar do Paraná e Especialista em Formulação e Gestão de Políticas Públicas. asp.incare@hotmail.com

2 Mestre em Direito, Especialista em Processo Civil, Professor Universitário e Advogado. marcoschlichta@gmail.com