REFLEXOS SOCIAIS DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NA CIDADE DE MARINGÁ

Carlos Henrique Cardozo1

 

RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar os reflexos sociais após a implantação da audiência de custódia na cidade de Maringá. Inicialmente buscar-se-á esclarecer a finalidade do projeto de audiência de custódia no Brasil implementado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) previsto em tratados internacionais de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, mais conhecido como Pacto de San José da Costa Rica. No caso prático em no máximo de 24 horas após a prisão em flagrante o preso é conduzido a presença do Juiz para ser ouvido, com vistas as medidas previstas no Art. 310 do Código de Processo Penal. Será analisado se tais medidas têm traduzido na diminuição da população carcerária no município, bem como o reflexo nos índices de criminalidade, em especial das principais infrações penais registradas no município de Maringá com maior ênfase aos crimes contra o patrimônio direcionadas ao furto e roubo. Passa-se a uma análise aprofundada da relação das decisões proferidas pelos Juízes de Direito nas audiências de custódia com a quantidade de crimes registrados por um período de seis meses. Foram colhidas opiniões prévias de autoridades envolvidas diretamente no processo e pessoas da sociedade civil organizada a respeito da implantação da audiência de custódia na comarca de Maringá.

Palavras-chave: Custódia. Prisão. Flagrante. Liberdade. Reflexos.

 

 

O objetivo deste trabalho é a busca da reflexão acerca da importância da participação da sociedade civil organizada nas discussões da implantação da audiência de custódia no município de Maringá; é analisar os reflexos sociais. É alcançar o entendimento das consequências diretas ou não nos índices criminais da cidade. Detalhadamente durante seis meses o comportamento do crime foi estudado e analisado, principalmente os crimes contra o patrimônio, com especial atenção aos furtos e roubos, infrações estas que rotineiramente lideram as estatísticas da Polícia Militar e que traduzem em regra, perdas materiais significativas à vítima quando não em consequências psicológicas e emocionais.

A denominada audiência de custódia é um instrumento de natureza pré-processual que pode ser definido como um ato destinado a concretizar o direito reconhecido a todo indivíduo preso, a ser conduzido, sem demora, à presença de uma autoridade judiciária com objetivo de que a prisão em flagrante seja analisada, quanto a sua legalidade e necessidade e seja cessada a constrição, se ilegal, ou mesmo ratificada e fortalecida através da decretação da prisão preventiva, ou ainda, substituída por outra medida cautelar alternativa, se cabível.

O grande embate do tema é que uma corrente de doutrinadores defende a audiência de custódia como solução para diminuição da população carcerária e prisões ilegais, ao passo que outra corrente se posiciona no sentido de que aumentarão os índices de criminalidade, uma vez que em 24 horas os infratores estarão nas ruas novamente, bem como aumento dos gastos públicos, em especial na área de segurança pública com contratação de novos policiais, compra de viaturas e equipamentos.

Para tanto, foram colhidas opiniões de autoridades ligadas diretamente ao assunto, bem como de representantes da sociedade civil organizada, para que pudéssemos aferir o grau de satisfação da população a respeito do assunto.

Neste sentido, a realização deste trabalho justifica-se pela ausência de estudos que mensurem os reflexos sociais em decorrência das decisões prolatadas nas audiências de custódia, além do que a implantação ocorreu apenas há seis meses.

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, que há poucos textos na área, bem como análise de dados e coleta de opiniões prévias de pessoas que atuam na audiência de custódia e sociedade civil organizada.

Insta destacar que se optou em colher opiniões prévias e não entrevistas, porque o tema é recente. A idéia foi obter a opinião de fato de cada pessoa e órgãos envolvidos no processo.

1. NOÇÕES GERAIS

A implementação das audiências de custódia está prevista em pactos e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica e já é utilizada em muitos países da América Latina e da Europa, onde a estrutura responsável pelas audiências de custódia recebe o nome de "Juizados de Garantias" (MOREIRA, 2015, p. 02).

Adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica em 22 de Novembro de 1969, entrou em vigor internacionalmente em 18 de julho de 1978, na forma do segundo parágrafo de seu Art. 74. O Governo brasileiro depositou a Carta de Adesão a essa Convenção em 25 de Setembro de 1992. Aprovada pelo Dec. Legislativo nº 27 de 25 de Setembro de 1992 e promulgada pelo Dec. nº 678 de 06 de Novembro de 1992.

Além das audiências, o "Projeto Audiência de Custódia” prevê a estruturação de centrais de alternativas penais, centrais de monitoramento eletrônico, centrais de serviços e assistência social e câmaras de mediação penal, responsáveis por representar ao Juiz opções ao encarceramento provisório.

O Pacto de São José da Costa Rica ou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos impõe o seguinte:

Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, a presença de um Juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer as funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuizo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em Juizo. (MOREIRA, 2015, p. 02)

Igualmente, o Art. 7º, 5 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Politicos :

Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, a presença do Juiz ou outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá ser condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão a audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para execução da sentença.

A expressão “flagrante” deriva do latim “flagrare” (queimar), e “flagrans”, “flagrantis” (ardente, brilhante, resplandecente), que, no léxico, significa acalorado, evidente, notório, visível, manifesto. Em linguagem jurídica, flagrante seria uma característica do delito, é a infração que está queimando, ou seja, que está sendo cometida ou acabou de sê-lo, autorizando-se a prisão do agente mesmo sem autorização judicial em virtude da certeza visual do crime. Funciona, pois, como mecanismo de autodefesa da própria sociedade (LIMA, 2013, p.862).

O doutrinador Guilherme Nucci preceitua:

O flagrante significa o manifesto ou evidente ato que se pode observar no exato momento de sua ocorrência. Nesse sentido, pois, a prisão em flagrante é a modalidade de prisão cautelar, de natureza administrativa, realizada no instante em que se desenvolve ou termina de se concluir a infração penal (crime ou contravenção penal). (NUCCI, 2013, p. 641).

Compreendido o conceito de flagrante delito, pode-se definir prisão em flagrante como uma medida de autodefesa da sociedade, consubstanciada na privação da liberdade de locomoção daquele que é surpreendido em situação de flagrância, a ser executada independentemente de prévia autorização judicial (CF, art. 5º, LXI). Nesse caso, todavia, tratando-se de infração de menor potencial ofensivo, não se procede à lavratura de Auto de Prisão em Flagrante, mas sim de Termo Circunstanciado de Ocorrência, caso o agente assuma o compromisso de comparecer ao Juizado ou a ele compareça imediatamente (Lei 9099/95, art. 69, parágrafo único).

A prisão em flagrante tem as seguintes funções: (LIMA, 2013, p 863)

  1. Evitar a fuga do infrator;

  2. Auxiliar na colheita de elementos informativos: persecuções penais deflagradas a partir de um auto de prisão em flagrante costumam ter mais êxito na colheita de elementos de informação, auxiliando o dominus litis na comprovação do fato delituoso em Juizo;

  3. Impedir a consumação do delito, no caso em que a infração está sendo praticada (CPP, art. 302, Inciso I), ou de seu exaurimento, nas demais situações (CPP, art. 302, incisos II, III e IV);

  4. Preservar a integridade física do preso, diante da comoção que alguns crimes provocam na população, evitando-se assim, possível linchamento.

No sistema concebido originalmente pelo Código de Processo Penal de 1941, a prisão em flagrante tinha não apenas essas f unções, como igualmente a de servir de medida acautelatória. Desse modo, quem era preso em flagrante, desde que não se livrasse solto, não fosse admissível a fiança, ou não tivesse sua conduta justificada, por alguma excludente da ilicitude, deveria, apenas por esse motivo, permanecer preso durante todo o processo. O flagrante por si só, era fundamento suficiente para que o indivíduo permanecesse recolhido à prisão ao longo de todo o processo, sem que houvesse necessidade de se motivar o encarceramento à luz de uma das hipóteses que autorizavam a prisão preventiva (LIMA, 2013, p 863).

Com a inserção do parágrafo único do Art. 310 do CPP pela Lei nº 12.403 de 04 de Maio de 2011, a prisão em flagrante deixou de ser motivo para que a pessoa permanecesse presa ao longo de todo o processo, pois, ao receber cópia do auto de prisão em flagrante, passou a ser obrigação do magistrado examinar não só a legalidade da medida, para fins de eventual relaxamento, como também verificar a presença de algum dos motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (LIMA, 2013).

Fica patente que a prisão em flagrante, por si só, não mais autoriza que o agente permaneça preso ao longo de todo o processo. Afinal, segundo a nova redação do Art. 310 do CPP ao receber o Auto de Prisão em Flagrante, o Juiz deverá fundamentadamente: I- relaxar a prisão ilegal; ou II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes no Art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança (LIMA, 2013).

A lei 12.403/11 é uma das grandes responsáveis pela idéia de implantação da audiência de custódia em nosso ordenamento jurídico. A aludida lei ratificou a jurisprudência consolidada em que a prisão cautelar deve ser aplicada como última ratio, apresentando um conjunto de novas medidas cautelares para presos em flagrante (VALADARES, 2011).

Com o surgimento da Lei 12.403/11 somada com o previsto em Tratados e Pactos Internacionais que o Brasil é signatário, surgiu a idéia de implantação da audiência de custódia, assim denominada, para dar cumprimento de seus acordos internacionais (VALADARES, 2011).

O contexto da prisão é tão preocupante que sequer registrou uma mudança efetiva na prática judicial após o advento da referida Lei, responsável por colocar, no plano legislativo, a prisão como ultima ratio das medidas cautelares. Porém a lógica judicial permanece vinculada ao protagonismo da prisão, que a homologação do flagrante, longe de ser a exceção, figura como regra no sistema processual penal brasileiro. Prova disso é que não houve a tão esperada redução do número de presos pós a reforma de 2011 (OLIVEIRA et al., 2015).

Considerando que a maioria da população carcerária é composta de pessoas em precária condição socioeconômica, com um pouco de ousadia, assegura-se que a atitude dos julgadores reflete contornos discriminatórios. Não há outra conclusão a não ser imprimir que a manutenção da prisão do acusado, fundamentada nos argumentos genéricos e termos indeterminados, como por exemplo, a garantia da ordem pública, nada mais seria do que um velado preconceito social, materializado na idéia de que uma pessoa carente decerto tentaria escapar da persecução criminal, ou representa sério perigo a sociedade podendo voltar a cometer crimes, raciocínio etilista e marginalizador (OLIVEIRA, et al, 2015).

Um estudo apresentado pelo Juiz Augusto Glusczak Junior, da Vara de Execuções Penais e Medidas Alternativas de São José dos Pinhais mostra que a estrutura oferecida nos presídios do Estado não são suficientes para prover aos detentos assistência material, jurídica, à saúde, educacional, social e até mesmo religiosa, além da demora para a análise dos processos de cada preso, o que faz que muitos cumpram penas maiores do que deveriam ou que permaneçam em prisão provisória por prazos muito maiores do que o previsto em Lei (HISING, 2016).

O tempo de prisão provisória é outra preocupação grave. Dos presos que ainda não receberam sentença, 2.996 estão presos há mais de 90 dias, 1.996 entre 90 e 180 dias e 2.242 com período de prisão de mais de 180 dias, levantamento de 2.016 (HISING, 2016).

Neste sentido, a audiência de custódia vem de encontro à discussão do tempo em que o preso permanecia encarcerado durante a instrução do processo, muitas vezes não sendo denunciado pelo Ministério Público ou até mesmo absolvido ao final dele, pois já na audiência de custódia o preso poderá ser posto em liberdade e assim responderá pelo crime que cometeu.

2. REGRAS DE FUNCIONAMENTO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

A denominada audiência de custódia de apresentação é um instrumento de natureza pré processual que pode ser definido como um ato destinado a concretizar o direito reconhecido a todo indivíduo preso, a ser conduzido, sem demora, a presença de uma autoridade judiciária com o objetivo de que a prisão em flagrante seja analisada , quanto a sua legalidade e necessidade e seja cessada a constrição, se ilegal, ou mesmo ratificada e fortalecida através da decretação da prisão preventiva, ou ainda substituida por outra medida cautelar alternativa, se cabível (OLIVEIRA, 2015).

Originaria de tratados internacionais que o Brasil é signatário, quem apoia a referida prática, tem como definição:

O ato de guardar, de proteger. A audiência de custódia consiste, portanto, na condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial, que deverá, a partir do prévo contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade de prisão, assim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, notadamente a presença de maus tratos ou tortura. Assim, a audiência de custódia pode ser considerada como uma relevantíssima hipótese de acesso à jurisdição penal, tratando-se, então, de uma das garantias de liberdade pessoal que se traduz em obrigações positivas a cargo do Estado. (OLIVEIRA, 2015, p 127)

Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, à presença do Juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença (Pacto de São José da Costa Rica).

Tais normas internacionais estão incorporadas em nosso ordenamento juridico, conforme a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

Art. 5º – Todos são iguais perante lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:

LXI – ninguém será preso em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo, nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao Juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII – o preso sera informado de seus direitos, entre os quais de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.

Há, também, a previsão do Decreto Lei nº 3.689, de 03 de Outubro de 1941. Código de Processo Penal

Art. 306 – A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao Juiz competente, Ministério Público e a família do preso ou pessoa por ele indicada.

Parágrafo 1º – Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao Juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a defensoria pública.

Parágrafo 2º – No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, como motivo da prisão, o nome do condutor e as testemunhas.

Art. 310 – Ao receber o auto de prisão em flagrante, o Juiz deverá fundamentalmente:

  1. – relaxar a prisão ilegal; ou

  2. – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do Art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

  3. – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Art. 312 – A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova de existência do crime e indicio suficiene de autoria

Essa prática apresenta-se como uma opção de garantir a efetividade do novo modelo de cautelares penais pessoais introduzidas no sistema do Código de Processo Penal e com eficácia geral.

3. IMPLANTAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA EM MARINGÁ - PR

Maringá é a quarta cidade do Paraná a implantar o projeto Audiência de Custódia do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que garante a apresentação do preso a um Juiz em até 24

horas nos casos de prisão em flagrante. O lançamento ocorreu no dia 17 de Novembro de 2015, no Fórum da cidade, com a presença do presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR), Paulo Roberto Vasconcelos (GRIS, 2015).

Segundo informado na matéria jornalística de Rosângela Gris (odiário.com) de 17 de Novembro de 2015:

O Paraná é o sétimo estado a aderir ao projeto, já desenvolvido em São Paulo, Espirito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. Além de Maringá, a iniciativa está em funcionamento em Curitiba, Londrina e Cascavel, e deverá apresentar uma economia de R$ 75 milhões aos cofres públicos do Paraná.
A projeção leva em conta informações do governo, segundo as quais 25 mil pessoas foram presas no Estado, de janeiro a julho deste ano. Por esta projeção o Estado deverá ter cerca de 50 mil pessoas presas até o fim de 2015, ao custo estimado de R$ 3 mil por mês com cada preso. Segundo o último levantamento do Sistema Integrado de Informações Penitenciária (Infopen), do Ministério da Justiça a população carcerária do Paraná é a quinta maior do País, com 28.702 presos. O percentual de presos provisórios é de 49%, o que está acima da média nacional, que é 41%.

No dia do lançamento, o Presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, Paulo Roberto de Vasconcelos disse: "Toda a magistratura do Paraná está empenhada no projeto, pois com ele poderemos reduzir o número de pessoas presas de forma injusta e acabar com a superlotação nos presídios”.

Estavam presentes, também, no evento o Juiz da 1º Vara Criminal de Maringá, Cláudio Camargo dos Santos, o Desembargador do TJ-PR, José Laurindo de Souza Netto, o diretor do Forum de Maringá, José Cândido Sobrinho, a promotora Michele Nader, representando o Ministério Público (MP), Airton Molina, presidente da OAB Subseção de Maringá na época do lançamento, Tenente Coronel Antônio Roberto dos Anjos Padilha, comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar e Osmir Ferreira Neves Junior, delegado-chefe da 9º Subdivisão Policial de Maringá (SDP), entre outras autoridades (GRIS, 2015).

A primeira audiência de custódia teve analisado a situação de um detento do regime aberto, preso por desacato às autoridades e embriaguez ao volante, Autos nº 0026419- 63.2015.8.16.0017 que tramita na 1º Vara Criminal. A promotora Michele Nader alegou reincidência e pediu a prisão preventiva do rapaz. O Juiz Cláudio Camargo Santos não acolheu o pedido e manteve o autor no regime aberto, com o uso de tornozeleira.

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Para o desenvolvimento do trabalho foi utilizado como instrumento de coleta de dados a "observação direta" que possibilitou uma comparação do número de furtos e roubos em Maringá pelo menos 6 (seis) meses antes da implantação da audiência de custódia e após a implantação do processo, mais especificamente entre os dias 17 de Novembro de 2015 e 17 de Maio de 2016. Do mesmo modo foram anexadas no trabalho 18 (dezoito) opiniões de declaração prévia de pessoas envolvidas diretamente no processo. Entre os declarantes, Juizes de Direito, Promotores de Justiça, Advogados, Policiais Militares, Polciais Civis, Representantes do Conselho Comunitário de Segurança de Maringá, Associação Comercial e Industrial de Maringá, Conselho da Comunidade, Imprensa, Vítimas e Infrator.

Fazia-se ainda necessário o controle dos presos apresentados nas audiências de custódia, bem como os com primariedade técnica, para que a partir daí a análise ficasse completa, traçando sempre um paralelo entre o número de crimes cometidos e liberdades provisórias concedidas. Daí em diante semanalmente o cartório da Primeira Vara Criminal de Maringá passou a fornecer relatórios de todos os presos custodiados, bem como as decisões proferidas pelos Juizes de Direito.

Ocorre que a planilha fornecida não trazia todas as informações necessárias para o efetivo controle das prisões preventivas e liberdades provisórias e ainda que este trabalho fosse realizado manualmente por policiais militares do Setor de Análise Criminal do Quarto Batalhão o que levava muito tempo e sem muita confiabilidade na coleta das informações.

Foi então, que percebendo a necessidade de uma plataforma mais eficaz e rápida que o Comando do Quarto Batalhão sugeriu ao Comando do Terceiro Comando Regional, também com sede na cidade de Maringá a implementação de um sistema mais confiável e prático na coleta das informações e produção de relatórios de acordo com a necessidade do momento.

A partir daí foi desenvolvido o “Sistema de Gerenciamento das Audiências de Custódia” (SIGAC), que é alimentada com base nos mesmos relatórios fornecidos pela Primeira Vara Criminal e que disponibiliza todas as informações necessárias para o efetivo controle das audiências, como nome do preso, tipo penal, decisão do Juiz pela liberdade provisória, relaxamento do flagrante ou decretação da prisão preventiva, relatório do total de custodiados, reincidentes, entre outros. (ANEXO)

Desde então, a coleta de dados têm sido realizada através desta ferramenta pelo Setor de “Análise Criminal” do Quarto Batalhão de Polícia Militar que mensurou o quantitativo dos tipos penais: “furto” e “roubo” ocorridos de maio/15 a maio/16 na cidade de Maringá, bem como a quantidade de flagrantes e audiência de custódia desde a sua implantação na Comarca. O primeiro dado diz respeito ao total de furtos e roubos registrados na cidade de Maringá entre os meses de maio de 2015 a maio de 2016.

FURTOS E ROUBOS

FONTE: Setor de Análise Criminal do Quarto Batalhão

 

Da análise do gráfico acima, têm-se que o período de coleta foi entre os dias 01 de Maio de 2015 a 30 de Abril de 2016. Destaca-se que no ano de 2015 tanto os crimes de furto, como os crimes de roubo tiveram um aumento significativo no mês de Julho, ocorrendo um declínio nos meses seguintes. A audiência de custódia foi implantada no dia 17 de Novembro de 2015 na Comarca de Maringá, e a partir daí constata-se que neste mês foram registrados 279 (Duzentos e Setenta e Nove) furtos na cidade, em Dezembro, 303 (Trezentos e três), em Janeiro de dois mil e dezesseis, 310 (Trezentos e Dez), em fevereiro 323 (Trezentos e Vinte e Três), em Março 432 (Quatrocentos e Trinta e Dois) e em Abril 383 (Trezentos e Oitenta e Três). Diante dos dados percebe-se um aumento significativo desta infração penal após a implantação da audiência de custódia, no dia 17 de Novembro de 2015. Com relação ao crime de roubo, da mesma maneira, contudo com oscilações mais discretas já no ano de 2016, com uma ligeira diminuição desta infração entre os meses de novembro (112 registros) e fevereiro (84 registros).

O segundo gráfico abaixo mostra o número de audiências de custódia na comarca de Maringá, desde sua implantação, dia 17 de Novembro de 2015 até 20 de Maio de 2016, bem como as decisões proferidas pelos Juízes de Direito para os crimes de “furto”.

FURTO

Fonte: Setor de Análise Criminal do Quarto Batalhão

 

O gráfico acima nos mostra que desde a implantação das audiências de custódia na Comarca de Maringá 112 (Cento de Doze) pessoas foram autuadas em flagrante pelo crime de furto. Destes 57 (Cinquenta e Sete) foram colocadas em liberdade provisória, sendo registrado o maior número de concessões no mês de março com um total de 23 (Vinte e Três) liberdades. Outros 6 (Seis) tiveram o flagrante relaxado e 49 (Quarenta e Nove) a decretação da prisão preventiva. Portanto, temos que 56% foram colocados em liberdade e 44% ficaram presos.

O terceiro gráfico abaixo mostra o número de audiências de custódia na comarca de Maringá, desde sua implantação, dia 17 de Novembro de 2015 até 20 de Maio de 2016, bem como as decisões proferidas pelos Juízes de Direito para os crimes de roubo.

ROUBO

FONTE: Setor de Análise Criminal do Quarto Batalhão


O gráfico acima nos mostra que desde a implantação das audiências de custódia na Comarca de Maringá 74 (Setenta e Quatro) pessoas foram autuadas em flagrante pelo crime de roubo. Destes 14 (Quatorze) foram colocadas em liberdade provisória e 60 (Sessenta) tiveram a decretação da prisão preventiva. Neste sentido, tem-se que 81% dos autuados ficaram presos preventivamente e somente 19% colocados em liberdade provisória.

O quarto gráfico nos mostra o número de reincidências dos crimes cometidos após a implantação da audiência de custódia em Maringá e o autor ter a concessão da liberdade provisória na primeira audiência.

PRIMARIEDADE TÉCNICA

FONTE: Setor de Análise Criminal do Quarto Batalhão

 

Segundo dados obtidos pelo Setor de Análise Criminal do Quarto Batalhão, desde a implantação da audiência de custódia até o dia 20 de Maio de 2016 foram realizadas 541 (Quinhentas e Quarenta e Uma) audiências na Comarca de Maringá, sendo que foram concedidas 286 (Duzentos e Oitenta e Seis) liberdades provisórias, 53% do total, 10 (Dez) prisões foram relaxadas, 2% do total e 245 (Duzentos e Quarenta e Cinco) tiveram sua prisão decretada preventivamente, ou seja, 45% do total.

Especificamente nos crimes de furto e roubo anota-se como primários técnicos 13 (Treze) pessoas para o crime de furto e 3 (Três) para o crime de roubo no mesmo período. No geral computa-se 44 (Quarenta e quatro) pessoas sendo autuadas em flagrante pela segunda ou terceira vez e apresentadas ao Juiz na audiência de custódia.

Analisando os dados apresentados conclui-se que a medida que os presos são colocados em liberdade os números de furtos no período aumentaram na cidade de Maringá, ao passo que os presos por roubo, a medida que tinham na sua maioria a prisão preventiva decretada, o índice se estabilizava e até sofria diminuição em determinados períodos.

5. EXPOSIÇÃO DAS DECLARAÇÕES DE OPINIÃO PRÉVIA

A seguir serão expostas as opiniões prévias das pessoas envolvidas direta ou indiretamente com as audiências de custódia no município de Maringá:

Na declaração dos Juízes de Direito, ficou claro que as medidas adotadas nas audiências de custódia e previstas no Código de Processo Penal já eram respeitadas dentro de suas formalidades mesmo antes da implantação de tais audiências, sendo os flagrantes convertidos em Prisão Preventiva ou concedidos a Liberdade Provisória. Na prática, a mudança diz respeito ao contato direto do magistrado com o infrator, o que antes só se fazia caso o Juiz entendesse necessário:

Ainda entende que na relação custo/benefício à estrutura mobilizada para a realização das audiências de custódia é muito despendiosa. São policiais militares, policiais civis, viaturas para escolta, Juizes, Promotores, serventuários da Justiça, entre outros, que de certa maneira deixam suas atividades de rotina para atuarem nestas audiências (Dr. José Cândido Sobrinho, Juiz de Direito, anexo p. 37).

Antes das audiências de custódia o procedimento era mais burocratizado, acarretando demora na liberação do infrator, da mesma maneira aquele infrator em não tendo condições de arcar com um advogado o Estado nomeava um defensor dativo.

Segundo o Dr. Cláudio Camargo dos Santos, (anexo p.39), “este prazo poderia ser de até 3 (três) meses, período em que o infrator permanecia encarcerado, sendo que não poucas vezes não era denunciado ou até inocentado do crime do qual era acusado.”

Na declaração dos Promotores de Justiça entendem que não existiram mudanças significativas após a implantação das audiências de custódia, pois o rito permaneceu o mesmo, ou seja, o MP se manifesta no prazo legal após a prisão em flagrante e os Juízes decidem pela preventiva ou liberdade provisória.

O Dr. Sandro Alex Hannickel (anexo p.53), comentou, que:

Como efeito reflexo, a rápida apresentação do preso a um Juiz pode vir a inibir eventual violência policial no ato da prisão. Por outro lado, a implementação das audiências de custódia onerou o ente estatal de outra forma, por exemplo, aumentando a necessidade de escolta e consequentemente retirando policiais das ruas.

Pode até subsistir, por parte da população, e até mesmo dos agentes policiais uma certa “sensação de impunidade” devido a liberação de alguns presos nas audiências de custódia, mas a rigor, estão sendo respeitados os direitos constitucionais do cidadão, pertinente ao resguardo de seu status libertatis.

No que diz respeito a manifestações de integrantes da Polícia Miliar, percebe-se na declaração do Tenente Coronel Antônio Roberto dos Anjos Padilha (anexo p. 43), Comandante do Quarto Batalhão de Polícia Militar, responsável pelo policiamento ostensivo e preventivo do município de Maringá, uma abordagem cultural e histórica da evolução da sociedade e do nosso Ordenamento Jurídico, em especial antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 e após sua publicação. Menciona também:

Outro aspecto a se ressaltar é que a visão que nos parece é que o Poder Judiciário está preocupado em contribuir com o Poder Executivo no sentido de equacionar a superpopulação carcerária do Estado Brasileiro, que é caótica em termos de vagas no sistema e da efetiva ressocialização do preso. Penso que a solução não é por meio da diminuição do número de encarcerados, mas sim da aplicação do aspecto punitivo eficiente para que não haja sensação de impunidade por parte de quem comete o crime.

Padilha coloca ainda, que nas audiências de custódia não existe a versão da vítima e dos policiais que efetuaram a prisão, e que muitas vezes o próprio magistrado direciona o depoimento do custodiado a procura de uma possível falha do policial que efetuou a prisão.

Na declaração do Sargento Carlos Roberto da Silva (anexo p. 41), que presta serviço na rádio patrulha do Quarto Batalhão há 33 anos, tem rotineiramente ouvido dos infratores que se forem presos serão soltos na audiência de custódia e que já prendeu em curto espaço de tempo uma pessoa duas vezes após ter sido liberada em uma destas audiências.

A Soldado Rozilda de Oliveira da Silva Sola (anexo p. 52) desde a implantação das audiências de custódia em Maringá em novembro de 2015 tem atuado na guarda e escolta dos presos no interior do Fórum da Comarca de Maringá durante estas audiências. Percebe em não raras vezes presos combinarem no interior das celas declarações que de certa maneira poderão facilitar sua saída. Já testemunhou em várias audiências custodiados denunciarem policiais por agressões físicas, muitas destas que nunca existiram, bem como se direcionar ao magistrado dizendo que vai sair e cometer novos crimes.

É comum ouvir relatos de policias militares desmotivados com tais audiências, pois argumentam que se arriscam nas ocorrências, efetuam as prisões e o preso na audiência de custódia denuncia o policial por agressões inexistentes, tendo como consequência ser indiciado em inquérito policial militar e muitas vezes arcar com custas advocatícias. (Soldado Rozilda de Oliveira da Silva Sola, anexo p. 52)

O Delegado Chefe da 9º Subdivisão de Polícia Civil de Maringá, Dr. Osmir Ferreira Neves (anexo p.38) aposta no retrocesso no sistema, uma vez que de maneira indireta o que se quer com as audiências de custódia é a diminuição da população carcerária. Afirma: “quando o infrator recebe a liberdade no prazo de 24 horas, alimenta a sensação de impunidade, tanto na visão do próprio infrator, como da vítima.” Acrescenta ainda acreditar que o aumento significativo dos crimes contra o patrimônio em Maringá estão sim ligados diretamente a quantidade de infratores colocados em liberdade, uma vez que na prática tem-se que estas pessoas voltam a cometer crimes.

Corroborando com as declarações das autoridades policiais da cidade, constata-se na prática que Renato Dias de Paula (Anexo p.49) foi preso em data de 03 de Junho de 2016 e autuado em flagrante por furto de veículo e posto em liberdade na primeira audiência de custódia, sendo que no dia 11 de Junho de 2016, este mesmo infrator foi novamente preso em flagrante por furto de outra motocicleta.

A OAB – subseção de Maringá foi representada por seu Presidente e pelo Vice Presidente dos Advogados Criminalistas que se posicionaram a favor do instituto, uma vez que a audiência de custódia preserva garantias e direitos do cidadão em especial ao cidadão menos favorecido, vez que sem condições financeiras para contratar um advogado, seu processo de liberação demorava muito, pois dependia do Estado colocar a sua disposição um defensor dativo.

As audiências de custódia representam o resultado de uma das lutas da Ordem dos Advogados do Brasil em prol ao princípio da legalidade, dignidade da pessoa humana e ao pleno exercício da advocacia em defesa aos princípios do contraditório, ampla defesa e o devido processo legal. (Dr. Marcelo Costa, Presidente da OAB-Maringá, anexo p. 34)

O Presidente do Conselho Comunitário de Segurança de Maringá (CONSEG) se manifestou no sentido de que o Brasil precisa urgente de uma reformulação do sistema judiciário e legislação penal; a vítima tem que ser ouvida, ao contrário do que acontece hoje, uma supervalorização do infrator, em que seus direitos são respeitados em detrimento ao da vítima que sequer é ouvida.

O Senhor Antônio Tadeu Rodrigues, Presidente do CONSEG, (anexo p.45), coloca que “a audiência de custódia é um incentivo a criminalidade, onde o preso já sabe que o Juiz vai liberá-lo na audiência de custódia e que o aumento dos furtos é reflexo entre outras condicionantes destas audiências”.

Outro membro do CONSEG declarou:

Entende que quando o CNJ regulamentou a audiência de custódia, não o fez somente pensando no aspecto social, mas também no desencarceramento dos presos decorrentes da superpopulação carcerária e abrandamento nas penas a serem atribuídas aos infratores de crimes de menor potencial ofensivo gerando com isto o sentimento de impunidade pela sociedade. (José Triana Primo, membro do CONSEG, anexo p. 40)

O Presidente da Associação Comercial de Maringá (ACIM), Sr. José Carlos Valêncio (anexo p. 48) abordou o aspecto que seus associados reclamam rotineiramente de furtos na cidade, e que a implantação da audiência de custódia sempre preocupou os comerciantes, uma vez que se imagina que tais infratores ao serem liberados voltarão a cometer novos crimes, principalmente furtos nos comércios aumentando os prejuízos e custos de seus negócios.

Por outro lado a Assistente Social do Conselho da Comunidade, Franciele Holanda de Moura (anexo p.50) também defende o sistema, pois o Estado tem o dever legal de punir e ressocializar o infrator dando condições satisfatórias para que ocorra sua reinclusão social. Existem trabalhos desenvolvidos no Fórum de Maringá, através de oficinas multidisciplinares com o objetivo de orientar, conscientizar, acompanhar e encaminhar aquela pessoa que teve a chance de recomeçar sua vida longe da criminalidade, por isso entende ser importante a sociedade se aproximar da realidade do cárcere, uma vez que o preso retornará para esta mesma sociedade.

Cristiano Araujo de Mello (anexo p.51), mais conhecido com “Indio Maringá” é repórter policial desde 1999 e atualmente presta serviço na Rede Massa de Maringá. Declarou que ouve relato de pessoas que foram vítimas de furtos que ficam com muito medo ao saberem que os autores foram soltos no dia seguinte. Também já ouviu de policiais militares que estes, algumas vezes são afrontados nas audiências de custódia, sofrem inclusive ameaças de presos que juram matá-los quando sairem.

Por fim duas vítimas de furto prestaram seus depoimentos, no sentido que reconhecem o trabalho da Policia Militar e que a Justiça solta; que a empresa de uma destas vítimas já foi furtada várias vezes, sendo inclusive nas duas últimas pela mesma pessoa. Vê como descaso do Estado quando legisla somente a favor do infrator, nem sequer abordar a vítima. Nas palavras da vítima:

Argumenta que já teve muito prejuízo e que inclusive na audiência de instrução de um dos furtos questionou o Juiz o porquê a Policia prende e a Justiça solta, sendo respondido que não é ele quem faz as leis, e que se na politica existissem pessoas praticas e racionais o quadro seria outro, e que ele apenas cumpre a Lei. Desabafou também dizendo que tem vontade de se encontrar novamente com este Juiz, só que agora cobrando o prejuízo que teve, fruto da liberdade que concedeu ao infrator que entrou em sua empresa por duas vezes. (Sr. Marcelo Vinicius Arantes, vítima de furto, anexo p. 47)

O Sr. Paulo Miguel Dallazen, vítima de furto, (anexo p.46) afirma que sente que não possui valor nenhum para o Estado, e se este mesmo Estado não investir na infância e juventude as coisas tendem a piorar. A Polícia faz seu trabalho e as leis permitem sua liberdade. Cria no cidadão de bem um sentimento de revolta e medo.

Nestas declarações ficam claras divergências institucionais daqueles que defendem a audiência de custódia e o segmento que a critica. Talvez um investimento no esclarecimento necessário e a difusão do conceito do que é e para que serve a audiência de custódia minimizaria os ataques de parcela da sociedade, frente as resistências enfrentadas até o momento.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Frente ao exposto no presente trabalho importante esclarecer que todos os esforços com a implantação da audiência de custódia são direcionados para o enfrentamento de prisões “ilegais”, feitas de maneiras desnecessárias, além de desafogar o atual sistema penitenciário e respeitar a dignidade da pessoa humana, dando aos infratores a oportunidade de terem sua prisão revista e responderem em liberdade.

Do outro lado, este mesmo sistema não faz menção à dignidade da pessoa humana da vítima, que da mesma maneira exige que o Estado que proporciona mecanismos de defesa ao infrator, também lhe de condições de viver dignamente, tendo seus direitos e liberdades respeitados.

Não se quer em momento nenhum apresentar a audiência de custódia como a solução para os problemas e dificuldades enfrentados no nosso País. Até porque, a análise da legalidade da prisão passa pelo julgamento do Juiz de Direito, ademais o que mudaria o País de uma vez por todas, seria o investimento em políticas públicas e educação de qualidade.

Em Maringá, após seis meses de acompanhamento das audiências de custódia, conclui-se que os crimes de furto aumentaram em 55% entre os meses de novembro de 2015 e maio de 2016, tendo diminuído em torno de 10% no mês de abril em relação ao mês anterior.

De acordo com o setor de análise criminal do Quarto Batalhão tal diminuição, entre outros fatores ocorreu frente as oscilações climáticas neste período.

Ocorre, que de acordo com os dados já apresentados, neste mesmo período 112 (cento e doze) pessoas foram presas em flagrante, pela prática do crime de furto, das quais 56% foram colocadas em liberdade. Não se pode atribuir este aumento somente ao retorno destes infratores para as ruas, mas também não se pode desconsiderar tal influência.

Já na contramão destes números, o crime de roubo, menos infratores tiveram a liberdade concedida, o que resultou na maior parte do tempo analisado uma diminuição deste crime na cidade de Maringá, ou seja, das 74 (setenta e quatro) pessoas presas no período, 81% permaneceram presas.

Foram também analisados o total de audiências de custódia realizadas na Comarca de Maringá nestes seis meses e as decisões proferidas pelos Juizes de Direito. Foram 541 (quinhentos e quarenta e uma) audiências, sendo 286 (duzentos e oitenta e seis) liberdades provisórias, 53% do total, 10 (dez) relaxamento de flagrantes e 245 (duzentos e quarenta e cinco) prisões preventivas, 45% do total.

O que se quer mostrar é a relação direta da liberdade dos autores de diversos tipos de furto que em 24 (vinte e quatro) horas já voltam para as ruas, e que com certeza não começam de um dia para o outro a trabalharem e viram pessoas honestas. Voltam a cometer novos furtos, e é justamente isto que os números mostram.

O governo economiza bilhões de reais com certeza e o cidadão paga a conta com seu patrimônio e sua liberdade.

As medidas cautelares trazidas pela lei nº 12.403 de 04 de Maio de 2011, trouxe em seu contexto alterações ocorridas em relação às prisões processuais, medidas cautelares, liberdade provisória e fiança.

Até então, ao contrário do que se aplica hoje, o preso ficava encarcerado durante toda a instrução do processo e a nova lei alterou a redação do Art. 310 do Código de Processo Penal (CPP), de que a prisão em flagrante nunca teve natureza cautelar, mas sim pré-cautelar e cujo prazo máximo de duração seria de 24 (vinte e quatro) horas, devendo o Juiz ao receber o auto de prisão em flagrante, de maneira fundamentada relaxar a prisão ilegal, converter a prisão em flagrante em preventiva , quando presentes os requisitos constantes do Art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, ou conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Analisando tais pressupostos, tem-se que entre os anos de 2011 e 2015 não houve a tão esperada redução de presos cautelares, mantendo-se a prisão como regra no sistema penal brasileiro.

Ocorre que a implantação da audiência de custódia nada mais é que dar efetividade ao cumprimento do Art. 310 do CPP, bem como o Magistrado ter contato pessoal com o custodiado, a fim de constatar sua integridade física e ouvir do mesmo se foi torturado ou agredido fisicamente pelos policiais miliares responsáveis pela sua condução, para adoção das medidas legais.

Desde a implantação das audiências em Maringá até o mês de Junho deste ano 16 (dezesseis) Inquéritos Policiais Militares foram instaurados para apuração de crimes denunciados pelos presos, ou seja, 36% do total dos procedimentos instaurados pelo comando do Quarto Batalhão no ano de 2016.

Tais práticas têm contribuído para a desmotivação dos policiais militares que atuam na ponta do processo, pois alimentam a sensação de impunidade e descrédito pelo serviço que prestam no atendimento da ocorrência policial, tendo como consequência a diminuição de prisões e elucidação dos crimes.

Neste trabalho várias autoridades tiveram a oportunidade de se manifestar a respeito do assunto, entre elas Juizes de Direito, Promotores de Justiça, Advogados representantes da OAB, Policiais Militares, Policiais Civis, representantes da sociedade civil organizada, vítimas, infratores e imprensa.

O que se viu, foram declarações defendendo diversos pontos de vista. Alguns dos entrevistados com posicões institucionais, como a OAB que defende as audiências de custódia como garantia dos direitos do cidadão, principalmente dos menos favorecidos, sendo o instituto fruto de uma das lutas da Instituição em prol do princípio da legalidade, dignidade da pessoa humana e ao pleno exercício da advocacia.

Magistrados e Promotores de Justiça se posicionaram de maneira bastante equânime quando colocam que as decisões adotadas nas audiências de custódia já eram assim procedidas, e que pouco alterou a rotina, a não ser pelo fato da estrutura mobilizada da qual fazem parte as Polícias, Juizes, Promotores de Justiça e serventuários da justiça para que a audiência ocorra.

As autoriades policiais foram unânimes em afirmarem que a idéia principal do projeto é diminuir a populaçao carcerária, que os crimes na cidade têm aumentado fruto das liberações dos custodiados e a inserção da sensação de impunidade que alimenta o entendimento da sociedade e principalmente dos infratores.

A Sociedade Civil Organizada se repudia frente a inconsequente postura do Estado colocando criminosos nas ruas para delinquirem novamente, ocasionando prejuizos materiais e emocionais de maneira "inconteste" às vítimas.

Vítimas que se declaram estar com "medo" frente ao aumento da criminalidade, e principalmente pelo fato que os autores dos furtos são colocados em liberdade em 24 horas, com a possibilidade de retorno aos seus estabelecimentos, o que ocorreu inclusive com um dos entrevistados.

Por fim o próprio infrator, que ao cometer um crime de furto simples, ao ser apresentado ao Juiz na audiência de custódia foi posto em liberdade provisória e voltou a cometer novo furto 8 (oito) dias após sua liberação.

As decisões que submetem o preso à reclusão, sem antes apresentá-lo no tempo razoável a autoridade judiciária, são terreno fértil para a superpopulaçao carcerária, e é o que vem contribuindo para o caos social e cenário de insegurança vivido atualmente.

Por outro lado, não se pode desconsiderar os reflexos sociais, o medo da sociedade, a insegurança vivida pelas pessoas e as perdas patrimonias que o Estado não repara.

Sozinha a audiência de custódia, não conseguirá dar uma resposta ao fetichismo da prisão, tampouco, aos problemas sociais da nossa sociedade. Desse modo pode-se concluir que a audiência de custódia pode ser um avanço ao respeito à dignidade humanda de quem comete o crime, mas por ouro lado já é ora do Estado buscar mecanismos de proteção e também de respeito aos direitos e garantias individuais do cidadão de bem.

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1 E-mail: carlos.cardozo@pm.pr.gov.br