PROGRAMA INTEGRADO DO BME: CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL, SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA DOS POLICIAIS DE MISSÕES ESPECIAIS

Janice do Carmo Demuner Magalhães 1
Ednéia Vieira Serrano 2

 

RESUMO
Expõe o planejamento e a execução de um projeto piloto acerca de ações integradas que se referem à qualidade de vida no trabalho policial de missões especiais no Estado do Espírito Santo. Apresentam-se três frentes: o Plano Anual de Instruções, o Plano de Treinamento Físico Policial do Batalhão de Missões Especiais (BME) e o Ciclo de Discussões Direcionado aos Aspectos de Saúde Mental. Acrescenta-se uma articulação do conhecimento que envolve a atualização e capacitação profissional, a Educação Física e a saúde do policial do BME. A metodologia variou de acordo com cada plano, incluindo testes físicos, técnica de grupo e discussões coletivas. Conclui-se que o programa desenvolvido verte-se sobre o enfoque da qualidade de vida do policial do BME, podendo ser estendido, com as devidas adaptações, às demais Unidades da Polícia Militar do Espírito Santo.

Palavras-chave: Qualidade de Vida. Polícia Militar. Saúde do Trabalhador. Treinamento Físico.

 

ABSTRACT
Expounds the planning and execution of a pilot project concerning integrated actions that refers to the quality of life in the police work of special missions at the State of Espírito Santo. Three fronts are presented: the Annual Instructions Plan, the Police Physical Training Plan of the Special Missions Battalion (SMB) and the Discussions Cycle Targeted on Mental Health Aspects. It is added an articulation of knowledge that involves both the updating and professional training, the Physical Education and the SMB's policeman´s health. The methodology varied according to each plan, including physical tests, group technique and collective discussions. It was concluded that the developed program focus on the quality of life of the SMB´s policeman, with the possibility of being extended, with the necessary adaptations, to the other State of Espírito Santo’s Military Police Units.

Keywords: Quality of Life. Military Police. Worker's Health. Physical Training.

 

 

A IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA INTEGRADO DO BME

O Batalhão de Missões Especiais (BME) da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES) trata-se de uma Unidade Operacional Especializada que surge da necessidade de conferir uma resposta técnica e especializada para a resolução de conflitos não rotineiros. Hodiernamente, o BME é composto por 04 subunidades, sendo elas a 1ª Companhia de Operações de Choque, a 2ª Companhia de Operações de Choque, a Companhia de Operações com Cães e a Companhia de Operações Especiais. Conforme o quadro de detalhamento interno do Batalhão, o efetivo previsto é de 354 policiais militares. Alguns valores em que essa Unidade se ancora são a eficiência operacional, a valorização dos recursos humanos, o aprimoramento técnico e a atualização profissional.

Em compasso com esses valores, buscou-se no ano de 2016 fortalecer o Programa Integrado do BME, direcionado ao policial militar e que fora parametrizado por um projeto piloto a partir de vertentes pré-definidas: a capacitação profissional, o cuidado com a saúde mental do policial de missões especiais e o treinamento físico no BME. Compreende-se que esses aspectos configuram-se como uma necessidade permanente ao serviço desse policial, haja vista a complexidade das ações exigidas dos militares dessa Unidade.

Nessa toada, o Programa Integrado do BME é apresentado a partir de três perspectivas, materializadas pelo Plano Anual de Instruções, o Plano de Treinamento Físico Policial do BME e o Ciclo de Discussões Direcionado aos Aspectos de Saúde Mental do Policial Militar. A busca pela integração dessas três frentes vem ao encontro de uma projeção atual relacionada à promoção de um modelo de gestão denominada governança para o desempenho (KISSLER; HEIDEMANN, 2006), cujos esforços do Estado remetem a um avanço no serviço público de qualidade.

A construção e a consolidação de um programa dessa envergadura exigiram experiências relacionadas que pudessem sistematizar, de maneira mais acertada, as perspectivas de um plano estratégico do BME com os desafios prementes da administração moderna (CHIAVENATO, 2003) em nível estadual e federal. Isto é, as experiências anteriores, mesmo sendo ações pontuais, foram catalogadas, diagnosticadas e refletidas em conjunto com os principais atores do programa – os militares dessa tropa especializada – para que o processo de construção do programa refletisse, desde já, a identidade dessa organização policial. Entende-se que essa retomada das ações desenvolvidas a priori contribuiria no direcionamento das ações que seriam desenvolvidas nesse projeto, em paralelo, fortalecendo a cultura dessa Unidade.

Assim sendo, esse programa consubstanciou-se em cinco fases. A primeira delas foi elencar as necessidades da Unidade; a segunda, elaborar as três vertentes supracitadas do projeto piloto a partir das observações da primeira fase; a terceira, implementar as ações do programa, a fim de possibilitar a conexão entre as propostas, com o fito de materializar os objetivos e metas expostos na dimensão programática; a quarta fase consistiu em executar as frentes do programa; e, por fim, a quinta fase declinou-se a par da avaliação dos resultados alcançados com a execução do programa.

Dessa feita, no mês de fevereiro de 2016, foi iniciado o Plano Anual de Instruções e, em março, deu-se início ao Ciclo de Discussões Direcionado aos Aspectos de Saúde Mental do Policial Militar. Já em abril, para concretizar a terceira etapa, sistematizou-se o Plano de Treinamento Físico Policial do BME. Cada etapa, a partir de seu período de elaboração, foi somando-se às outras, no mesmo passo que novas discussões eram propostas pela leitura do cenário interno. Os trabalhos foram distribuídos nessas três frentes, criando vazão ao escopo do Programa ora apresentado. Por fim, almejava-se que a capacitação profissional, a prevenção e o cuidado com a saúde física e mental do policial do BME, ainda, pudessem contribuir para uma atuação operacional mais proficiente por parte dessa tropa junto à sociedade capixaba.

 

2. A ATUALIZAÇÃO E CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL NO BME

A realidade recente de formação de turmas de soldados na PMES permitiu a recomposição numérica do efetivo da Corporação e, ao mesmo tempo, criou a necessidade de investir tempo e recursos na formação continuada e qualificação do efetivo. Em compasso com essa questão, as atividades de instrução e o treinamento são práticas constantes no BME, sendo a atualização profissional uma das ações perquiridas na gestão da Unidade.

Nesse intento, o Comando do BME planeja e executa, continuamente, ações com vistas a estabelecer uma rotina anual de instruções. Ressalta-se que, segundo as Normas para o Planejamento e Conduta da Instrução (NPCI), editada em 27 de abril de 2009 pelo Comando Geral da PMES, a atualização profissional trata-se de uma “atividade de instrução rotineira destinada a atualizar o conhecimento e conteúdos técnicos policiais, teóricos e práticos, não sendo necessários pré-requisitos para participação dos militares, que devem estar aptos para o serviço na PMES”.

Nessa conjuntura, por meio da instrução profissional aplicada à tropa especializada da PMES, junto aos princípios como a objetividade, progressividade, continuidade, flexibilidade, oportunidade, transparência, eficiência, realismo e iniciativa, pretende-se um ganho no capital intelectual, requalificando o efetivo e fortalecendo os alicerces dessa Unidade, podendo, por conseguinte, esta refletir no nível de melhor prestação de serviço de segurança pública à sociedade Capixaba.

2.1. O PLANO ANUAL DE INSTRUÇÕES

A atualização profissional estatuída pelo Plano Anual de Instruções desenvolvido no BME apresentou-se com o objetivo de estabelecer parâmetros para o desenvolvimento das instruções, tendo em vista a requalificação do efetivo, a orientação da coordenação, o controle e a execução das atividades de instrução profissional para um melhor aproveitamento do processo de ensino-aprendizagem e a atualização e o reforço dos conhecimentos voltados à atuação operacional da Unidade.

As instruções de proficiência técnica, a partir desse Plano, seguiram os parâmetros de uma nova proposta pedagógica da Educação, cujos conteúdos de ensino, escolhidos pelos próprios policiais que compõem o serviço operacional, foram apontados como imprescindíveis ao conhecimento de um militar dessa tropa especial da PMES.

Nesse processo, a atualização e a capacitação são rotinas para o exercício dos cargos e funções típicas das atividades-fim desse Batalhão. Com o empenho dos professores escolhidos para dinamizarem esse processo e a busca incessante por novos conhecimentos, tem-se no âmbito do BME um cenário vivo para, por meio das instruções, traduzir o saber- fazer da profissão a partir do desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes necessárias ao desempenho eficiente e eficaz nas missões especiais. Tudo isso, cabe destacar, sendo axiomas projetados pela Portaria Interministerial nº 02, de 15 de dezembro de 2010, da SENASP.

Ademais, o BME discutiu e analisou pelo caráter teórico e prático das instruções uma forma delas representarem uma das condicionantes para a permanência do militar nessa Unidade.

2.1.1 Os Eixos de Ensino do Plano Anual de Instruções do BME

Para concretizar esse Plano Anual de Instruções, foi preciso instaurar uma matriz curricular dividida em um Eixo Básico e um Eixo Específico. O Eixo Básico é composto por um conjunto de 10 (dez) disciplinas que abordam conhecimentos gerais correlacionados ao fazer policial do militar do BME. Por sua vez, o Eixo Específico contém disciplinas cujos conhecimentos são da especificidade de cada Subunidade desse Batalhão.

Conforme Nota de Instrução nº 002/2016, de 10 de março de 2016, as disciplinas elencadas para compor o Eixo Básico foram: Abordagem Policial, Armamento e Equipamento, Confecção de BOP/Delegacia Online, Material Bélico, Intervenção Primária em Ocorrências com Explosivos, Intervenção Primária em Ocorrências de Crise, Intervenção Primária em Ocorrências com Cães, Patrulhamento em Áreas de Alto Risco, Patrulhamento Tático Motorizado, Técnicas e Tecnologias Não Letais.

Ainda, conforme as especificidades de cada companhia do BME, ficou definido, para 2016, as disciplinas do Eixo Específico. Para tanto, para as Cias de Operações de Choque têm-se: Doutrina de Patrulhamento Tático Motorizado, Condução de Viaturas em Situações de Emergência, Tiro Tático Policial, Escolta e Comboios, Abordagem Policial, Direito Penal e Processual Penal Aplicado. Para a Cia de Operações com Cães compõem as disciplinas do Eixo Específico: Psicologia Canina, Técnica de Adestramento, Operações Policiais com Cães, Técnica de Adestramento para Cães Farejadores, Busca e Captura, Cinoterapia, Patrulhamento Tático Motorizado com Cães, Tiro Policial com Cães. E, por fim, para a Cia de Operações Especiais: Ações Táticas, Noções de Explosivos, Operações Aquáticas, Operações em Altura, Patrulhamento em Áreas de Alto Risco, Tiro Policial Tático. Portanto, tanto o Eixo Básico quanto o Eixo Específico foram projetados para serem realizados em 2016 e, a partir dos resultados alcançados repensar as práticas para a manutenção da capacitação para o ano de 2017.

 

3. A IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO BME A PARTIR DA DIRETRIZ DE SERVIÇO Nº 012/2014

A Diretriz de Serviço nº 012/2014, de 24 de outubro de 2014, instituiu o Programa de Treinamento Físico Militar (TFM) na PMES, tendo como finalidade delinear esse treinamento na jornada de trabalho do policial estabelecendo, como consequência, o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) e a aplicação anual do Teste de Avaliação Física (TAF), a partir de 2016, na Instituição. Imbuído nesse processo, o BME, por meio dos profissionais de Educação Física, apresentou esse plano de treinamento físico como uma antecipação a tais mudanças e, sobretudo, reforçando alguns dos valores inscritos no Plano de Comando do BME 2016/2017, como a valorização dos recursos humanos e o aprimoramento profissional. Ainda, aduz a necessária mudança de paradigma descrita na Portaria Interministerial nº 02, sobre o enfoque da qualidade de vida dos profissionais de segurança pública e a promoção da saúde como iniciativas fortalecidas pelo TFM.

Nesse passo, cônscio de que a atividade operacional de um policial de missões especiais requer um condicionamento físico ímpar, continua sendo salutar prepará-lo para melhor exercer seu mister. Em descompasso, foi contraproducente a fragmentação do planejamento das aulas de TFM no BME em 2015 e, até mesmo, a falta de objetividade na preparação de certos planos de aulas. Por conseguinte, asseverou-se um declínio na prática da atividade física, máxime no fator motivacional e a não aderência ao programa físico.

Por via inversa, replanejando todo o trabalho para o biênio 2016-2017, tais fatos citados tornaram-se oportunidades para se pensar um projeto alvissareiro da Educação Física que, sobretudo, segundo Marins e Giannichi (2003, p. 26), projetassem “o desenvolvimento, ou aperfeiçoamento do indivíduo na sua totalidade, isto é, nos aspectos biológicos, psíquicos e sociais”.

Assim, por meio dessa reflexão, estimou-se a construção de uma metodologia de trabalho e a realização de um planejamento da atividade física no BME que sejam suficientes para representar uma melhora no condicionamento físico do militar e na qualidade de vida do policial.

3.1. O PLANO DE TREINAMENTO FÍSICO MILITAR DO BME

O Plano de Treinamento Físico do BME destacou dois projetos intrínsecos a ele, quais sejam, o treinamento para a melhora do condicionamento físico e da qualidade de vida dos policiais de missões especiais e o treinamento para diagnosticar as condicionantes do “Teste de Campo”.

O treinamento físico, além de contar com uma programação prévia, responde às particularidades de cada Companhia Operacional do BME por meio, também, de um treino específico. O treinamento específico surge como uma necessidade da tropa, vistas as exigências diferenciadas da atuação do policial de missões especiais.

Para efetividade do Plano de TFM do BME, considerando a fiel execução da finalidade e da programação de um macrociclo de 9 (nove) meses, foi imprescindível a formação de uma Comissão de trabalho com a titulação da área, seguindo os ditames da Lei nº 9.696, de 1º de setembro de 1998, que regula a profissão de Educação Física no Brasil. Nessa conjuntura, também por orientação da Resolução CONFEF nº 254, de 24 de junho de 2013, foi preliminar a escolha de professores, policiais do BME, com capacitação técnica e licenciados em Educação Física, sendo destaque pelo conhecimento adquirido e experiência profissional. 

3.1.1 Treinamento para a melhora do condicionamento físico e da qualidade de vida dos militares do BME

A construção de um projeto que subsidiasse a melhora do condicionamento físico e da qualidade de vida dos militares do BME foi desenvolvida para atender todos os militares que compõem as Companhias Operacionais dessa Unidade. A proposta primeira desenvolveu- se a partir de uma metodologia que proporcionasse ao policial as aptidões necessárias à sua atividade operacional.

Nesse sentido, pelas características operativas de um policial do BME, o treinamento fundamentou-se a partir de uma base cujo sistema energético fosse prioritariamente aeróbico. Isso porque, segundo Hollmann e Hettinger (1983), é por essa reserva energética e pela melhor capacidade de solicitação das fibras musculares relacionadas a essa captação de energia que se tem revelado o aprimoramento físico do público em geral.

Assim sendo, a pronta intervenção do TFM no desempenho diário desse policial deve ser capaz de uma condição aeróbica tal que ele obtenha como consequências fisiológicas um maior controle respiratório no sistema musculoesquelético, uma maior capacidade de gerar CP (Fosfocreatina) e ATP (Adenosina Trifosfato) aeróbico na fosforilação oxidativa por conta das adaptações enzimáticas, uma melhora no metabolismo das gorduras e dos carboidratos para fornecimento de energia, adaptações nos tipos de fibras musculares e no tamanho das fibras musculares (MCARDLE; KATCH; KATCH, 1998, p. 378-379).

Não obstante, dividindo o ciclo de treino, acrescentado também foi um trabalho de força muscular relacionado às aptidões desse trabalhador. Em se tratando de força e treinamento anaeróbico, tem-se que toda a melhora do rendimento que o indivíduo obtiver a par desse treinamento implica algumas consequências fisiológicas citadas por McArdle, Katch e Katch (1998, p. 376-377), como:

[...] o aumento dos níveis de substratos anaeróbicos em repouso como o ATP, a CP, a creatina livre e o glicogênio, os quais estando em maior número facilitam a obtenção de energia pela decomposição deles, o aumento na quantidade e na atividade enzimática que controla a fase anaeróbica do fracionamento da glicose e, por conseguinte, maior eficiência na produção de energia, o aumento na capacidade de gerar altos níveis de lactato sanguíneo durante o exercício explosivo o que proporciona ao atleta maior tolerância em exercícios extenuantes. (MCARDLE; KATCH; KATCH, 1998, p. 376-377)

Ambas as valências físicas – força e resistência aeróbica – são primordiais para a realização de uma atividade policial no contexto de missões especiais e, ao mesmo tempo, para a manutenção da qualidade de vida do militar. Foi, portanto, de bom alvitre envolver o policial em uma dinâmica de treino que o capacite na melhora dessa aptidão física. Dessa forma, é preciso que o homem e a mulher de missões especiais estejam aptos para suas missões diuturnas dentro do serviço que é peculiar ao BME.

Nessa dinâmica de treinamento, foi observada uma considerável evolução no condicionamento físico dessa tropa, bem como auferidos outros resultados, tais como uma percepção de maior satisfação com o treino e melhora no aspecto motivacional, o que implicou sobremaneira a continuidade dos trabalhos realizados e, por conseguinte, uma mudança no clima organizacional da Unidade, estreitando os laços da gestão com a tropa. Por fim, entende-se que o cuidado com os trabalhadores do BME subsume os aspectos físicos. Pois, deixar de lado essa dimensão aumenta em demasia os fatores de risco dessa tropa de missões especiais.

3.1.2 Treinamento para definir as condicionantes do Teste de Campo

Uma das missões que o BME realiza por meio das Companhias Operacionais são as atividades relacionadas às Operações Motorizadas. Com base nessa vertente o BME, por meio da Comissão de Educação Física, projetou um macrociclo de treinamento que potencializasse as valências físicas necessárias ao militar que exerce esse tipo de missão.

Nesse intento, o treinamento físico do patrulheiro do BME direcionou-se para atender a uma aptidão tal que o permitisse, com agilidade, solucionar as ocorrências frente ao trabalho de prevenção secundária, subir escadas, pular muros, correr, sustentar todo o equipamento de proteção individual (EPI), utilizar técnicas de defesa pessoal na contenção de infratores, dentre outras.

Sob um novo enfoque, em se tratando de uma nova metodologia de treinamento físico cujo intuito seja aproximar a dinâmica das instruções de Educação Física com a realidade operacional, foi criada uma reprodução simulada de parte da atividade-fim policial. O projeto intitulado “Teste de Campo” teve como referência os “field tests” da Real Polícia Montada Canadense, da Polícia da Nova Zelândia e da Polícia holandesa (STRATING, M. et al., 2015). Vale mencionar que a construção desse Teste foi projetada para que se possa reproduzi-lo em outras unidades da PMES. Desse modo, possibilitar-se-á o treinamento em outros espaços para além do BME.

Nesse diapasão, a sugestão inicial é a aplicação de uma atividade em um dado espaço em que policial de operações motorizadas pudesse percorrê-lo, utilizando-se de elementos e técnicas policiais para completá-lo, além de transpor determinados obstáculos semelhantes aos encontrados no ambiente operacional. Assim, ele iria progredindo em cada etapa até completar o último exercício fixado. Essa nova proposta surgiu para o BME como uma proposta para a melhora do desempenho físico do militar nele inserido. Também confluiu com a perspectiva de Serrano (2014, p 76), qual seja, “os exercícios que atualmente são executados de forma fragmentada no TAF da PMES tornar-se-iam muito mais dinâmicos e expressivos da realidade policial” se a proposta trouxesse semelhança com a atividade-fim de polícia.

Por esses passos, a equipe de Educação Física do BME criou um objetivo a ser atingido pelos militares no que tange à aptidão física do patrulheiro de operações motorizadas. E ainda, sem desconsiderar a adequação operacional, o que tornou esse Teste muito mais condizente com a atividade policial. Em vista disso, essa expectativa vislumbrou um novo paradigma que poderia ser avaliado como uma condicionante à Atividade Física dentro dessa Unidade, finalizando que essa proposta, configurada para adequar a atividade física à realidade operacional, também poderia ser uma possibilidade para a avaliação dos militares do BME.

 

4. A SAÚDE DO TRABALHADOR POLICIAL DO BME

As ações e missões realizadas pelos policiais do BME, suso mencionadas, aparecem como uma necessidade de se efetivar uma resposta especializada e técnica na resolução dos conflitos envolvendo incidentes não rotineiros. Nesse ínterim, a exigência técnica e o grau de profissionalismo dos policiais de missões especiais que os colocam em condições de atuar em ocorrências cujo grau de complexidade seja extremado requerem, também, um equilíbrio psicológico diferenciado. Por esse seguimento, manter a esfera psicológica saudável também implica compreender o seu funcionamento. Ainda nesse sentido, tratar da saúde mental do policial do BME se justifica por apresentar-se como uma ferramenta de agir sobre os aspectos da Saúde Física e Mental. Dessa maneira, articular as discussões de Saúde Mental aos parâmetros de qualidade de vida no trabalho corroboram com o cuidado dessa Unidade para com seus policiais.

Entende-se, ainda, que discutir fundamentos psicológicos pode contribuir para a resolutividade de certas situações, bem como atentar aos profissionais para questões que podem, muitas vezes, alcançá-los enquanto sujeitos (FERREIRA, 2009). Além disso, iniciativas de cunho psicológico promovidas na Polícia Militar contribuem para desmistificar alguns estereótipos de que aquele que procura atendimento psicológico é “louco”, dentre outros discursos depreciativos (MAGALHÃES, 2015).

Assim, este trabalho significou uma intervenção baseada na perspectiva de noção ampliada de qualidade de vida, ou seja, a compreensão de que a qualidade de vida se associa à produção de saúde. Portanto, o viés trabalhado alinha-se à proposta de Canguilhem (2015), fomentando que saúde é criar e recriar, de forma permanente, normas de vida. Logo, estar saudável e com qualidade de vida engloba elementos físicos, psíquicos, sociais, econômicos e interpessoais.

Nessa conjuntura, o BME, junto a uma profissional de Psicologia, efetivou o Ciclo de Discussões Direcionado aos Aspectos de Saúde Mental do Policial Militar.

Nesse parecer, a proposta justificou-se por seu caráter de atribuição de novos conhecimentos, de valorização do trabalhador policial militar, assim como da possibilidade de efetivação de novos meandros constitutivos dos paradigmas de atualização da Polícia Militar.

Este projeto atuou como uma iniciativa em nível preventivo de saúde mental, visto que buscou sensibilizar seus participantes para elementos característicos da vida psíquica e possíveis sintomas que precedem quadros patológicos.

4.1. O CICLO DE DISCUSSÕES DIRECIONADO AOS ASPECTOS DE SAÚDE MENTAL DO POLICIAL MILITAR

O Ciclo de Discussões teve por finalidade inserir novos conhecimentos acerca da importância da Saúde Mental e do cuidado com os aspectos psicológicos que constituem a vida, sensibilizando os participantes para uma noção ampliada de qualidade de vida, desenvolvendo habilidades que possam facilitar ações práticas e ampliando as noções de patologias e prevenção de sintomas.

Organizada na perspectiva construtivista e coletiva de conhecimento (NOGUEIRA; MOREIRA, 1999), a proposta se efetivou a partir de cinco encontros, sendo um por semana com duração de 2 horas e 30 minutos cada. Nessa trajetória, foram realizados três Ciclos com a participação de 20 (vinte) militares em cada, totalizando 60 (sessenta) militares participantes, dentre Oficiais e Praças. A metodologia utilizada englobou a apresentação das temáticas, a utilização de técnicas de grupo e o acolhimento de experiências que possibilitaram a inclusão de novos conteúdos aos previamente programados.

De forma inexorável, parte do trabalho policial é realizado no limite do risco, significando atuar em perigo iminente, o que pode ser gerador de sofrimentos (SILVA; VIEIRA, 2008; SOUZA; MINAYO; PIRES, 2012). O enfrentamento a esses sofrimentos, em nível institucional na PMES, parece ser incipiente. Dessa maneira, a prevenção sobre os aspectos da saúde mental provocou uma atenção especial por parte do BME, ampliando as discussões entre militares e profissionais da Psicologia, no intuito destes últimos demonstrarem àqueles primeiros algumas possibilidades de construções coletivas de “normas” e outras formas de viver que tornam a vida mais “vivível” (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007).

O trabalho significou, na proposta desenvolvida no BME, uma reconfiguração de como conceber a ideia do cuidado mental. Além disso, possibilitou a troca de informações tanto do saber psicológico, quanto do saber policial militar. De modo producente, essa iniciativa destacou a importância do espaço da fala e da escuta dos trabalhadores dentro da instituição militar, independentemente dos níveis hierárquicos. De acordo com Clot (2006), essas faculdades possibilitam o fortalecimento do coletivo de trabalhadores, sendo essa uma das funções psicológicas do trabalho.

No mesmo sentido, o momento dos Ciclos possibilitou a análise de alguns elementos da atividade de trabalho do policial militar, evidenciando trocas de estratégias coletivas, além da enunciação de pontos positivos e negativos da organização do trabalho.

 

5. ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA INTEGRADO DO BME

O Programa Integrado do BME trouxe inovações quanto à metodologia aplicada às três vertentes basilares dessa empreitada. A mudança surge como uma premente necessidade, haja vista, dentre outros fatores, a mudança no perfil profissiográfico do Batalhão; o intuito de interpretar, por meio do Programa, a realidade operacional dessa Unidade e; o compromisso de bem servir à sociedade capixaba por meio de ações técnicas, legais e especializadas de missões especiais. Destarte, esse modelo, fundamentado a par das políticas da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), buscou fortalecer ações estratégicas entendidas como essenciais para uma sociedade que exige muito mais de seus órgãos de Segurança Pública.

Nessa tônica, trouxe à baila as questões ora referendadas pela tropa que urgiam mudanças. Os debates internos fomentaram um processo de responsabilização e de participação por parte dos membros da tropa, fazendo-os também construtores dessas mudanças.

Apesar desse projeto piloto ser declinado a partir de saberes diferenciados, foi perceptível, à medida que o tempo transcorria, que as três vertentes se tornavam harmônicas entre si. Entende-se que o Programa Integrado contribuiu para fortalecer as ações policiais de modo a preconizar uma formação/capacitação mais global, cuja consequência refletirá em um trato mais humanizado junto à sociedade capixaba.

Infere-se, afinado a essa integralidade, que os resultados alcançados por esse projeto podem ter ocorrido em virtude da forma como fora precipuamente pensada, desenhada, alinhavada e efetivada, consoante os valores do BME e na mesma medida em que os anseios dos trabalhadores também foram considerados.

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de implementação de um Programa Integrado sobre os critérios supracitados, voltados para os policiais militares do BME, possibilitou o levantamento de dados e informações referentes às demandas existentes quanto à organização do trabalho nessa Unidade. Para tanto, o diagnóstico da capacitação profissional, o enfoque sobre os aspectos da saúde mental e os objetivos alcançados a partir da saúde física demonstram quão importante é a promoção das formas de prevenção e cuidado. Além disso, ficou evidente que a participação de profissionais especializados para atuarem no âmbito do gerenciamento da saúde mental e física torna-se um fator determinante e conexo com a responsabilidade do Estado frente à qualidade de vida de seus servidores.

No contexto de missões especiais, as atividades operacionais especializadas desenvolvidas pelo Batalhão são resultado de um gerenciamento baseado na tríade “realizar instruções, difundi-las e operar”. Em paralelo, o treinamento diário de uma tropa operacional certifica a qualidade do serviço prestado à sociedade capixaba, minimizando as possibilidades de erro, que podem comprometer todo o resultado de uma operação, além da possibilidade de causar prejuízos imensuráveis para a imagem institucional, tamanha a responsabilidade dessa tropa, sendo necessários a capacitação e o treinamento de forma continuada.

Com a inserção da Diretriz de Serviço nº 012/2014 na PMES, as instruções de Educação Física no BME foram sistematizadas com base em uma metodologia de avaliação e de prescrição de atividade física, considerando, para tanto, as especificidades de cada Companhia do BME. Dessa forma, buscou-se com o TFM no BME a manutenção e melhora do condicionamento físico desse policial, bem como efetivar algumas práticas que coadunassem com as ações realizadas durante a atividade-fim policial. Vale ressaltar que se projetou, a partir desse plano, uma visão mais holística da Educação Física, considerando os seus aspectos psicológicos e sociais, e não somente os aspectos físicos.

Nessa lógica de mudanças, o Ciclo de Discussões Direcionado aos Aspectos de Saúde Mental trouxe para o cenário em comento a intenção de cuidar de parte dos aspectos psicológicos que constituem a vida do policial. Por esse seguimento, manter a esfera psicológica saudável também implica compreender o seu funcionamento, afetando os participantes para uma noção ampliada de qualidade de vida, desenvolvendo habilidades que possam facilitar ações práticas e ampliar as noções de patologias e prevenção de sintomas.

É esse equilíbrio físico e mental em um cenário de aprendizagem continuada que o Programa Integrado do BME pretende discutir, investir, incrementar e ampliar como uma medida de valorização profissional e de suporte aos policiais de missões especiais que, diuturnamente, são solicitados para solucionarem as mais complexas situações conflituosas.

Por essa tríade desafiadora, essa Unidade Operacional Especializada prevê, para 2017, a projeção de uma diretriz em continuidade aos resultados alcançados em 2016. Ressalta-se que esse novo paradigma possa ser ampliado, projetando um novo rumo a ser traçado em todas as Unidades da Polícia Militar do Espírito Santo, como uma necessidade e forma de reestruturação desse órgão público.

 

 

REFERÊNCIAS

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1 Psicóloga e Mestre em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Professora substituta do Departamento de Psicologia da UFES. Email: carmo.janice@gmail.com

2 Tenente da Polícia Militar do Espírito Santo, servindo atualmente no Batalhão de Missões Especiais. Graduada em Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduada no Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Espírito Santo. Especialista em Docência para o Ensino Superior pela Faculdade Batista de Vitória. Email: edneia.serrano@pm.es.gov.br