COM A BOMBA E O PARAQUEDAS NA MÃO: APROXIMAÇÕES ENTRE ESPORTE DE RISCO E EVENTOS COM EXPLOSIVOS

Rafael Gomes Sentone1
Jeferson Roberto Rojo2
Marcelo Moraes e Silva3
Fernando Renato Cavichiolli4

 

RESUMO
O risco surge ao longo da vida e mostra a vulnerabilidade do ser humano aos acontecimentos que tem a capacidade de prevenir o perigo e se proteger das ameaças. As principais funções do grupo antibomba são a identificação, remoção e perícia de bombas, explosivos e locais de explosão, destruição de explosivos, munições e sua desativação. Deve ser funcionário público atuando na Polícia Militar ou Civil e ser voluntário para o treinamento e para o serviço explosivista policial. Os riscos assumidos pelos “novos aventureiros”, não se compara com o desenrolar de uma profissão difícil, como bombeiros, policiais, salva-vidas. A sociedade não oferece mais limites, então o indivíduo procura fisicamente os “extremos” buscando performances, proezas, velocidade, aumento do risco. Diante desse fato, nosso objetivo é relacionar aspectos que permeiam a atuação dos profissionais que trabalham com operações de antibomba e praticantes de esporte de risco, ambos sentem medo, tensão, apresentam a euforia da excitação e aumento do prazer pela satisfação da tarefa cumprida.

Palavras chave: riscos ocupacionais, assunção de risco, bombas.

 

ABSTRACT
The risk arises lifelong and shows the vulnerability of human beings to the events that have the ability to prevent the danger and protect themselves from threats. The main functions of the bomb disposal group are the identification, removal and expertise of bombs, explosives and explosion sites, destruction of explosives, ammunition and deactivation. Should a civil servant working in the military or civil police and volunteer for training and for police explosivista service. The risks taken by "new adventure" does not compare with the conduct of a difficult profession, such as firefighters, police officers, lifeguards. The company offers no more limits, then the individual physically looking for the "extreme" seeking performances, stunts, speed, risk increased. Given this fact, our goal is to relate aspects that permeate the work of professionals working with bomb disposal and risk sports practitioners operations, both feel fear, tension, have the euphoria of excitement and increased pleasure for the satisfaction of completing a task

Keywords: occupational hazards, risk-taking, pumps

 

 

Nos últimos anos, devido aos ataques terroristas, assaltos a bancos, são frequentes os relatos da utilização de explosivos em ações criminosas. Em casos como esses que envolvem explosões percebe-se que o grau de capacidade destrutiva causa grande comoção na sociedade tendo em vista a possibilidade de morte iminente. Para combater este quadro existem forças de segurança pública treinadas para atuar pontualmente nestas ocorrências. O Estado tem a responsabilidade de promover e realizar a manutenção da tranquilidade pública e para tanto é necessário que profissionais sejam treinados para aqueles casos e capazes de resolver crises. Estes agentes atuam voluntariamente ainda que conheçam dos riscos descritos, demonstrando um comportamento atípico com a aproximação do perigo de vida.

Estes profissionais agem segundo regras e doutrinas extremamente rígidas, pois necessitam que seu comportamento seja balizado e regrado visando minimizar as chances de risco a si próprio, outras pessoas e bens materiais. As doutrinas são diversas (Estados Unidos, Colômbia, Israel e Brasil), no entanto percebe-se nitidamente que o comportamento do agente encontra-se inflexível pela meticulosidade que o labor exige. Esta pressão exercida pela própria doutrina e pelo risco de vida (morte ou mutilações severas) permeia a insanidade, como dito anteriormente, pelo fato de serem voluntários a executarem esta atividade, ainda que prefiram manter sua posição ante o perigo.

É possível pensar que estas pessoas aflorem uma excitação no momento em que estão frente a frente com tais situações, sejam estes sentimentos de medo, apreensão, temor, receio e cautela ou até mesmo de prazer, deleite, satisfação, regalo e bem estar. Esta excitação lhes toma conta e pode até mesmo provocar-lhes um vício ou uma fuga do cotidiano de suas atividades profissionais convencionais ou até mesmo pessoais. Souza e Minayo ao analisarem a mortabilidade de agentes de segurança pública do estado do Rio de Janeiro constataram que as atividades que exercem, patrulhamento nas ruas, causam um número elevado de conflitos com utilização de armas de fogo e agressões tendo como resultado a morte.

“O perigo pra mim, ele tá no meu dia a dia. Quando tem algum perigo a gente diz que tem medo. Não tem como dizer ah, não tenho medo de nada. E aí eu tento estar sempre preparado pra pode encarar esse perigo” disse Gabriel Lott que tem 34 anos, é atirador de elite da Polícia Civil do Rio de Janeiro – CORE – setor Sniper e desde criança tem paixão por armas, cuja brincadeira virou realidade. O agente da CORE gosta do perigo e nunca abaixa a guarda. Eduardo Herdy tem 34 anos, é operador tático. “Sou voluntário pra tá aqui. Todos que estão aqui são voluntários. E eu tô acostumado. Eu sei que tem risco, mas se eu ficar pensando no risco eu não exerço meu trabalho. Então, eu vou pra fazer o meu melhor”. “A gente se coloca numa situação de bastante risco, porque como a gente fala aqui, a gente nunca pode voltar, nunca dá as costas e vai embora, a gente sempre avança” disse Lott.

Para Ponichi, o policial não está imune ao risco e não deve existir espaço para o medo. Além do preparo físico é preciso ter uma mente equilibrada para agir com frieza sob pressão. A elite da polícia precisa se manter em forma e sempre no topo. Gabriel sobe até a pedra da gávea no Rio de Janeiro para fazer um salto de wingsuit base jumping se as condições estiverem favoráveis e diz: “Na verdade quando tô fazendo meu esporte eu tô treinando pô trabalho e quando eu tô trabalhando, eu tô treinando aqui pro meu esporte”. Para Gabriel a adrenalina das operações não basta, no tempo livre encontrou um hobby a “altura”. “Esse saltinho da gávea, muita adrenalina. Toda vez que eu chego aqui eu me lembro porque que eu faço isso, porque que eu me arrisco tanto, porque é bom demais”, disse Gabriel ao aterrizar na praia.

A concentração é crucial, qualquer distração pode ser fatal, eles vivem no limite entre a vida e a morte. “Uma coisa que eu tenho mais medo é morrer frustrado com aquilo que deixei de fazer. Então, se eu tiver que ir pra CORE, ir pra operação e, vou pra operação. Só não vou deixar de fazer porque isso pode causar isso, aquilo. Uns podem chamar isso burrice, é uma escolha de vida”.

Comportamentos semelhantes são encontrados em praticantes de esportes e modalidades de risco como parapente, práticas circenses, paraquedismo, bungee jump, asa- delta, por exemplo, onde as pessoas sabem dos riscos iminentes pelos quais estão passando quando da prática, porém o fazem de maneira voluntária e consciente.

A dialética neste caso - distinções presentes nos conceitos de cada uma das atividades - uma profissional, a qual mesmo fazendo parte de um grupo que se dispõe a realizar tal atividade, e outra, que muitas vezes é praticada como forma de lazer, são realizadas mediante a um interesse pessoal do praticante/explosivista. Para Lewis algumas formas de trabalho se tornaram tão prazerosas que passaram a ser classificadas como uma nova forma de lazer, desconstruindo o conceito popular de que trabalho não é prazer, emoção e excitação. A partir do exposto surge o questionamento: Quais as possíveis aproximações entre praticantes de esporte de risco com profissionais que operam em situações envolvendo explosivos?

Com isso o objetivo do presente ensaio é relacionar aspectos que permeiam a atuação dos profissionais que trabalham com operações de antibomba e praticantes de esporte de risco.

1. RISCO

De acordo com Giddens na Idade Média não existia conceito de risco. As culturas tradicionais não tinham um conceito de risco porque não precisavam disso, usavam destino, sorte, achavam que as coisas aconteciam por vontade dos deuses. A palavra “risk” foi introduzida no inglês através do espanhol ou do português. O conceito de risco pressupõe uma sociedade que tenta romper com o passado, é uma característica da civilização industrial moderna. Viver é correr risco e a aceitação do risco é condição para entusiasmo e aventura – o prazer de se jogar no bungee jump, descer o rio de kaiak, entre outros – gera energia, que gera riqueza numa economia moderna.

Giddens cita dois tipos de risco: o externo que é o risco experimentado vindo de fora, das fixidades da tradição ou da natureza (pragas, má colheita) e o fabricado que é o risco criado, está relacionado com a natureza e áreas da vida também (casamento, família).

Nossa época não é mais perigosa – nem mais arriscada – que as de gerações precedentes, mas o equilíbrio de riscos e perigos se alterou. [...] O risco sempre precisa ser disciplinado, mas a busca ativa do risco é um elemento essencial de uma economia dinâmica e de uma sociedade inovadora. Viver numa era global significa enfrentar uma diversidade de situações de risco. Com muita frequência podemos precisar ser ousados, e não cautelosos, e apoiar a inovação científica ou outras formas de mudança. Afinal, uma raiz do termo “risk” no original português significa “ousar”.

Para Le Breton foi através do tempo e do espaço que as comunidades construiram formas sociais e culturais de conjuração dos perigos. O medo é afastado através de prece por exemplo. O risco surge ao longo da vida cotidiana e mostra a vulnerabilidade do ser humano aos acontecimentos que tem a capacidade de prevenir o perigo e se proteger das ameaças. O risco é construído socialmente e varia de um lugar para outro e de uma época para outra. Está relacionado com a segurança e o medo do meio ambiente, da tecnologia, do social e da saúde.

A sutil mudança de sentido do termo ‘risco’, que passou da referência a uma probabilidade para a de uma ameaça ou de um perigo, é sintoma de uma sociedade obcecada pela segurança e preocupada em garantir a prevenção das diferentes formas de obstáculos e de infortúnios que atingem a condição humana.

A inseguraça do dia a dia, as ameaças da globalização, a mídia que reforça o medo e mostra os perigos relacionados à saúde, à vida social por exemplo. Todos estão vulneráveis a ter a bicicleta roubada, um acidente automobilistico, contaminação pelo HIV, entre outros. Nesse sentido, a exposição ao risco nos remete às condutas da modernidade através da prática dos “esportes de risco”.

2. ESPORTES DE RISCO

Nos debruçamos num primeiro momento em tentar conceituar o que seriam os “esportes de risco”. Entre as nomenclaturas utilizadas, encontramos a denominação a essas modalidades como, esportes radicais, esportes de aventura e os esportes na natureza. Para Pimentel, uma gama deste tipo de modalidade, por vezes, pode ser reduzida e confundida ao ser tratada como esporte. Isso se deve ao fato de que algumas dessas práticas corporais possuem características que se diferem dos esportes tradicionais.

Utilizaremos, para os fins propostos pelo presente trabalho, a terminologia “esporte de risco”, a qual acreditamos que as diferentes nomenclaturas apresentadas pelos autores, contém as características que serão versadas no presente ensaio. As características, presentes nos esportes de risco são, “[...] vertigem, ilinx, risco controlado e emoções “à flor da pele”, desencadeadas pelas diferentes situações e experimentações nas relações entre homem e natureza”.

Santos relaciona a busca pela sensação do medo, como produto consumível, e causador da sensação de prazer imenso, sendo os esportes radicais uma fonte das sensações desejadas. Para a autora os esportes radicais, são situações “em que o sujeito tem controle parcial do que acontece, ou ao menos convive com um alto grau de risco assumido”. Paixão aponta que para os esportistas deste tipo de modalidade “o risco os desafia, provoca medo e, ao mesmo tempo, remete-os ao prazer inigualável que é conferido ao elemento radical no esporte de aventura junto à natureza.”.

Mas a busca do perigo, do risco em uma modalidade esportiva de fato tem uma grande procura atualmente. Para Santos o esporte como concebemos atualmente possui diferenças:

Por exemplo, as diferenças com relação aos esportes de hoje são nítidas: atualmente, o praticante escolhe, determina o risco a ser assumido e busca não a glória, a virtude ou a excelência, mas a simples fruição exacerbada de um certo tipo de satisfação individual: o medo regulado a serviço do prazer. É uma experiência de aventura, de liberdade absoluta, de arrojo etc., mas exige ou possui sempre a tentativa de cercar de fato a surpresa.

Para Le Breton os riscos assumidos pelos praticantes de esporte de aventura, os “novos aventureiros”, não se compara com o desenrolar de uma profissão difícil, como bombeiros, policiais, salva-vidas no mar ou montanha. Os perigos durante a prática geram aprendizado, os medos dissipam-se pelas técnicas e quando as competências se desenvolvem, dão firmeza diante do imprevisto. “Somente o risco livremente escolhido é valorizado. Ele vale pela atração que desperta, pela exaltação de enfrentá-lo em um terreno escolhido”.

Ele fala que surgiram muitas práticas na década de 1970 com a denominação de glisse (termo genérico em francês sobre as práticas realizadas na natureza). Nessas práticas as atividades físicas tradicionais são renovadas, novas sensações, ausência de regras, visual, etc; existe o enfrentamento do homem com a terra, o ar e as águas; o homem e algum aparelho (prancha, skate, paraquedas...) e é necessário reagir ao que acontece mantendo uma relação simbólica ou real com o risco. Os praticantes querem o risco, senão perdem o interesse; os socorristas também correm riscos, como exemplo o piloto da moto aquática que precisa salvar o surfista de onda gigante quando ele cai no meio da onda. Existe, também, o socorrista que põe sua vida em perigo sem querer, como ter que salvar turistas na descida de uma cratera de vulcão e atletas perdidos na mata durante uma corrida de aventura. O tema é polêmico, as pessoas querem se aventurar, correr riscos e muitos socorritas não concordam com esse tipo de atividade, mas, é o trabalho deles.

3. A ATIVIDADE EXPLOSIVISTA

A simbologia que representa as operações antibomba no Brasil é o primeiro símbolo que externa o que representa esta atividade. Os distintivos que representam os grupos que trabalham na desativação de explosivos possuem significados, que por sua vez representam a própria atividade. Símbolos como o criado em 1996 na Polícia Militar de São Paulo e o da Polícia Militar do Paraná constituem-se:

O distintivo é composto por uma bomba esférica em cor negra, com seu estopim aceso, pousado sobre escudo verde e cortada da direita para a esquerda e de cima para baixo por um raio em cor dourada. Os significados dos símbolos são:

O ESCUDO: está colocado atrás da bomba, representando a ação de PROTEÇÃO da sociedade contra o perigo.

A BOMBA: representa todas as formas de PERIGO que ameaçam a sociedade e são enfrentados pelo explosivista.

O RAIO: representa a AÇÃO RÁPIDA E PRECISA do explosivista contra o perigo, em defesa da sociedade.

AS CORES: verde e amarelo, respectivamente do escudo e do raio, representam o Brasil, nossa Pátria a ser defendida.

 Tabela 1. Leão, 2008. Doutrina para emprego com bombas.

 

O distintivo do Curso de “Técnico Explosivista Policial” é composto por um par de louros sobrepostos por um escudo em gules estilizado contornado em sable, e dois raios de ouro. No interior do escudo há uma granada de bombardeiro aéreo em sable. Abaixo um listel azul com a sigla “PMPR”, conforme descrição seguinte:

1º - Louros: na cor verde, símbolo de vitória. Na atividade operacional simboliza a proteção dada à população frente a artefatos explosivos, através da inteligência e da devoção daqueles que ostentam esse distintivo.

2º - Raios: em ouro representando poder. Demonstra o poder destrutivo da explosão e a coragem e profissionalismo dos técnicos em explosivos nos seus esforços para reduzir os riscos, bem como para tornar inofensivos os artefatos explosivos.

3º - Escudo estilizado: com formato não tradicional, na cor gules representando vitória e ardis. Significa a blindagem necessária para trabalhar com artefatos explosivos, e no caso de uma detonação, a proteção dada à população e ao patrimônio.

4º - Granada: na cor sable, significando firmeza e obediência. Modelo utilizado pelos aviões bombardeiros durante a Segunda Guerra Mundial. Representa o histórico e o principal foco do técnico em explosivo.

5º - Listel: na cor azul, representando lealdade, traz no seu interior a sigla “PMPR”, que em metal prata significa humildade. A sigla PMPR significa Polícia Militar do Paraná.

Tabela 2 Símbolo do Esquadrão Antibomba da Polícia Militar do Paraná. Descrição eráudita. Boletim - Geral nº 239 de 16 de dezembro de 2013. Fonte Polícia Militar do Paraná.

Percebe-se que o perigo desta atividade está estampado em seu próprio símbolo, assim como a honra em prestar este serviço à nação, traduzido pelas cores que estampam a bandeira nacional. O enfrentamento dos problemas envolvendo atentados com bombas é combatido através de grupos especializados em bombas e explosivos, com pessoal treinado e qualificado. Segundo Wilkinson entre 1992 a 2005, apenas no Estado de São Paulo, foram realizadas 2.920 operações antibombas sendo 77 destes casos com explosões efetivas, 492 remoções de artefatos e 528 objetos suspeitos localizados. Dadas as proporções, é muito provável que somados os casos no Brasil até os dias atuais muitos outros eventos agreguem a esta estatística tendo cada uma delas profissionais trabalhando para combatê-las.

Os grupos antibombas no Brasil integram a Polícia Federal e Civil, mas principalmente pelas Polícias Militares estaduais através de suas unidades de operações especiais. Para ingressar nesta atividade precisam realizar um curso de extensão e/ou especialização dependendo da doutrina. Segundo Minayo e Adorno policiais recorrem às técnicas de inteligência sempre que possível para resolução de problemas.

Dentre as atribuições e missões executadas por um grupo antibomba estão a identificação, remoção e perícia de bombas, explosivos e locais de explosão, destruição de explosivos, munições e sua desativação. As partes que compõem sua missão consagram o juramento à Constituição Federal onde instituem a segurança pública como fim do trabalho policial militar contra todo perigo em desfavor da vida e patrimônio.

Normalmente trabalham em turno de tempo integral, com dedicação exclusiva à atividade, em regime de prontidão permanente ou revezando cada dia uma equipe ou em tempo parcial onde a equipe opera no período mais crítico de incidentes e descansa no de menor atividade. Atuam em grupos, desde o recebimento da notícia de haver uma artefato explosivo, preparação, chegada ao local, elaboração da estratégia e ação propriamente dita.

Segundo Leão a seleção de pessoal na estruturação de um grupo antibombas é importante e deve identificar pessoas com características psicológicas, comportamentais, físicas e condutas sociais condizentes com a função. Destaca entre as condições gerais para a seleção ser funcionário público atuando na Polícia Militar ou Civil e ser voluntário para o treinamento e para o serviço explosivista policial. O candidato a ingresso é recusado de imediato caso não seja voluntário. Dentre as características psicológicas destaca a capacidade de julgamento e tomada de decisão, interação e sociabilidade, disciplina consciente e controle de impulsividade e agressividade.

Socialmente recomenda-se possuir uma vida discreta, não possuir antecedentes de uso desnecessário de força ou comportamento violento e não ter usado substâncias entorpecentes.

Para atuarem, os operadores antibomba são treinados e capacitados a desempenhar suas funções, atualizando seus conhecimentos. Os processos didáticos são diversos, mas todos conduzem o agente a agir durante a ocorrência, balizado por comportamentos e critérios técnicos que irão auxiliar a minimizar os possíveis danos.

4. APROXIMAÇÕES: ESPORTE – BOMBA

As pressões durante uma ação antibomba são extremamente estressantes, desgastantes e exigem autocontrole do operador. Segundo Elias e Dunning uma pessoa incapaz de controlar qualquer necessidade primária interior em decorrência de acontecimentos exteriores também é incapaz de harmonizar os impulsos insatisfeitos com os de satisfação, portanto sofrerá com as pressões vindas do interior. Este descontrole pode ocasionar falhas e erros nos alvos. Nesta toada, concluem que o aprendizado do autocontrole é uma condição humana universal.

O mesmo se aplica ao praticante de esportes de risco os quais integram em seu arcabouço da psique ferramentas que balizam suas ações. Tais ferramentas se traduzem no treinamento, conhecimento da técnica e/ou confiança no equipamento. Juntas permitem o praticante extravasar suas emoções num descontrole controlado, buscando realçar o gosto de viver através do risco.

Quando falamos em operações envolvendo explosivos, os agentes operadores ali estão prontamente para desconstruir aquele quadro de perigo e assegurar a tranquilidade pública. Utilizam de treinamentos especializados, equipamentos modernos e seguros, resultantes de um mecanismo de confiança para atuação. São pessoas que buscaram, nestes casos envolvendo bombas, uma oportunidade de sentir a excitação de estar frente a frente com o perigo, mesmo sabendo de sua iminência. Se o risco é controlado, se é percebido como um desafio contribui para o prazer da experiência. Uma experiência de aventura tenta ilustrar graficamente a relação entre o "risco (o potencial de perder algo de valor) e competência (uma combinação de habilidade, conhecimento, atitude, comportamento, confiança e experiência) na prática de uma atividade”.

Urbim e Sant’Ana fizeram uma relação dos esportes radicais mais perigosos e a probabilidade de morte:

QUADRO 1 – ESPORTES MAIS PERIGOSOS

ESPORTE PRATICANTES MORTOS A CADA MIL
Wing Walking 200 5
Big Wave Surf 1000 3
Free Style

Motocross

6000 1,8
Street Luge 1200 1,7
Heli-Skiing 7000 0,85
Base Jump 12000 0,83
Sky Surfing 10000 0,5
Montaria em Touro 12000 0,25
Paraquedismo 1 MILHÃO 0,12
Rafting 2 MILHÕES 0,001

FONTE: Urbim e Sant’Ana (2010)

 

Para Le Breton a prática dos esportes de aventura, os riscos assumidos e o gosto pelo “extremo” expõem o corpo a grandes esforços, ao perigo e à procura por sensações devido a relação durável e desgastante com o mundo. A paixão pelas atividades de risco surge da profusão dos sentidos que o mundo sufoca. Numa sociedade onde tudo é provisório, ocorre uma desestabilização do panorama social e cultural e traz para o indivíduo o medo ou o sentimento de vazio. A sociedade não oferece mais limites, então o indivíduo procura fisicamente os “extremos” buscando performances, proezas, velocidade, aumento do risco. “O contato bruto com o mundo através do uso das potencialidades físicas substitui o contato cauteloso que proporcionava o campo simbólico. Trata-se a partir daí de experimentar, às custas do corpo, a capacidade íntima de olhar a morte de frente sem fraquejar”.

Le Breton aponta que “O risco é uma noção socialmente construída, eminentemente variável...” tal como a atividade explosivista e os esportes radicais, são percebidos de formas distintas pelos seus aplicadores/praticantes. Diferentemente seria se o fizessem a corpo nu e desprovido de qualquer conhecimento prévio sobre o assunto. A blindagem construída através daquelas ferramentas oferece ao operador explosivista, similarmente as atividades do paraquedista, segurança. Segundo Le Breton “os perigos devidos ao exercício de uma profissão ou de uma prática são objeto de aprendizagem. O medo inicial dissipa-se pelas técnicas [...]”. Corroborando com tais análises Valentin e Cavichiolli demonstram que fugindo dos esportes “convencionais” venha a buscar o esporte visando eliminar as agruras do cotidiano, tal qual o agente que opera o desativamento de explosivos possa vir a buscar nestes atos suplantar o maçante cotidiano no atendimento de ocorrência policiais comuns no dia a dia de um policial militar (desentendimento  familiar, acidentes de trânsito, arruaça e outros) ou o paraquedista que se lança no espaço sem asas.

Esta tensão ocorrida no esporte de risco também pode ser observada no labor dos profissionais descritos. A imitação dos conflitos cotidianos refletidos nos casos envolvendo explosivos permite o prazer na excitação e a redução do medo nela também. Muito embora não possamos categorizar como sendo uma atividade de lazer, mas laboral como dita anteriormente, entendemos que ter escolhido vivenciar aquela atividade e sendo uma condição sine qua non (é uma locução adjetiva, do latim, que significa “sem a qual não”. É uma expressão frequentemente usada no nosso vocabulário e faz referência a uma ação ou condição que é indispensável, que é imprescindível ou que é essencial) para integrar o grupo voluntariado, assemelha tal atividade o desejo de buscar a excitação por meio dela.

Entre a iminência e o efetivo pouso seguro do paraquedas e da asa-delta transborda a felicidade da conquista. Nada parece tão prazeroso do que ter vencido o desafio e sobrevivido a imitação da situação real. Essa experimentação constrói o vício do uso continuado de tais experiências na busca de excitar-se a bel prazer. A catarse pode definir este momento como o desfecho da tensão produzida pelo evento, do confronto entre o esforço para atingir o resultado, surtindo um efeito regozijante e alegre. Este produto final nada mais é do que o restabelecimento da ordem dos sentimentos seguido da produção de sentimentos agradáveis.

Parece fazer sentido que os meios, situações de risco como as envolvendo explosivos, explicam os fins, prazer em findar a desordem produzida. O agente explosivista apesar de não produzir a ocorrência com bomba, da mesma forma que o paraquedista não controla o clima para saltar quando quer, mas se prepara para a oportunidade, assim como faz o agente antibomba. O aparato técnico que oferece suporte na resolução do problema inspira confiança na sua ação e permite vivenciar o prelúdio da morte até o ponto em que é sanada a ameaça. Referimo-nos ao momento morte assemelhado ao evento com bomba, pois em ambos a definição final não é previsível até que o ser desfaleça, e aqui não a mais o que fazer, ou que cesse.

Este momento compreendido entre a cessação do ápice da excitação até que o alicate corte o fio verde fazendo parar o cronômetro regressivo à explosão produzirá nada menos do que, assim como nos traz em sua conceituação médica de catarse, a purga das substâncias nocivas ao organismo, a tensão. A ilogicidade deste comportamento nos parece, também, tão irreal quanto saltar do avião sem ter “asas” para voar. Cada ocorrência de explosivo, cada chamado e cada artefato são únicos, pois são apresentados contextos políticos distintos, lugares, objetos, pessoas e tempos diferentes, ocasionando a quebra de uma possível rotina.


Figura 1. Artefato colocado em frente a hotel de luxo na capital do Egito/Cairo. G1 Paraná5, 2015.

 

 
Figura 2. Praticante de Base Jump sofre queda na Russia a 120m. Blog Caminhada na Trilha6, 2012.

 

A agradabilidade gerada pela vitória do conflito social imposto pelo artefato explosivo remete-nos ao momento do tocar os pés ao solo após excitante queda livre. A distinção conferida entre os seres parece fazer jus aos riscos de tal labor, assim como percorrer ultra maratonas em geleiras ou desertos confere ao agente a comenda da cura.

Cumprir com sua missão, salvar vidas, acabar com a tensão, distinguir-se dentre os demais e provar o sentimentodo memento moris (expressão latina de “lembre-se de que vai morrer” ou “lembre-se da morte”) denota o produto final da catarse do agente explosivista. Tal qual podemos observar nas figuras 1 e 2, a vertigem “[...] é um jogo com a existência cuja intensidade às vezes se paga com a queda, o acidente, a colisão ou a overdose” que, no entanto permite um intercâmbio simbólico entre a morte e a possibilidade de sentir a onipotência da existência se a “vitória” sobrevier.

Esta busca e voluntariedade contra o risco é evidenciada, também, quando verificamos que apesar das insatisfações com frustração e ressentimento pela falta de reconhecimento, baixos salários, condições de trabalho, qualidade de vida, inadequação de equipamentos, descontentamento com a justiça e por se sentirem quase permanente ameaçados os agentes de segurança pública continuam o enfretamento ao risco e em sua totalidade pressentem o risco profissional.

Minayo, Souza e Constantino0 verificaram que o risco percebido por policiais militares do Rio de Janeiro no exercício de sua profissão, dentro e fora do ambiente de trabalho, está presente nas folgas e no lazer, perfazendo 94,1% dos entrevistados que se dizem em risco fora do trabalho. Este fato revela, ainda que o próprio trabalho do agente de segurança pública seja de risco, segundo os autores, que o exercício da atividade profissional invade a vida social e pessoal, motivo pelo qual acreditamos que a percepção vivida pelo explosivista ao desativar um possível artefato explosivo, denote o caráter voluntário e prazeroso na execução e resolução de tais demandas.

Evidenciamos, mais uma vez, que os agentes explosivistas, assim como os praticantes de esporte de alto risco, não estão livres do sentimento de medo e tensão, mas são suplantados pelos fins que justificam sua prática e os meios para tal. Eles identificaram que “para o soldado o risco é rotina”, de tal forma não buscam sentir e ao contrário da prática de esporte de alto risco se satisfazem ao cessarem o clima de tensão quando da resposta positiva ao problema, assim como diante do salto em queda livre o paraquedista pousa ao chão os pés em segurança.

A noção do risco incorporado encontrado por Le Breton no qual praticantes de esporte de alto risco podem não senti-lo em razão de uma profissão e/ou pela prática demasiada, corrobora com os estudos de Lewis os quais identificaram que certos tipos de trabalho tornaram-se tão envolventes que têm se tornado o “novo lazer”. Esta noção se dá pelo fato de que longas horas de trabalho são uma escolha, em vez de obrigatórios, sendo sentidas como agradáveis. De acordo com Lewis o envolvimento social para determinados trabalhos produzem sensação de prazer, tornando-se fonte de autoestima.

5. CONCLUSÕES

A atividade explosivista parece assemelhar-se à prática de esporte de risco analisados sob a ótica dos conceitos de risco apresentados por Le Breton, bem como na construção de uma forma de excitação pelo gosto da profissão além da obrigação.

Em ambas as atividades verificamos pessoas que as buscam voluntariamente, mesmo que no exercício de sua função, refletindo situações do mundo real em um ambiente relativamente controlado, apresentam a euforia da excitação pela vivencia com aumento do prazer pela satisfação da tarefa e com a permanência do sentimento do medo e risco, apenas reduzido pela segurança das técnicas, equipamentos e treinamentos.

Culminam com a purga das substâncias de tensão produzidas no corpo físico e na mente, substituídas pelo regozijo da vitória e sentimento de felicidade. Acreditamos que seja importante a continuidade deste estudo com intervenções em campo buscando colher informações diretamente com os agentes explosivistas, descrevendo as experiências de quem as vivenciou. Seja nas atividades envolvendo desativação de explosivos ou práticas de esportes radicais percebe-se que “um pacto com a morte para viver melhor” podem justificar suas ações de forma assemelhada.

Por derradeiro, concluímos que o presente ensaio pode auxiliar a sociedade a compreender que os motivos que levam aqueles agentes a trabalhar com bombas, apesar de extremamente perigoso, encontram justificativa nos sentimentos aflorados pela catarse respaldados nos dispositivos legais que balizam suas atividades, assim como no seu dever de promover a manutenção da ordem pública. Mesmo que sejam julgados por sua atividade peculiar envolvendo risco, os profissionais que atuam neste labor possuem como objetivos, além dos pessoais, promover a segurança da sociedade.

A pesquisa colocou de forma superficial alguns conceitos sentidos pelos explosivistas e praticantes de esporte de alto risco denotando um campo a ser aprofundado em pesquisas posteriores, como dissemos introdutoriamente, este ensaio buscou teorizar aproximações entre as atividades.

REFERÊNCIAS

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1 Mestrando em Educação Física. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

2 Mestrando em Educação Física. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

3 Doutor em Educação. Departamento de Educação Física. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

4 Doutor em Educação. Departamento de Educação Física. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

5Disponível em http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/10/bomba-explode-ao-ser-desativada-e-fere-4-perto-de-piramides-do-cairo.html. Acesso em 23 fev. 16.

6Disponível em http://caminhanatrilha.blogspot.com.br/2012/07/paraquedas-nao-abre-mas-homem-sobrevive.html. Acesso em 23 fev. 2016.