EXERCÍCIO INTERVALADO DE ALTA INTENSIDADE E PRIVAÇÃO DO SONO

Francielle Hoflinger 1
Rafael Gomes Sentone 2
Ricardo Martins de Souza 3


RESUMO
Objetivo: verificar se existe alteração do desempenho no exercício intervalado de alta intensidade em razão da privação do sono em policiais militares, utilizando-se da pesquisa experimental, com 12 (doze) sujeitos, 07 (sete) homens e 05 (cinco) mulheres com idade 33,2±5,9 anos, os quais foram submetidos a um protocolo de exercício intervalado de esforço máximo, descansado e com privação do sono, constituído por 10 tiros de 8 segundos e recuperação ativa de 12 segundos, com 75% da carga determinada no teste de esforço. Foram registrados os níveis de PSE ao final do quinto e do décimo tiro; lactato sanguíneo foi medido antes e após 1 minuto do término do teste. Resultados: períodos de privação de sono relativamente longos (~24h) não produzem alterações na capacidade de realização de trabalho de sujeitos parcialmente adaptados a tal condição. Possivelmente a performance não seria influenciada, garantindo-se assim uma qualidade satisfatória de serviço.

Palavras-chave: Privação do sono. Exercício intervalado. Desempenho.


ABSTRACT
Objective: to determine whether there is change in performance in interval exercise high intensity because of sleep deprivation in military police, using the experimental research, with twelve (12) subjects, 07 (seven) men and five (05) women age 33.2 ± 5.9 years, who underwent an interval exercise protocol of maximum effort, rested and sleep deprived, consisting of 10 shots from 8/2 and active recovery 12 seconds, with 75% load determined in the stress test. the PSE levels at the end of the fifth and the tenth shot were recorded; blood lactate was measured before and after 1 minute of the completion of the test. Results: relatively long periods of sleep deprivation (~ 24 hours) did not produce changes in the ability of subjects to perform work partially adapted to such a condition. Possibly performance would not be affected, thus ensuring it is a satisfactory quality of service.

Keywords: Sleep deprivation. interval workout. performance.

 

 

A performance em atividades de alta intensidade pode ser influenciada por uma série de fatores, como nível de aptidão do indivíduo, estado nutricional, hidratação, reservas de substrato energético, entre outros (ROGATTO, 2002). Além destes, a relação entre o tempo de sono e vigília e a qualidade do sono também podem determinar parcialmente a intensidade e duração do esforço realizado (FULLAGAR, 2015) assim como aIPAQ PSQI CRONOTIPO Ativo Ins-Ativo Boa Ruim Mod-Mat Indif Mod-Vesp 3 9 4 8 1 8 3 percepção da dificuldade da atividade (MACHADO, 2010). Estudos têm indicado que durante um esforço máximo ou sub-máximo, associados à privação de sono, indivíduos relatam um maior esforço percebido (PSE de percepção subjetiva do esforço), sem no entanto ser verificada alteração na condução da tarefa quando comparada a uma situação de controle (FRIEDMAN, 2014)

Um estudo realizado com 35 bombeiros da Austrália divididos em dois grupos (com restrição de sono e sem restrição de sono) e analisados seu desempenho após suas atividades, indicou que eles superestimam a intensidade do exercício após períodos de privação de sono, no entanto demonstrando resultados similares aos indicados quando não privados de sono. Este comportamento pode ser explicado pelo fato de o organismo permanecer em estado de latência – alerta – diminuindo o metabolismo a ser ativado com a necessidade, demonstrando uma adaptação aos períodos sem sono (VINCENT, 2015).

Alguns estudos relacionaram um curto período de sono ou sua dessincronização a ganhos de peso, obesidade, diabetes e hipertensão, perda de performance no exercício, bem como ao aumento da taxa de mortalidade (GOEL, 2013; SENTONE, 2014).Segundo Friedman (2014) a privação do sono é um fator que pode causar alterações na performance e dificuldade de acesso as reservas energéticas. O autor sugere que alterações do sono podem causar interferências a nível cortical, fisiológico, perceptual e comportamental. O autor aponta que durante ou após a privação de sono, os participantes relataram um aumento do esforço percebido em tarefas de vigilância cognitivas, tarefas cognitivas complexas e tarefas cognitivas que envolvem trabalhos físicos, e que tiveram o sentimento de motivação diminuído com o aumento do esforço e ao longo do período de privação do sono (FRIEDMAN, 2014).

Souissi e colaboradores (2003) observaram que a privação do sono por 24 horas não parece interferir na potência anaeróbia e força muscular, no entanto, observaram modificações na performance após 36 horas sem dormir. Martin (1981) observou aumento na PSE em sujeitos privados de sono por 36 horas, parecendo haver uma relação inversa entre a privação de sono e o volume do exercício físico, o que sugere um mecanismo de proteção. Antunes (2008), após uma revisão da literatura verificou que deve-se então considerar que uma das alterações causadas pela privação do sono é o aumento na PSE, que por si só já representa um fator para diminuição e comprometimento do desempenho físico, e pode representar um elemento de “mascaramento” dos efeitos deletérios da privação. Uma explicação para tal fenômeno é conhecida como modelo psicobiológico da fadiga. Esse modelo demonstra uma relação entre a percepção do esforço e o desenvolvimento da tarefa, sendo que quanto mais cansado mentalmente o indivíduo estiver, maior será sua percepção do esforço na atividade desempenhada (SMIRMAUL, 2013; PLYLEY, 1987).

Essa situação de privação de sono e realização de esforço físico intenso pode ser bastante comum para alguns indivíduos, como policiais miIPAQ PSQI CRONOTIPO Ativo Ins-Ativo Boa Ruim Mod-Mat Indif Mod-Vesp 3 9 4 8 1 8 3litares em jornada de trabalho. Além desses, algumas atividades esportivas e recreacionais como ultramaratonas, corridas de orientação e corridas de aventura exigem a manutenção de um esforço por períodos relativamente prolongados (alguns dias), sendo que o sono pode ser drasticamente reduzido ou não realizado. Pessoas que trabalham em turnos (médicos, enfermeiros, motoristas) e que realizam exercício regular, podem decidir praticar tais atividades logo após o período laboral, o que pode gerar interferência na performance física. Para Antunes (2008) a literatura carece de estudos mais significativos nesse sentido, uma vez que se torna difícil encontrar sujeitos que se submetam as condições dos experimentos, assim como não há uma padronização dos protocolos experimentais.

Sendo assim, o presente estudo buscou identificar a influência da privação do sono na performance, indicadores fisiológicos de fadiga e PSE de policiais militares durante e após a realização de um exercício intervalado de alta intensidade (HIIEde high intensityintervalexercise). Tendo em vista que uma série de atividades recreacionais (ex.: atividade física após período de trabalho em turnos), competitivas (ex.: ultramaratona, corrida de aventura, corrida de orientação) e laborais (ex.: bombeiros, policiais, vigilantes) podem ser executadas em tais condições, os resultados aqui discutidos auxiliarão profissionais responsáveis em organizar sessões que envolvam esforço máximo e submáximo a definir melhores estratégias de manutenção da performance, indicar momentos adequados para sua prática e também como prever reduções de desempenho em atividades envolvidas no esforço realizado durante o trabalho.

1. MÉTODOS

1.1. AMOSTRA

No presente estudo foram avaliados 12 sujeitos jovens (33,2±5,9 anos; 1,7±0,1m; 75,8±14,6kg; 7 homens e 5 mulheres),aparentemente saudáveis. Todos foram informados dos procedimentos experimentais e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido aceitando o convite a participar do experimento. Sujeitos que relataram qualquer tipo de problema osteomuscular ou cardiorrespiratório, assim como lesões ou cirurgias recentes que poderiam interferir na performance da atividade, foram descartados.

1.2. PROCEDIMENTOS

Após receberem as informações necessárias sobre os procedimentos e realizarem as avaliações antropométricas, os participantes realizaram 4 testes em sessões diferentes, com um intervalo mínimo de 48 horas entre elas. Inicialmente (sessão 1) os sujeitos preencheram o questionário IPAQ (reduzido, PARDINI,2001), questionário de Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh (PSQI) (BERTOLAZI, 2008) e teste de cronotipo (HORNE e OSTBERG, 1976). Nessa mesma sessão foi realizada a determinação de carga máxima (MÁX). Uma bicicleta ergométrica com resistência eletromagnéticateve a intensidade da carga calibrada com uma escala de unidades arbitrárias para os testes de esforço. Os voluntários iniciaram o teste com carga zero no primeiro estágio, com rotação de 40 a 45 RPM. Após o primeiro estágio, a carga sofreu incrementos unitários e aumentos de 5 RPM a cada minuto. O teste foi finalizado quando os sujeitos não conseguiram manter a RPM pré-estabelecida com a respectiva carga.

A segunda sessão foi utilizada como ambientação ao teste. O exercício intervalado foi realizado com 10 tiros de 8 segundos, intercalados por recuperação ativa de 12 segundos em rotação livre, determinada pelo participante. A resistência do pedal foi estabelecida a 75% da carga determinada no teste descrito anteriormente (MÁX).

Na terceira e quarta sessões foi aplicado o protocolo do teste intervalado supramencionado em dois contextos distintos: logo após os sujeitos terem passado por privação do sono (PRI) por um período de ~24 horas e após um período de descanso (DES, dia comum). No período que precedia o teste em condição de privação do sono, os participantes foram instruídos a não cochilar ou consumir cafeína, álcool, ou grandes quantidades de açúcar durante o dia que antecede a avaliação. A ordem de execução das sessões (PRI-DES ou DES-PRI) foi randomizada em razão da performance obtida no teste inicial (sessão 1), onde o 1º, 3º, 5º, 7º, 9º e 11º resultados foram alocados na ordem PRI-DES e o 2º, 4º, 6º, 8º, 10º e 12º resultados na ordem DES-PRI.

Durante os testes das sessões 3 e 4 foram registrados os níveis de PSE ao final do 5º e do 10º tiro, por meio da escala OMNI-Ciclismo (SILVA, 2011). O lactato sanguíneo (LAC) foi medido utilizando um lactímetro (AccutrendLactate, ROCHE) imediatamente antes e 1 minuto após o término de todos os tiros do teste. Os parâmetros de esforço (% da frequência cardíaca máxima – FC; FCmáxima = 208 - 0,7 x idade) e trabalho realizado (rotação máxima por minuto do pedal - RPM) em cada um dos tiros, foram fornecidos por um frequencímetro (FS1, Polar) e pelo painel (MARCA E MODELO) da própria bicicleta, respectivamente. Ao longo de todo os testes (sessões 3 e 4) os indivíduos foram incentivados verbalmente pelos avaliadores, tentando influenciar positivamente a manutenção da alta intensidade do esforço pretendido.

1.3. ANÁLISE ESTATÍSTICA

Um teste de normalidade foi aplicado sobre os dados (Shapiro-Willks). Como os dados não apresentaram uma distribuição normal, análises não paramétricas foram utilizadas. Para verificar se houve influencia da privação do sono sobre a FC e o RPM em todos os tiros realizados, um teste de Friedman foi aplicado. Um teste de post-hoc foi aplicado para identificar onde essas diferenças ocorreram. Para identificar diferenças entre o LAC e a PSE entre as duas coletas, um teste de Wilcoxon foi realizado. Todos os testes foram aplicados com nível de significância de p≤0,05. Todos os procedimentos serão aplicados por meio do software SPSS 20 (IBM, EUA).

2. RESULTADOS

Todos os procedimentos experimentais foram conduzidos sem nenhuma ocorrência adversa. Os indivíduos relataram apenas o desconforto esperado com a realização de tal procedimento. Todos os valores são representados quanto a sua média e seu desvio padrão (media ±desvio padrão).

Os indivíduos que relataram realizar 150 ou mais minutos por semana de atividade física moderada ou vigorosa foram classificados como “ativo”, os que realizavam entre 11 e 149 minutos como “insuficientemente ativo” e valores menores que 10 minutos contínuos durante a semana como “sedentários”. A qualidade do sono foi avaliada por meio do somatório dos sete componentes que compõe o questionário PSQI (Qualidade subjetiva do sono; latência do sono; duração do sono; eficiência habitual do sono; distúrbios do sono; uso de medicação para dormir; disfunção durante o dia) sendo classificados em “boa”, “ruim” e “presença de distúrbio do sono”. Não foi identificado nenhum indivíduo com cronotipo tipicamente matutino ou vespertino e que por consequência poderia apresentar maior ou menor dificuldade com tais procedimentos experimentais. A tabela 1 resume os dados referentes ao nível de atividade física (IPAQ), índice de qualidade do sono (PSQI) e cronotipo.

Tabela 1 – Nível de atividade física (IPAQ), nível de qualidade do sono (PSQI) e cronotipo dos participantes.

IPAQ PSQI CRONOTIPO
Ativo Ins-Ativo Boa Ruim Mod-Mat Indif Mod-Vesp
3 9 4 8 1 8 3

Ins-Ativo: Insuficientemente Ativo; Mod-Mat: moderadamente matutino; Indif: Indiferente; Mod-Vesp: Moderadamente vespertino.

A tabela 2 identifica os resultados das variáveis referentes à percepção de esforço (PSE) e do estresse fisiológico (LAC) dos participantes do presente experimento, nas condições com (PRI) e descansado (DES) privação de sono.

Tabela 2 – Percepção de esforço (PSE) e concentração de lactato sanguíneo (LAC) durante o teste com (PRI) e descansado (DES) privação do sono.

  PRI DES
PSE-5 5,0±0,8 4,9±1,3
PSE-10 7,7±1,3* 7,0±1,7*
LAC-I 1,7±0,6 1,6±0,8
LAC-II 8,3±2,8** 9,2±3,3**

PSE-5: percepção subjetiva de esforço após o 5º tiro máximo; PSE-10: percepção subjetiva de esforço após o 10º tiro máximo; LAC-I: concentração de lactato sanguíneo imediatamente anterior ao início dos testes; LAC-II: concentração de lactato sanguíneo 1’ após o encerramento do teste;* diferença em relação ao PSE-5 (p<0,05); ** diferença em relação ao LAC-I (p<0,05).

A tabela 3 identifica os resultados das variáveis referentes à frequência cardíaca máxima (FC) e velocidade máxima (RPM) de cada um dos tiros executados, nas duas condições experimentais.

Tabela 3 – Percentual da frequência cardíaca máxima (FC) e velocidade máxima (RPM) em cada um dos tiros (1 a 10) durante o teste com (PRI) e sem (SEM) privação do sono.

  PRI DES   PRI DES
FC-1 76,5±5,8 72,3±8,3 RPM-1 169,1±22,3 168,1±32,7
FC-2 82,7±7,0 78,5±7,7 RPM-2 168,5±17,7 169,6±27,8
FC-3 86,2±7,4 83,1±9,6 RPM-3 165,8±17,6 166,5±27,8
FC-4 88,5±7,5 85,7±8,9 RPM-4 162,8±16,8 160,6±25,0
FC-5 89,6±6,9 88,5±7,5 RPM-5 157,8±17,1 157,2±22,9
FC-6 90,9±6,5 89,7±7,5 RPM-6 156,0±15,9 154,0±22,2
FC-7 92,2±6,1 91,7±7,6 RPM-7 153,4±14,8 152,4±20,3
FC-8 92,7±6,0 91,2±8,5 RPM-8 151,3±14,0 152,8±19,0
FC-9 93,6±5,6 92,1±8,1 RPM-9 152,2±16,6 153,5±18,0
FC-10 93,9±5,5 92,5±7,9 RPM-10 153,5±16,4 152,1±17,9

3. DISCUSSÃO

O objetivo do presente estudo foi o de avaliar os efeitos da privação do sono na capacidade dos indivíduos de realizar uma atividade intervalada de alta intensidade. Tendo em vista que várias atividades podem ser realizadas em tal contexto de privação do sono, como por exemplo, atividades desenvolvidas por policiais militares, é importante identificar quanto a qualidade do serviço desses trabalhadores poderia ser influenciada por tal condição.

Vaara e Vicent (2009, 2015) investigaram os efeitos na performance de 20 jovens cadetes e 32 bombeiros, respectivamente, em razão da privação de sono por período de 2 a 60h e 4h de sono, respectivamente. Os autores concluíram que os grupos que foram privados do período de sono (dormir) são menos ativos, tiveram aumento na vazão sanguínea pelo vago evidenciado pela diminuição do batimento cardíaco, bem como diminuíram a temperatura corporal durante a privação de sono.

Entretanto, nenhum dos estudos anteriores observou a interferência da privação do sono em variáveis fisiológicas e perceptuais de esforço, preocupando-se em controlar a influência do cronotipo, qualidade do sono e volume de atividades físicas realizadas pelos indivíduos. Sabendo que o nível de aptidão física, qualidade do sono e característica do ritmo circadiano podem influenciar no desenvolvimento da tarefa proposta em tais condições experimentais, acreditamos ser imprescindível controlar essas variáveis.

Quanto ao cronotipo, nenhum dos participantes foi classificado como tipicamente matutino ou vespertino (8 indiferentes, 1 moderadamente matutino e 3 moderadamente vespertino), reduzindo a possibilidade de que o cronotipo pudesse interferir no desempenho, especialmente na condição de privação do sono (PRI). Os sujeitos também demonstraram uma tendência de apresentar uma baixa qualidade do sono, sendo reportada em 8 dos 12 avaliados. O volume de atividades físicas semanais, que poderia influenciar o nível de aptidão física dos indivíduos, apresentou-se insuficiente (9 de 12) conforme classificação proposta por Matsudo et al. (2002) e CDC (2002). Sendo assim, é possível acreditar que o grupo apresente uma certa homogeneidade quanto as suas características, e que essas características pouco influenciariam o resultado da tarefa.

A atividade proposta foi claramente realizada em uma intensidade considerada alta em ambas as condições, tendo em vista a percepção do esforço (PSE) reportada ao final do teste (PRI 7,7±1,3 e DES 7,0±1,7). Entretanto não foram identificadas (p>0,05) diferenças entre as condições experimentais. O outro indicador do esforço realizado, o lactato sanguíneo, também apresentou valores considerados adequados para representar uma atividade de alta intensidade (PRI 8,3±2,8 e DES 9,2±3,3), e da mesma forma não indicaram influência (p>0,05) da condição experimental. Sendo assim, é possível concluir que a atividade escolhida foi adequada para o objetivo proposto pelo estudo e que as condições experimentais (DES e PRI) não influenciaram tais variáveis.

Em ambas as sessões experimentais (3 e 4) a atividade realizada teve característica similar (p>0,05) quanto ao trabalho (RPM) e percentual da frequência cardíaca máxima (FC) atingidos. Ficou claro que os indivíduos estavam motivados a executar cada um dos 10 tiros propostos com intensidade máxima, sendo possível identificar que a partir do segundo (PRI) e terceiro (DES) tiro a atividade já pode ser considerada de alta intensidade (>80%FCmáxima). Ao final do teste, em ambas as condições experimentais, a frequência máxima atingida ultrapassou os 90% preditos (FCmáx = 208 – 0,7 x idade). Estudos anteriores verificaram que em protocolos similares é esperado um esforço muito próximo ao identificado no presente trabalho.

Mueller et. al. e Jung (2015, 2014) ao analisarem os efeitos do treinamento de alta intensidade (HIT – high intensity training), dentre as constatações, verificaram que a frequência cardíaca após aqueles treinamentos são mais altas.

Tendo em vista que a atividade produziu uma exigência física próxima da máxima, e que todos os parâmetros utilizados para verificar tais fatores não apresentaram alterações entre as condições experimentais (DES e PRI), algumas hipóteses foram levantadas para explicar tais resultados.

Apesar da privação de sono verificada ter sido significativa (~24h), os indivíduos participantes estão razoavelmente adaptados a tal condição. Quando a entrevista foi realizada durante a fase de seleção da amostra, os indivíduos relataram que aproximadamente 2x/semana passam por um período de privação do sono. Entretanto, nem sempre a privação é tão longa, sendo geralmente ao redor de 12-14h e sempre no período noturno (geralmente entre 17h e 5h do dia seguinte). Acreditamos que mesmo esta privação reduzida em relação à utilizada no presente estudo, e que ocorre de forma esporádica, pode ter propiciado uma condição nos indivíduos que permitiu uma melhor assimilação fisiológica e perceptual do esforço realizado em nosso experimento.

Souissi e colaboradores (2003) observaram que a indivíduos que executaram o teste de Wingate, associado à privação do sono por 24 horas, também não tiveram alteração na performance, assim como encontrado no presente estudo.

Além dessa relativa adaptação à condição de privação pela qual suspeita-se que os indivíduos do presente estudo tenham passado, as atividades realizadas no período em que eles permanecem acordados durante a madrugada exigem pequeno esforço físico e desse modo, somam pouca fadiga ao período de privação. Os sujeitos realizavam atividades de patrulhamento, em veiculo motorizado, com uma frequência muito baixa de atividades físicas. Sendo assim, apesar da privação do sono gerar um provável aumento no nível de cansaço ao final da jornada de trabalho (não mensurado), a magnitude de tal cansaço pode não ter sido suficientemente grande a ponto de interferir no desempenho dos testes e nas variáveis fisiológicas medidas.

Dessa forma os resultados do presente estudo permitem inferir que períodos de privação de sono relativamente longos (~24h) não produzem alterações na capacidade de realização de trabalho de sujeitos parcialmente adaptados a tal condição. Mesmo que fosse necessária a realização de um esforço próximo ao máximo durante essa atividade laboral, acredita-se que a performance não seria influenciada, garantindo-se assim uma qualidade satisfatória de serviço. Entretanto, não é possível predizer como pessoas não adaptadas a tais condições responderiam ao mesmo protocolo experimental, ou mesmo se pessoas adaptadas, mas que realizam esforço físico substancialmente maior durante o período de privação demostrariam os mesmos resultados. Estudos futuros são sugeridos para verificar tais condições.

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1 Graduado em Educação Física
2 Graduado em Educação Física
3 Doutor em Educação Física.