A LEI Nº 11.340/06 E SUAS REPERCUSSÕES NA ADMINISTRAÇÃO DA DELEGACIA DA MULHER DE LONDRINA

Paula Francinete Rodrigues Nunes 1

 

RESUMO: O presente trabalho visa demonstrar, mediante estudo doutrinário e prático, as mudanças que a Lei 11.340/06, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, trouxe para o âmbito do funcionamento das delegacias especializadas no atendimento à mulher, ou onde essas não existam, a todas que façam esse atendimento. A citada lei tem como escopo dar uma maior e efetiva punição aos crimes de violência doméstica e familiar. Na esfera do funcionamento das delegacias esta lei tem como principal alteração à vedação da aplicação da Lei 9.099/95, lei dos juizados especiais, conseqüentemente aboliu o termo circunstanciado de infração penal, reativando o instituto do inquérito policial para apuração desses crimes, o que possibilita a formalização da prisão em flagrante, quando presente o estado de flagrância. Assim, vê se que estas mudanças repercutem na administração e na forma dos procedimentos policiais de competência dessas delegacias, aumentando sensivelmente seus serviços. Destacando, em específico, a Delegacia da Mulher de Londrina, sua situação atual e s mudanças necessárias para aplicação da nova lei.

PALAVRAS-CHAVE: Gestão em segurança pública – Delegacia da Mulher – Lei nº 11.340/06.

 

1. INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher sempre esteve presente em todas as sociedades, independente de raça, cor, religião e classe social.

A grande mudança foi que com o desenvolvimento da mulher perante a sociedade, exercendo cada vez mais fortemente seus papéis, essa violência passou a não ser aceita.

Mas mesmo não sendo aceita ela existe, é tolerada e praticada em cada canto de nossa sociedade.

A criação de uma delegacia especializada em tratar dessa violência é um grande avanço. Porém não é suficiente, porque não é efetiva.

A situação dessas delegacias não é adequada, não há o suporte necessário para garantir um bom atendimento e apuração dos crimes.

Mas a sociedade vê cada vez mais a necessidade de se proteger as mulheres, e a pressão contra a impunidade daqueles que praticam violência contra a mulher foi tamanha, que resultou na Lei nº. 11.340/06, que disciplina mais gravemente essas condutas tratando de forma mais severas os agressores.

Diante disso, o presente artigo trata de analisar as mudanças introduzidas no ordenamento jurídico por esta lei, que foi publicada em de 08 de agosto de 2006, entrou em vigor em 22 de setembro, e dispõe sobre a violência doméstica e familiar, e suas repercussões na administração estratégica da Delegacia da Mulher, em especial na Delegacia da Mulher de Londrina.

A novíssima Lei, conhecida também como Lei Maria da Penha, em homenagem a uma das vítimas da violência masculina contra a mulher no Brasil, trouxe muitas inovações no trato da questão da violência doméstica e familiar, destacando-se como principal, a proibição da aplicação da lei 9.099/95 (que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais) a todas as infrações penais decorrentes de violência doméstica e familiar independente da quantidade da pena prevista.

Esta e outras mudanças, inseridas pelo novo diploma legal, trouxeram inúmeras repercussões na administração da Delegacia da Mulher.

Assim, a presente pesquisa objetiva demonstrar as mudanças necessárias na administração estratégica da Delegacia da Mulher de Londrina, a fim de tornar efetiva esta lei e dar mais credibilidade aos serviços prestados por este órgão público.

 

2. A DELEGACIA DA MULHER

2.1 Aspectos Históricos

Antes da criação das Delegacias da Mulher, e assim ainda o é nos lugares onde não existe esse órgão público, os crimes de violência à mulher eram atendidos por policiais do sexo masculino, em distritos policiais comuns. Assim, havia muitas reclamações das mulheres no sentido de que eram mal atendidas em suas demandas, que raramente eram reconhecidas e registradas.

Isso, em razão da natureza histórica e cultural da violência contra a mulher ou “violência de gênero”, expressão usada por traduzir as desigualdades, as opressões, dominações e discriminações a que as vítimas dessa violência estão submetidas.

A criação das Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher, ou Delegacias da Mulher teve como mola propulsora o movimento feminista e de mulheres, que, na década de 70 a 80, em razão dos crimes de homicídios praticados contra a mulher e da falta de punição dos assassinos passaram a denunciar, protestar e reivindicar punições através de manifestações, campanhas, acompanhamentos a julgamentos.

Dessa forma foram criados os Coletivos – SOS, espaços onde as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar faziam reflexões sobre sua condição feminina, recebiam atendimento multidisciplinar, enfatizando a necessidade da criação de serviços públicos para combater esse tipo de criminalidade.

Essa movimentação pressionou o governo a desenvolver políticas públicas de combate à violência contra a mulher, iniciando-se com a implantação dos conselhos de atendimento a mulher e, logo em seguida, das Delegacias da Mulher.

A partir de 1985, foram criadas no âmbito da Segurança Pública, as Delegacias da Mulher, rompendo, o governo, com a resistência de vários delegados de polícia que se manifestavam contra.

A primeira a ser criada foi em São Paulo, no governo de Franco Montoro, no dia 6 de agosto de 1985, mediante o Decreto nº. 23.769. Seguidas de Rio de Janeiro, Minas Gerais e demais Estados da Federação.

Em se tratando de direitos da mulher a criação dessas delegacias, foi a maior conquista para torná-los efetivos. Essa idéia conquistou o mundo servindo de exemplo para a criação de instituições semelhantes em outros países. Atualmente, existem cerca de 400 (quatrocentas) unidades espalhadas pelo país.

Destarte, apesar da evolução na oferta dessas delegacias, ainda há insuficiência, se considerarmos que apenas 10% dos mais de cinco mil municípios brasileiros possuem esse serviço público de combate à violência de gênero. “A distribuição das delegacias no território nacional é absolutamente desigual:61% no Sudeste; 16% no Sul; 11% no Norte; 8% no Nordeste e de 4% no Centro-Oeste” (GOVERNO DE LONDRINA, 2006).

Além do que, o aumento do número de delegacias não foi acompanhado por melhoria das condições de trabalho.
 

2.2 Objetivos na Implementação dessas Delegacias

Basicamente, o objetivo dessas delegacias, é garantir tranqüilidade às mulheres vítimas de violência.

As funções dessas delegacias são as mesmas que as de qualquer outra se constituindo na investigação, prevenção e repressão dos delitos. O diferencial está no quão delicada é a situação de uma mulher agredida, que precisa ser atendida em um ambiente diferente, de preferência por mulheres que melhor entendem sua situação.

Entre as infrações penais atendidas pelas Delegacias da Muller, destacam-se alguns crimes: lesão corporal, perigo de contágio venéreo, perigo de contágio de moléstia grave, constrangimento ilegal, ameaça, cárcere privado, estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude, assédio sexual, corrupção de menor, rapto violento mediante fraude, injúria, calúnia e difamação, violação de domicílio, dano, maus tratos, abandono de incapaz, perigo para a vida ou saúde de outrem, aborto provocado por terceiro. Algumas Delegacias atendem também o delito de homicídio.

Além do que, essas delegacias não buscam apenas apurar os fatos, definir os infratores e preparar as provas para um posterior processo e condenação. Objetivam também auxiliar as mulheres agredidas, seus autores e familiares a encontrarem o caminho da não violência, através de trabalho preventivo, educativo e curativo efetuado pelos setores psicológico, social e jurídico visando o rompimento do ciclo de violência a que estão submetidas, mesmo porque geralmente a mulher agredida decide continuar convivendo com o agressor precisando estar preparada psicologicamente para isto.
 

2.3 Implementação das Delegacias da Mulher no Estado do Paraná

A primeira Delegacia da Mulher do Estado do Paraná foi criada em Curitiba, no dia 04 de novembro de 1985, no governo de José Richa, através do Decreto nº. 5.385, publicado no Diário Oficial do Estado nº. 2.149, de 5 de novembro de 1985, órgão integrante da Polícia Civil. Administrativamente, subordinada diretamente a Divisão de Polícia Especializada.- DPE.

No ano de 1986, no governo de Álvaro Dias, foram criadas as Delegacias da Mulher de Londrina, de Maringá, Ponta Grossa, Cascavel e Foz do Iguaçu.

Atualmente existe no Estado do Paraná 13(treze) Delegacias da Mulher, além de alguns Setores de Atendimento Especializado.

2.4 A delegacia da mulher de Londrina

A delegacia da mulher de Londrina foi criada em 26 de setembro de 1986, através da Resolução nº 272 /86 do Secretário do Estado Jesus Sarrão, que em seu preâmbulo define que, “considerando a necessidade de se viabilizar as condições técnicas e operacionais, com vistas ao atendimento das infrações penais que vitimizam a mulher, na área territorial do município de londrina”.

Sendo que, está subordinada administrativamente a 10ª. Subdivisão Policial de Londrina e a Divisão Policial do Interior com sede em Curitiba – PR e “poderá contar em sua estrutura funcional com recursos humanos especializados para a assistência psicossocial das pessoas atendidas, consoante acordos, ajustes ou termos de cooperação de interesse recíproco com entidade públicas ou privadas”. (art. 1º e 2º da Resolução 276/86).

2.4.1 Diagnóstico das Condições Internas e Externas da Delegacia da Mulher de Londrina

A delegacia da mulher de Londrina não possui sede própria é sediada em uma casa alugada pelo Estado, sita á Rua Goiás nº. 287-Centro.
Seu horário de funcionamento, como as demais delegacias especializadas e distritos policiais, é de segunda a sexta-feira das 08:30 às 18:30 horas.

Durante a noite, finais de semana, e feriados as ocorrências de violência contra a mulher e afetas as demais unidades policiais são atendidas pela Delegacia de Plantão na sede da 10ª. SDP que funciona 24 horas, utilizando-se dos recursos humanos dos distritos policiais e das delegacias especializadas, inclusive a delegacia da mulher, concorre às escalas de plantão na 10ª..SDP.

A Delegacia da Mulher de Londrina tem como base territorial todo o município de Londrina, área urbana e rural, destacando-se os distritos de Lerroville, Irerê, Espírito Santo, Warta, Maravilha e também o município de Tamarana, ao passo que os distritos policiais, em número de seis, atendem os crimes ocorridos dentro de determinada área geográfica do município e contam com o auxílio da delegacia de homicídio e da delegacia operacional, nos crimes de autoria desconhecida e de maior repercussão.

No tocante a recursos humanos conta atualmente com cinco funcionários sendo uma delegada, uma escrivã, dois investigadores e uma estagiária de direito contratada. Não possui atendimento multidisciplinar (psicólogas assistentes sociais, advogados).

No tocante a recursos matérias (equipamentos, transportes, comunicação, proteção, armamento e informática), – conta com 04 (quatro) computadores em rede, uma impressora laser em rede, duas linhas telefônicas, um fax símile, uma viatura caracterizada. Está interligada a rede de informática (intranet, internet, infonseg). Não possui rádio comunicador, viatura descaracterizada, armamento próprio, vigias, coletes a prova de bala e carceragem (custódia de presos).

Ainda, não oferta curso de capacitação ou treinamento especializado aos seus funcionários. Não recebe verba de manutenção, sendo que, sua manutenção é feita através do fundo rotativo, centralizado na 10º. SDP. Recentemente ocorreu a descentralização, a partir de agora passará a ter verba própria de manutenção, tal reestruturação ainda não foi plenamente ativada.

Quanto às condições externas tem-se como primordial à rede de apoio fornecida pelo município, destacando-se a Secretaria Municipal da Mulher; o Centro de Atendimento a Mulher (CAM) que oferece atendimento multidisciplinar como assistência psicológica, social e jurídica às mulheres em situação de violência; a casa de abrigo Canto de Dália que acolhe temporariamente as mulheres e os filhos que estejam correndo risco de morte; o Programa Rosa Viva que presta atendimentos médico, social, psicológico e jurídico para as mulheres vítimas de violência sexual; o Programa Sentinela que oferece apoio psicossocial às adolescentes vítimas de violência sexual, e o Conselho Tutelar.

Está em processo de captação de recursos, pelo CAM, o programa relacionado à educação e reabilitação do agressor, conforme incentiva a Lei Maria da Penha.

No Brasil, o sistema de trabalho em redes, é de suma importância no combate a violência de gênero. Representa uma possibilidade para sustentação das organizações que tratam desse tipo de violência, visto que oportuniza um entrelaçamento entre as instituições, com vistas à unificação e consecução dos objetivos, à manutenção de padrões de qualidade, de cooperação e de trocas. Aumentando, portanto, a eficácia da atuação governamental e não governamental.

Para Bandeira e Almeida (2004, p. 117), “Nos últimos tempos, essa forma de organização dos movimentos sociais de mulheres tem servido de inspiração para que muitas instituições públicas reorientem sua atuação na sociedade, diante de um mundo cada vez mais em crise”.

Destaca-se que:

Os laços entre a empresa e a sociedade podem ser fortalecidos e direcionados para o desenvolvimento por meio de uma adequada gestão da sua rede de stakeholders, compreendendo seus proprietários e acionistas e dirigentes, seus funcionários, seus fornecedores, outras empresas e organizações coligadas ou parceiras, o público alvo de suas ações de responsabilidade social, seus clientes e consumidores de modo geral e as populações afetadas pela sua atuação. (FRANCO, 2006)

3. ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA DE ÓRGÃOS PÚBLICOS.

3.1 Conceito

Conceitua-se administração estratégica como um processo evolutivo e interativo, que tem como escopo uma organização como um conjunto integrado ao seu meio ambiente. Envolvendo membros de diversas áreas e diferentes níveis de estruturação, assegurando à organização resultados continuados e antecipando eventuais surpresas.

Segundo Carvalho (2000) “Neste sentido, a administração estratégica pode ser resumida em etapas inter-relacionadas e interdependentes, que a alta administração deve realizar e apoiar”.

Destacando-se como fundamental na administração estratégica, a elaboração de planejamentos estratégicos, que se constituem num instrumento de decisão unificado, integrado e dinâmico, que descreve o propósito da organização em termos de valores, missão, metas e ações; as condições do ambiente interno e externo da organização; a forma de modificá-las com vistas ao seu fortalecimento diante das ameaças, engajando todos os recursos internos da organização e de todo o público-alvo, para a consecução dos seus fins.

O planejamento estratégico deve ser constantemente revisado e monitorado visando adaptá-lo às mudanças do meio ambiente.

Esse modelo de administração fundamentado no planejamento estratégico é mais usado no setor privado registrando em práticas bem sucedidas, entretanto com algumas adaptações e adequações vem sendo aproveitado na administração dos órgãos públicos visando à modernização e melhoria dos serviços prestados pelo Estado.

O planejamento estratégico nas organizações públicas é de suma importância na prestação de serviços públicos de qualidade, de forma contínua e duradoura, às gerações presentes e futuras, pois “é feito com base em uma visão para o futuro - e mais importante ainda, em uma estratégia para chegar lá”. (ALDAY, 2006)

Nesse contexto, “o futuro que se deseja é um Estado efetivo, que acredita-se possível, com excelência organizacional”.(CARVALHO, 2000)

Em vista a criminalidade cada vez mais crescente no Estado, se faz necessário que as instituições públicas de combate à violência, no caso específico a Polícia Civil, se planeje de forma estratégica com vistas a enfrentar desafios, a evoluir e a continuar existindo.

Para isso é premente: a substituição do estilo arcaico de administrar, substituindo o autoritarismo e a indiferença, pela cooperação mútua, liderança, autonomia e responsabilidade; a conscientização de que as ações voltadas ao aprimoramento da instituição devem envolver toda a organização de modo a obter um comprometimento estratégico; a mudança de mentalidade, a extinção de preconceitos e discriminações, a identificação de líderes, dentro da corporação; a participação, não apenas dos funcionários, mas também aberta ao ambiente externo, recebendo e analisando todas as informações que possam ajudar na implantação da administração estratégica da instituição, o que exige, naturalmente, a superação de interesses individuais conflitantes, amadurecimento, preparação e desenvolvimento de todo o efetivo que integra a corporação.

3.2 Administração Estratégica Na Delegacia da Mulher

Pelo que foi explanado sucintamente, vislumbra-se que a administração estratégica se constitui em um processo longo, contínuo e dinâmico que tem como base a interação do grupo visando alcançar metas pré-estabelecidas e enfrentar os desafios advindos por força de mudanças no ambiento externo e interno.

Assim, evidencia-se que no âmbito da Policia Civil como um todo e em especial nas delegacias especializadas no atendimento a mulher, não há uma administração estratégica, conforme a conceituada acima. Razão pela qual está encontrando dificuldades para enfrentar as mudanças introduzidas pela nova lei.

Não havendo um trabalho em conjunto, cada órgão procura estabelecer suas próprias metas para melhor atuar. No âmbito da Delegacia da Mulher de Londrina foram tomadas algumas medidas estratégicas visando aplicação da “Lei Maria da Penha”, que serão demonstradas a seguir, em momento mais oportuno.

 

4. A LEI Nº 11.340/06

4.1 As Mudanças Introduzidas no Sistema

A Lei 11.640/06 introduziu várias inovações no Sistema Jurídico penal e processual, destacando-se algumas delas que dizem respeito diretamente à atividade policial.

A referida Lei “criou a categoria jurídica denominada mulher em situação de risco” (LEAL, 2006), conceituando, em seu art. 5º, a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III- em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

A nova lei instituiu medidas protetivas de urgência que poderão ser aplicadas pelo juiz ao agressor quando constatada a prática de violência doméstica e familiar contra mulher, disciplinadas no art. 22, como por exemplo, a suspensão da posse ou restrição do porte de armas; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, entre outras.

Ainda, que para garantir sua aplicação de urgência o juiz poderá requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.(art. 22, § 3º).

Os artigos 23 e 24 relacionam algumas medidas protetivas de urgência em relação à ofendida, dentre elas: a recondução da ofendida e seus dependentes ao respectivo domicílio, após o afastamento do agressor; a restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; a suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor.

Dispõe a Lei que em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, após o registro de ocorrência, além de outras providências, deverá a autoridade policial, de imediato, encaminhá-la aos exames periciais necessários, tomar a termo a declaração da ofendida noticiando o fato de forma sucinta, qualificando-a e também ao seu agressor e dependentes menores. Fazendo consignar a sua representação nos casos em que a lei exige, desde que a vítima tenha interesse.

Deve também lhe dar ciência das medidas de proteção existentes a seu favor, constando do termo de declaração às medidas especificas que a ofendida de deseje. Em seguida este termo é enviado ao juiz, no prazo de 48 horas, juntamente com o boletim de ocorrência e cópia dos documentos pessoais da ofendida e seus dependentes, conforme necessário. Para que o magistrado, em igual prazo, manifeste-se a respeito (art. 12, I e IV e § 1º).

Além disto, determina que a autoridade policial deverá entre outras providências, garantir a proteção da mulher; encaminhá-la ao hospital ou posto de saúde; fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro quando houver risco de vida (art. 11, III) e, se necessário, acompanhar a ofendida para retirar seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar (art. 11, IV).

O novo diploma legal tem como mais expressiva alteração, a proibição da aplicação da lei 9.099/95 independente da pena prevista (art. 41). Instituiu os Juizados de Violência Doméstica e Familiar com competência civil e criminal a serem criados pela União, no Distrito Federal e Territórios e pelos Estados, com competência para processar, julgar e executar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 14), vedando-se a aplicação de penas de cestas básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa (art. 17).

As principais conseqüências da não aplicação da lei 9.099/95 aos crimes de violência doméstica são:

a) A violência doméstica familiar deixou de ser considerada crime de menor potencial ofensivo;

b) aboliu o Termo Circunstanciado de Infração Penal - (TECIP), procedimento abreviado utilizado anteriormente pela Polícia para a apuração da maioria das infrações penais decorrentes de violência doméstica e familiar à mulher;

c) não é mais exigida a representação da ofendida para iniciar investigação do crime de lesão corporal leve, que volta a ser de ação pública incondicionada nos termos do Código Penal (CP), constituindo-se um dever da autoridade policial a apuração do fato, independente da vontade da ofendida;

d) o resgate da figura do inquérito policial, procedimento de investigação mais completa, de competência exclusiva do delegado de polícia para apurar todos os crimes de violência doméstica e familiar, surgindo à obrigação do delegado de polícia de autuar em flagrante o agressor, quando presente o estado de flagrância.

Determina a Lei, que em qualquer fase do inquérito policial, caberá o delegado de polícia representar ao juiz pela decretação da prisão preventiva do agressor, desde que satisfeita os requisitos legais (art. 20) e ainda nos
termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (art. 42).

Outra inovação da Lei que merece destaque vem prevista no art. 44 e diz respeito ao crime de lesão corporal leve, na hipótese prevista no art. 129, § 9° do Código Penal (CP), “se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”, a pena foi majorada passando a ser de três meses a três anos de detenção. Houve ainda o acréscimo de um parágrafo ao art. 129 do CP, o de número 11, para descrever que a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência física.
 

4.2 Repercussões da Lei na Administração da Delegacia da Mulher de Londrina

Em decorrência dessas mudanças, aumentaram-se os serviços das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, em especial, da Delegacia da Mulher de Londrina, que além dos registros das ocorrências, elaboração de Termos Circunstanciados de Infração Penal nos casos em que não se caracterize violência doméstica e familiar nos termos da lei, terá que instaurar inquéritos policiais em todas as infrações penais resultantes de violência doméstica e familiar, solicitar medidas protetivas de urgência, elaborar autos de prisão em flagrante quando presente o estado de flagrância, além de outras atividades inerentes ao cumprimento de sua missão.

Sendo que, a sua estrutura material e humana existente, já era insuficiente para o atendimento às mulheres vítimas de violência, quando a maioria dos crimes de violência doméstica e familiar recaia sob a lei 9.099/95, o que dizer desses recursos após a vigência da Lei 11.340/06, que aumenta o número de procedimentos a serem realizados em relação a cada ofendida e modifica a sua forma.

Considerando que o número de registro de ocorrências mensais é em média de 240 (duzentos e quarenta), sendo na maioria de lesão corporal leve e ameaça, antes apurados por meio de TECIP, hoje, os são mediante inquérito policial.

Desta forma, o fato é que a lei está em vigor e tem que ser aplicada sob pena de responsabilidade, restando à gestora da unidade, empreender ações estratégicas com o fito de captar recursos materiais e humanos, viabilizando a capacitação, motivação e integração dos recursos humanos existentes, fomentando a integração da equipe da delegacia com a rede de apoio existente no município, visando dispensar um atendimento de qualidade à mulher vítima de violência.

Em termos práticos, visando gerenciar a crise decorrente do aumento de serviços na Delegacia da Mulher de Londrina, face às inovações introduzidas no sistema penal pela Lei Maria da Penha, foi solicitado à contratação, através do GARH (Grupo Auxiliar de Recursos Humanos) da Polícia Civil em Curitiba, de estudantes de direito para estágio extracurricular não remunerado que juntamente com a estagiária remunerada estão sendo treinados para o registro das ocorrências, tomada de declarações das vítimas, encaminhamentos formais aos órgãos que oferecem atendimento multidisciplinar (psicológico, social e jurídico).

De maneira que quando a mulher chega na delegacia, após o registro da ocorrência já é tomado de imediato as suas declarações, corroborando o que fora noticiado no boletim de ocorrência, arrolando testemunhas eventualmente existentes, fazendo constar da declaração, quando for o caso, se deseja representar e as medidas de proteção de urgência que a vítima requeira.

Na mesma ocasião, utilizando-se de modelos padronizados, providenciam o encaminhamento da vítima para exames periciais necessários e para atendimento psicossocial junto à rede de apoio. Bem como elaboram de pronto o ofício, passando o expediente para delegada que o encaminha à Justiça em 48 horas, através dos investigadores.

Na seqüência, a delegada instaura inquérito policial para apuração do fato, através de Portaria passando o expediente para a escrivã de polícia para registro, autuação e cumprimento das determinações.

Para auxiliar os serviços, principalmente de cartórios, ou seja, elaboração de inquéritos policiais, autos de prisão em flagrante e demais atividades da escrivã, foi solicitado à chefia da Subdivisão, uma escrivã ou algum outro servidor com experiência em digitação, entretanto, há de se considerar que na atual conjuntura, todos os órgãos da Polícia Civil estão desfalcados de recursos, principalmente humano.

Por esta razão foi solicitado ao governo local que disponibilize uma funcionária daquele órgão com experiência em digitação. No aguardo.

Também, foi solicitada ao Delegado Geral Adjunto uma viatura descaracterizada para uso de investigações principalmente de crimes de estupro e, junto à Coordenadoria de Informática, a abertura de um site específico da Delegacia da Mulher de Londrina visando à informação e comunicação com a sociedade.

Objetivando um melhor acolhimento à vítima e motivação dos funcionários, a Delegacia está sendo reformada através de verbas disponibilizadas pelo Fundo Rotativo da Polícia Civil, bem como estão sendo adquiridos pela Subdivisão Administrativa Auxiliar (SAA) e FUNRESPOL (Fundo Especial de Reequipamento Policial) a aquisição de móveis novos para uso da delegacia. Assim como, está se viabilizando junto ao Centro de Atendimento a Mulher, o oferecimento oficinas de capacitação aos funcionários da Delegacia.

Entretanto, no que pese todas essas ações empreendidas estarem surtindo efeito, as dificuldades ainda são muitas e muitas estratégias ainda devem ser implementadas para que o trabalho feito na Delegacia da Mulher de Londrina seja um espelho real dos fins almejados pela lei.

 

5. PROPOSIÇÃO

Diante da conjuntura atual, propõe-se:

Sejam imediatamente contratadas 10 (dez) estagiárias de direito para prestar serviços exclusivamente na Delegacia da Mulher de Londrina, ganhando um salário mínimo mensal. Salientando que tal solicitação fora feita ao G. A. R. H, e que o termo “exclusivamente” tem como escopo evitar migrações para outras delegacias como tem ocorrido na prática.

Seja instituído, pela Escola Superior de Polícia Civil, na grade curricular dos cursos de formação técnica de todas as carreiras policias, palestras sobre a violência contra a mulher, direcionadas a reflexão da desigualdade entre os gêneros, dos aspectos psicológicos, sociais e culturais que integram esse tipo de violência.

Seja instituído, no Estatuto da Polícia Civil, como condição para promoção de classes, que todos os policiais civis de base prestem serviços por um período, no mínimo de dois anos, em Delegacias da Mulher;

Seja promovido, periodicamente, pela Escola Superior de Polícia Civil, cursos de capacitação para as/os policiais civis que trabalham com a violência de gênero, estendendo-se gradativamente a todos os policiais civis.

Seja instituída, na estrutura organizacional da Polícia Civil, a Divisão de Polícia da Mulher, a nível das subdivisões existentes, chefiada por uma delegada de polícia de 1ª. Classe com experiência em delegacia da Mulher. Órgão a que todas as delegacias da mulher sejam subordinadas administrativamente de forma direta, com atribuições, entre outras, de promover a interação das Delegacias da Mulher com a Secretaria Nacional de Segurança pública, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Secretaria Estadual de Segurança Pública e demais órgãos da Segurança Pública; promover a articulação das delegacias da Mulher com a rede de apoio existente; criar, coordenar e administrar o banco de dados sobre a violência de gênero; Promover a criação e ampliação do número de delegacias e implementação das existentes; incentivar e apoiar a elaboração de planejamentos estratégicos pelas delegacias da Mulher.

 

6. CONCLUSÃO

Em suma, a principal mudança trazida pela Lei nº. 11.340/06 foi a de abolir o Termo Circunstanciado de Infração Penal (Lei nº 9.099/95), procedimento investigatório abreviado usado para apurar infrações penais decorrentes de violência domestica e familiar cuja pena não ultrapassasse dois anos ou multa, e resgatar a figura do Inquérito policial, procedimento de investigação mais completo, de competência exclusiva do Delegado de Polícia, para apurar toda e qualquer infração penal perpetrada no contexto doméstico e familiar, independentemente da pena prevista.

Sendo que, em decorrência dessa mudança, houve um acréscimo significativo dos serviços prestados pelas Delegacias da Mulher, as quais, apesar de terem sido criadas há vinte e um anos, por falta de planejamento estratégico da Instituição Polícia Civil, do preconceito enfrentado por essas delegacias dentro da corporação e pelo descaso da alta administração, continuam desfalcadas em sua estrutura material e humana, podendo, essa mudança no ambiente externo provocada pela lei, afetar a qualidade dos serviços, diminuindo a sua credibilidade social.

É notório que a criação das Delegacias da Mulher e a Llei Maria da Penha constituem, sem dúvida, grandes avanços na luta pela erradicação da violência contra a mulher, entretanto, por si só não bastam é necessário torná-las efetivas.

Diante desta problemática, cabe ao gestor de cada unidade policial especializada no atendimento a Mulher, empreender ações administrativas estratégicas visando aplicar a lei 11.340/06 em sua integralidade, garantindo, assim, a tranqüilidade das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar e, também fora desse contexto, ou seja, aquelas praticadas contra a mulher, no trabalho, nas instituições educacionais, nos serviços de saúde ou em qualquer outro local, por qualquer pessoa.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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1 Delegada da Delegacia da Mulher de Londrina-PR, Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina -UEL, graduada pela Universidade Federal do Pernambuco - UFPE.