A NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DIFERENCIADA PARA O EFETIVO DAS DELEGACIAS ESPECIALIZADAS

Itiro Hashitani1

 

RESUMO: A baixa recuperação dos veículos furtados e roubados, entre os principais motivos destaca-se o pouco tempo de permanência dos policiais nas Delegacias Especializadas, tendo em vista a alta rotatividade de remoções dos mesmos, que são feitas aleatoriamente ou acompanhando o Delegado nas suas também freqüentes transferências. O presente artigo busca, através da compreensão sobre os objetivos das Delegacias Especializadas e dos elementos essenciais e inerentes ao bom desempenho do policial, propor um conjunto de melhorias para aumentar a eficiência destas Delegacias, através de uma qualificação mais acurada no quadro de Recursos Humanos. A excelência no trabalho desenvolvido pelos policiais reflete diretamente num maior índice de recuperação dos veículos furtados ou roubados. O método para esse estudo consistiu na utilização de obras jurídicas e da área de administração estratégica para fundamentar o tema, incluindo alguns artigos obtidos através do Sistema Scielo, teses, o Estatuto da Polícia Civil, Regulamento da Estrutura da Polícia Civil e dados obtidos de Delegacias Especializadas no Paraná. Os resultados encontrados revelaram que o remanejamento periódico e aleatório do policial civil das Delegacias Especializadas impossibilita o aperfeiçoamento necessário para desempenhar com excelência os trabalhos oferecidos à sociedade. As conclusões apontaram que a insuficiência de conhecimento e a perda da experiência prática, devido aos constantes remanejamentos, geram uma espécie de amadorismo policial, induzindo ao médio índice de recuperação dos veículos furtados ou roubados na cidade de Curitiba.

PALAVRAS-CHAVE<: Delegacias Especializadas; Especialização das Especializadas; Remanejamento dos Policias.

 

 

1. INTRODUÇÃO

A especialização do policial civil é fundamental para a excelência na prestação dos serviços nas Delegacias Especializadas do Estado do Paraná. Por isso, aprimorar as competências, o conhecimento técnico e acadêmico, o talento, a cultura, a criatividade e a inteligência emocional dos policiais é o principal investimento a ser feito. Agregar essas virtudes ao ambiente corporativo policial é o maior desafio. Dentre as virtudes das organizações vencedoras sempre há o aspecto congruente da valorização e do respeito aos recursos humanos 2.

O funcionário ao ingressar no setor público ou em outra organização qualquer deve ser objeto de análise por parte dos gestores. Normalmente tem como características uma base de ensino tradicional e uma complexa diversidade de fontes da antropologia de valores. Por isso, há a necessidade de se qualificar o nível básico do policial a um nível ético mais nobre, no sentido de formar um modelo mental, uma noosfera na visão chardiniana, eliminando os vícios entorpecedores3. A qualificação pela especialização, seja em seu conteúdo, seja em seu processo, é o tema estratégico e prioritário da organização policial.

A motivação é a melhor ferramenta para a conquista da excelência profissional, servindo para elevar o índice de produtividade e melhorar o perfil dos resultados na prestação de serviços. Por isso, todo o conjunto da organização deve trabalhar para influenciar e conquistar o policial rumo ao reconhecimento deste público, que no caso das delegacias especializadas é o usuário destes serviços.

Diante da necessidade de se criar organizações eficazes, a abordagem desse tema é bastante relevante e justifica-se mediante o índice de furtos e roubos de veículos na cidade de Curitiba apresentar, atualmente, um percentual em torno de 60% de recuperação, como também o índice de elucidação dos crimes de homicídios ocorridos em Curitiba girar em torno dos mesmos 60%. Propositalmente foram escolhidos índices das duas Delegacias mais emblemáticas das Especializadas, as de Homicídios e Furtos e Roubos de Veículos, pois tratam, respectivamente, da vida - bem maior do ser humano - e carros - símbolo de status de bem material, objeto de desejo do brasileiro, crimes que mais repercutem na sociedade.

Estratégias administrativas no setor de recursos humanos podem contribuir com melhorias qualitativas e quantitativas dentro das organizações públicas, por isso, se as delegacias especializadas observarem algumas das estratégias sugeridas pelos autores no decorrer deste estudo, poderão reverter o quadro da ineficiência policial. A empresa pública precisa de uma visão de negócio sobre seu mercado-alvo, criando projetos que idealizem e estabeleçam seus objetivos, missão e valores, ou seja, que orientem suas ações durante o percurso 4.

 

2. O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS E QUALIFICAÇÕES RESULTAM EM MAIOR BENEFÍCIO PARA AS ESPECIALIZADAS ATRAVÉS DA REMODELAGEM NO SETOR EM RH

2.1 Dos órgãos públicos e suas finalidades

O amplo rol de atividades que a Secretaria de Segurança Pública deve realizar para cumprir seu papel na vida da sociedade impede que se concentrem na atuação de uma única autoridade ou um único setor. Além da inviabilidade material em si, outros fatores levam à necessidade de desconcentrá-las: aptidões técnicas diferenciadas, modos especializados de execução, recursos humanos e materiais pertinentes, etc. Segundo critérios de especialização do trabalho, o amplo rol de atividades é distribuído entre diversas unidades de atuação, que englobam um conjunto de pessoas e meios materiais ordenados para realizar uma atribuição predeterminada 5.

As atividades destinam-se precipuamente a atender necessidades e interesses da população: fragmentam-se em inúmeras variedades, cada qual com características jurídicas e técnicas próprias. A Segurança Pública desempenha, assim, amplo e diversificado leque de atividades, para cumprir as tarefas que o ordenamento lhe confere, atividades essas de diferentes tipos, sob várias formas e regimes 6.

A polícia tem por objetivo a manutenção da ordem pública em sentido amplo, mediante a limitação das atividades individuais. Nesse sentido, o serviço público tem como obrigação levar à satisfação das necessidades coletivas de modo direto, através da eficiência refletida no trabalho por ela desenvolvido. O fomento é a atuação administrativa destinada à promoção, ao incentivo e à proteção de atividades que atendam as necessidades coletivas 7.

A denominação “Delegacia Especializada” é meramente para efeito de designação de atribuições, não significando o pomposo nome que ela seja especialista na acepção do termo. As competências comuns das delegacias especializadas estão previstas no Regulamento e Estrutura da Polícia Civil, Decreto Lei nº. 4.884/78, artigo 39:

Às Delegacias Especializadas compete em geral, adotar as medidas necessárias para a investigação, prevenção, repressão e processamento, no Município de Curitiba, dos crimes previstos no Código Penal Brasileiro, Lei de Contravenções Penais e em outras legislações de caráter penal, segundo a atribuição específica; proporcionar apoio investigatório à unidades policiais do interior quando formalmente requisitados ou quando determinado por autoridade policial competente em função de dificuldades do aparelhamento policial local, ou extrema repercussão do fato criminoso ou ainda quando o “iter criminis” se projetar a diversas comarcas e as ações forem perpetradas por duas ou mais pessoas; assumir a direção das investigações e demais atos processuais quando constatada a multiplicidade de investigações ou inquéritos, procedidas por Distritos Policiais da Capital, unificando-os e prosseguindo nos demais termos até a elucidação dos eventos e encaminhamento de autos à Justiça 8...

Segundo o Estatuto da Polícia Civil do Paraná - Lei Complementar nº. 98/2003, artigo 281, o tempo máximo de permanência de um Delegado de Polícia numa unidade policial é de três anos e, mesmo não havendo limitação, o tempo médio de permanência dos investigadores e escrivães 9 é em torno de dois anos 10.

A função pública deve ser exercida no interesse alheio. Autoridades e órgãos públicos não tem interesses próprios, o interesse próprio é o interesse alheio, o interesse da população, caracterizando a essência da função. No exercício da função o poder do agente não é livre e pela impossibilidade de separá-lo de um fim, apresenta-se condicionado a requisitos que justificam a atuação e orientam seu concreto desenvolvimento dentro de cada setor organizacional público11.

O Estado está modelado sob paradigmas liberais e pós-liberais, falido em sua pretensão e objetividade - quanto à onipresença e onisciência. O Estado-Deus e Grande Pai morreu, assim, o cidadão retoma a sua parte na relação estabelecida com a pessoa pública por ele e para ele criada, fazendo-se de administrado o próprio administrador de si. Tornando-se co-autor de leis e co-gestor da Administração Pública, abandonando o título de infraconstitucional de administrado, mais subordinado que participante, mais reclamante que responsável12.

A Administração Pública é uma atividade de quem não é “senhor absoluto”, caindo sob o peso e tendência política, abnegando a participação plena e responsável do povo-senhor e de suas coisas na gestão, produção e preservação das mesmas. Quanto mais houver a participação eficiente do policial, mais legitima será a atividade administrativa desenvolvida pelo Estado, cuja relação passa de efetiva e eficiente a se encontrar na interação permanente entre administrador e cidadão. Nesse sentido, se o administrador ou o policial qualificar-se e especializar-se não verá subconstitucionalizados os direitos que hoje ocorrem, por ser sujeito participe e responsável da coisa pública13.
 

2.2. Da gestão das delegacias especializadas e de seus objetivos

A administração pública, no sentido de promover melhorias nas delegacias especializadas requer desse policial contemporâneo, requisitos que o qualifiquem como um profissional eficiente e capaz, dotado para atender as expectativas das demandas que surgem no cotidiano profissional das unidades policiais em virtude dos reflexos da questão social 14.

Na Polícia Civil do Estado do Paraná só existe uma unidade realmente especializada, que é o Tático Integrado de Grupos de Repressão Especial - TIGRE, cujos membros, selecionados durante os cursos de formação dos aprovados nos vários concursos realizados em âmbito estadual, treinam constantemente tanto a parte física como a tática-operacional, aprimoram seus conhecimentos participando de inúmeros cursos como alunos ou instrutores, nunca são remanejados e o Delegado Coordenador está há mais de 10 anos nesta mesma unidade.

Para que um indivíduo possa contribuir com melhorias à unidade policial a que estiver lotado, precisa estar apto, sendo requerido dele cinco elementos básicos e que estão ligados ao intelecto, sendo bastante difundidos pelas teorias da Administração e Psicologia em recursos humanos contemporânea. Os elementos requeridos do policial incluem a capacitação, qualificação, competência, habilidade e aprendizagem, com um ambiente dotado de sistemas tecnológicos capazes de proporcionar ao funcionário e à Delegacia, além de praticidade, um bom rendimento nas operações.

A tecnologia e os métodos de aperfeiçoamento do trabalho facilitam a padronização dos serviços, oferecendo maior consistência no fornecimento do serviço e atendimento ao usuário. Através da descrição de tarefas e do eficiente fornecimento dos serviços, a tecnologia permite que a delegacia especializada ajuste os padrões de serviços, como também a duração do tempo do serviço, a precisão com a qual o serviço será executado e o número de ocorrências. A padronização não significa executar serviços de forma mecânica ou rígida, mas definida com base nas expectativas da norma e do usuário, possibilitando assegurar que os pontos mais importantes do serviço sejam executados com maior uniformidade 15.

A capacitação individual do policial possibilita maior competência organizacional, inclui a aprendizagem, o conhecimento, a qualificação e a habilidade que irão gerar esta competência organizacional necessária. O policial somente poderá promover mudanças organizacionais significativas se estiver de posse da junção destes aportes intelectivos16.

A qualificação é uma atribuição de qualidade, é também uma capacidade inata ou adquirida que habilita uma pessoa para um cargo ou emprego17.

A competência significa a capacidade legal existente entre o policial e a delegacia especializada para realizar, apreciar ou julgar um pleito ou questão. É a faculdade para apreciar e resolver qualquer ou determinado assunto, considerando as aptidões, a idoneidade entre outros requisitos 18. A competência é um saber agir responsável e reconhecido, que implica em mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos e habilidades que agreguem valor de eficiência para a organização, no social e para o indivíduo, de resolutibilidade favorável ao usuário-cliente19.

Nesse sentido, verifica-se que no cotidiano profissional das delegacias especializadas surgem os mais diferentes problemas. Assim, a prontidão do policial leva ao aumento da qualidade no atendimento prestado ao usuário dos serviços policiais, a confiabilidade, a segurança da população e a paz social almejada por todos.

A habilidade trata da qualidade de hábil, da capacidade, inteligência, aptidão, engenho, destreza ou astúcia. Pode-se dizer que os profissionais que possuem habilidade ou aptidão possuem uma vocação individual. No entanto, a habilidade está configurada nas áreas do conhecimento abstrato, entre as quais o trabalho é bastante variado, criativo e inovador. Baseia-se na combinação de habilidades ou qualidades específicas, comportamentos e conhecimentos que a organização pública deve considerá-los como importantes para o sucesso.

A aprendizagem é a ação e o tempo gasto para aprender qualquer ofício, arte ou ciência. A Psicologia tem a aprendizagem como requisito básico para a mudança do comportamento humano. É ainda o resultado de treino ou experiência anterior, processo pelo qual se adquirem essas mudanças. O aprendizado pode ser multiplo 20.

A capacitação é uma ferramenta de fundamental importância na gestão dos serviços públicos, papel reconhecido devido à correlação entre competência e otimização de resultados, evidenciando a competência profissional como elemento-chave na eficácia da gestão pública.

Na década de 1970, por força da competitividade e da rápida evolução tecnológica, a eficiência dos serviços públicos passou a depender mais da contínua atualização dos conhecimentos e da aprendizagem do que da autoridade do gestor propriamente21.

Nessa condição, a formação profissional deu um salto qualitativo ao se tornar uma alternativa para a autoridade gerencial na cadeia de eventos da eficácia, fazendo com que programas de formação e atualização constante se tornassem metas essenciais no sucesso dos objetivos. Nesse contexto, as empresas públicas, no sentido de acompanhar uma evolução iniciada pela Revolução Industrial e vivida hoje pelo efeito da globalização, devem adotar um modelo de gestão que aplique a capacidade do capital humano e tecnológico na sua totalidade22.

2.3. Delegacias especializadas: como acontece o processo de especialização no dia a dia

Em qualquer área da atividade humana, o que torna seus profissionais especialistas é justamente a dedicação exclusiva àquela área, através de cursos, seminários, simpósios, estudos, enfim, e, principalmente, das experiências acumuladas ao longo do tempo.

As delegacias especializadas precisam construir tarefas mais elaboradas, no sentido de eliminar as lacunas de serviço. As lacunas de serviço consistem na diferença entre as expectativas e percepções do usuário com relação ao serviço esperado e ao serviço entregue para ele. As lacunas de serviço nas delegacias especializadas podem ser eliminadas através da criação de relacionamentos éticos e do comprometimento profissional entre agente-delegacia-especializada-usuário. O agente deve partir de um conhecimento prévio, consubstanciado nas expectativas do usuário.

As lacunas da empresa reportam-se na diferença existente entre as expectativas e percepções do usuário, conhecidas por Zeithaml; Parasuraman & Berry como: (1) não conhecimento sobre as expectativas do usuário; (2) propostas selecionadas sem a identificação dos padrões de serviços corretos; (3) execução dos serviços fora dos padrões estabelecidos; (4) não cumprimento do que foi prometido pela empresa pública23.

Kotler identifica cinco dimensões de interesse para a empresa que o usuário examina ao avaliar a qualidade de um serviço prestado pela delegacia especializada, conforme segue:

  1. Confiabilidade: Habilidade de desempenhar o serviço prometido com segurança e precisão;
  2. Responsabilidade: Disposição em ajudar os usuários e fornecer um serviço rápido;
  3. Segurança: O conhecimento e cortesia dos funcionários e sua habilidade em inspirar confiança e responsabilidade ao usuário;
  4. Empatia: O cuidado e a atenção individualizada aos usuários;
  5. Tangibilidade: A aparência das instalações físicas, equipamentos, funcionários públicos e materiais de comunicação 24.

Compreende-se que as expectativas do usuário são fatores que devem ser tidos sob o controle do agente e da delegacia especializada, muito embora possam ser influenciadas apenas de maneira limitada. As expectativas do usuário podem contribuir para a elaboração de estratégias e processos avaliadores tanto para os usuários como para a delegacia.

Nesse sentido, é correto afirmar que o policial civil, na consecução de suas tarefas rotineiras em uma determinada delegacia especializada, traz consigo todo um arcabouço de experiências teóricas e empíricas ao longo de seu percurso, que leva a qualificar-se para aquele trabalho, com um perfil especializado. Ao ser transferido para outras unidades, o policial irá se deparar com um novo ambiente laboral, cujas tarefas são novas para ele, tornando inúteis toda aquela especialização anteriormente recebida através dos cursos feitos pela Polícia Civil ou iniciativa própria, ou mesmo adquirida empiricamente, resultando em novas e variadas especializações, tornando o trabalho ineficiente por ser cada transferência um processo reiniciante.
 

2.4. Policial civil: a busca da excelência profissional

O capital humano é visto como um investimento que tem orientação para o desenvolvimento educacional e profissional das pessoas. O crescimento do capital humano é visto como um indicador de desenvolvimento de um país25. A excelência profissional consiste no aperfeiçoamento constante do capital humano e do capital tecnológico.

A tecnologia tornou-se instrumento indispensável, não devendo permanecer apenas nas mãos de tecnólogos, mas também do gestor e do policial, que imbuídos de ousadia, preparo psicológico, informação e conhecimento acerca de uma dada realidade, buscam a simplificação e maior grau de resolutibilidade das ocorrências 26.

O grupo TIGRE, por exemplo, conforme já mencionado, é a única unidade policial realmente especializada no Estado do Paraná e pode ser apontado como referência na busca pela excelência profissional no ramo das delegacias especializadas. O Delegado Coordenador atua nesta mesma unidade há mais de dez anos, como vários componentes de sua equipe, os quais saem diretamente da Escola Superior de Polícia Civil para o TIGRE e ali permanecem por longo período27.

Não por acaso, todas as extorsões mediante seqüestro foram elucidadas, com os reféns soltos, autores identificados e presos, mantendo um índice de 100% de eficiência. A eficácia na execução das operações é resultante da especialização de todos os componentes da equipe e a excelência nos resultados atingidos pelo grupo serve como referencial para as demais especializadas do Estado do Paraná.
 

2.5. O porquê do remanejamento sistematizado do Policial Civil

Conforme já ressaltado, o Estatuto da Polícia Civil do Paraná determina que o tempo de permanência de um Delegado de Polícia em uma unidade é de no máximo três anos. O Delegado de Polícia ao ser transferido por razões normativas, políticas ou pessoais leva consigo um acervo de conhecimentos daquela especialidade tanto técnicos como interpessoais com policiais de vários Estados da Federação e outros órgãos afins do Judiciário, Ministério Público, Executivo, ONGs, iniciativa privada, etc., vasta fonte de informações e completa rede de informantes, conhecimentos estes imensuráveis e intransferíveis porquanto de caráter estritamente pessoal, pois lastreados na absoluta confiança que só advém de prolongada convivência. Leva também parte da equipe composta de investigadores e escrivães que com ele e nela trabalhavam, indo junto conhecimentos característicos operacionais e cartoriais, detalhes e variáveis de investigação dos inquéritos policiais em andamento naquela delegacia especializada.

O que se tem constatado ao longo da história das especializadas é que quando um policial consegue aprender as tarefas inerentes à unidade especializada, considerando a média histórica de dois anos de permanência, logo é transferido para outra especializada, requerendo novo aprendizado. As diversas razões que levam a transferí-lo resultam na incapacidade de oferecer serviços e atendimento satisfatórios por parte da delegacia especializada e do próprio policial visando a satisfação do cliente-usuário dos serviços públicos.
 

2.6 Reflexos da pouca permanência do agente numa unidade especializada

O pouco tempo de permanência em uma determinada unidade especializada leva à produção das denominadas lacunas de serviços já comentadas por ZEITHAML & BITNER, desfavoráveis ao usuário e também à organização pública durante a oferta dos serviços, o que fatalmente gera insatisfação à população e desgaste ao órgão público. Nesse sentido, um tratamento ineficiente destinado à prestação de serviços pelo policial ao usuário, considerando as constantes trocas do servidor público desta para aquela unidade, repercute numa insatisfação generalizada tendente a aumentar progressivamente 28.

O fator deve-se às novas perspectivas de aprendizado no novo local, o tempo exigido para o ingresso e conclusão de novos cursos de especialização, bem como a vocação e adaptação do agente para uma atividade totalmente desconhecida.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A alta rotatividade dos policiais das delegacias especializadas impede o aperfeiçoamento e, conseqüentemente, a eficiência dos mesmos. As remoções periódicas dos quadros são prejudiciais na medida em que todo o investimento e o conhecimento adquirido se perdem quando há transferência de Unidade, ainda que no âmbito da Polícia Civil, porém, completamente diversa e sem qualquer similaridade com a atividade anteriormente exercida.

Por exemplo, o policial lotado na Delegacia de Homicídios, após amealhar grande cabedal de conhecimentos na área, adquirido através da experiência prática do dia a dia e do investimento feito pelo Estado, é transferido para a Delegacia do Consumidor, aonde chegará completamente despreparado para aquela atribuição, tendo em vista ser uma área totalmente desconhecida, porém, fruto de seu esforço, do exercício da prática, à custa de muitos equívocos e do investimento do Estado, após algum tempo, novamente estará capacitado e, quando atingir o apogeu do conhecimento naquela especialidade, é transferido para a Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos, onde se repetirá todo o processo e, assim, sucessivamente em várias outras, completamente díspares como: Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente, Delegacia Anti-tóxicos, Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos, Delegacia de Acidentes de Trânsito, Núcleo de Combate aos Cibercrimes, Delegacia do Aeroporto, Distritos Policiais, etc., criando um verdadeiro círculo vicioso de amadorismo e ineficiência.

A análise leva a exemplificar o caso hipotético de um médico especialista em cardiologia que, periódica e sistematicamente, mudasse para a área de oftalmologia, ortopedia, urologia, etc. O conhecimento primário e básico do profissional permanece, mas o conhecimento específico e profundo daquela especialidade, que não se encontra em manuais e só se aprende na prática do dia a dia, não estaria ao alcance para atingir resultados de excelência o que, indubitavelmente, sacrificaria a eficiência e os resultados da atividade como um todo.

A exemplo das grandes empresas que buscam, garimpam seus futuros executivos nas universidades, o policial das delegacias especializadas deveria ser diferenciado, iniciando-se sua seleção já no curso de formação na Escola Superior de Polícia Civil, onde se detectaria suas habilidades, conhecimentos, aptidões, enfim, a vocação para aquela determinada atividade e, depois de selecionado e designado, o Estado investiria na sua especialização e lá seria mantido o maior tempo possível para aproveitar ao máximo seu potencial e justificar o investimento nele feito que, assim, não seria desperdiçado como atualmente ocorre.

Para tornar esta proposta possível e exeqüível bastaria algumas providências de ordem legal e prática como alteração no Estatuto da Policia Civil, em seu artigo 281, que não se aplicaria no caso de delegacias especializadas, bem como previsão legal de que deveria se manter nas delegacias especializadas corpo técnico permanente, um quadro de policiais especialistas - cujas eventuais transferências ocorreriam somente em caráter excepcional, com motivação fundamentada e aprovação do Conselho da Polícia Civil -, aos quais seriam oportunizados diversos cursos de aperfeiçoamento, inclusive em parceria com a iniciativa privada.

Os Distritos Policiais da Capital e as demais Delegacias de Polícia do interior do Estado, por contarem com efetivo insuficiente e atenderem todas as modalidades de crimes indistintamente, tornam-se “especialistas em generalidades” e trabalham com baixo grau de eficiência. As Delegacias Especializadas estando devidamente capacitadas e altamente qualificadas conforme se propõe, atuariam em auxílio nos casos específicos e mais complexos, como previsto no Regulamento da Polícia Civil, refletindo diretamente no aumento da qualidade na solução dos crimes, contribuindo significativamente para o padrão de excelência almejado pela Polícia Civil do Paraná.

 

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ZEITHAML, V. A.; BITNER, M. J. A Empresa com Foco no Cliente.. Porto Alegre: Bookman, 2003.

 


1 Bacharel em Direito, Delegado de Polícia do Estado do Paraná

2 BOOG, G. Manual de Treinamento e Desenvolvimento. São Paulo: Makron Books. 2006.

3 Ibidem, p.30.

4 MINTZBERG, Henry. Criando Organizações Eficazes. São Paulo: Atlas, 2003. p. 89-102.

5 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 53.

6 Ibidem, p. 103.

7 Ibidem, p. 104-105.

8 Regulamento e Estrutura da Polícia Civil. Decreto Lei nº. 4884/78. p. 17.

9 Dados obtidos junto ao Grupo Auxiliar de Recursos Humanos - GARH. Departamento da Policia Civil do Estado do Paraná. 27 de setembro de 2006.

10 Estatuto da Polícia Civil do Estado do Paraná. Lei Complementar nº. 98/03, 13 de maio de 2003. p. 56.

11 MEDAUAR, Op cit., p. 107-108.

12 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1992.

13 Idem.

14 A questão social relaciona-se à fome, pobreza, ausência de saúde, ausência de educação, marginalidade, violência, etc. A questão social é a aporia das sociedades modernas, é a disjunção entre a lógica de mercado e a dinâmica societária, ente a exigência ética dos direitos e os imperativos de eficácia da economia, entre a ordem legal que promete igualdade e a realidade das desigualdades e exclusões tramada na dinâmica das relações de poder e dominação. In: MACHADO C. V. Contexto, Atores, Instituições. [Dissertação]. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do RJ. 1999. p. 42.

15 ZEITHAML, V. A.; BITNER, M. J. A Empresa com Foco no Cliente. Porto Alegre: Bookman, 2003. p. 417-419.

16 Dicionário Babilon, 2006.

17 ZEITHAML & BITNER, Op cit., p. 420.

18 Idem.

19 FLEURY, Afonso; FLEURY, Maria Tereza. Aprendizagem e Inovação Organizacional: as experiências de Japão, Coréia e Brasil. São Paulo: Atlas, 2002.

20 ROBBINS, S. (a) Administração: Mudanças e Perspectivas.São Paulo: Saraiva, 2006.

21 BOOG, G. Manual de Treinamento e Desenvolvimento. São Paulo: Makron Books. 2006.

22 Idem.

23 ZEITHAML; PARASURAMAN & BERRY (1990) apud In: ZEITHAML & BITNER, Op cit., p. 419.

24v KOTLER, P. Estratégias Inovadoras para Impulsionar sua Atividade, sua Imagem e seus Lucros. São Paulo: Atlas, 2002. p. 423.

25 SÁ, Antônio Lopes de. Contabilidade intelectual e o Neopatrimonialismo. IPAT Boletim n. 17, Belo Horizonte: UNA, nov. 2000.

26 MORGAN, J. S. Administração da Mudança: as Estratégias para Tirar Proveito da Mudança.Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

27 Nesta Delegacia Especializada anti-seqüestro no ano de 2003 foi registrados um índice de 3 seqüestros, com 100% dos casos resolvidos. No ano de 2004 foi registrados 5 seqüestros com 100% dos casos resolvidos. No ano de 2005 foi registrados 7 seqüestros com 100% dos casos resolvidos e no ano de 2006, até a primeira quinzena do mês de agosto foi registrados 3 seqüestros, com 100% dos casos elucidados. Dados obtidos do grupo Tático Integrado de Grupos de Repressão Especial - TIGRE. Informações coletadas na Unidade em 26 de setembro de 2006.

28 ZEITHAML & BITNER, Op cit., p. 422-423.