A AUTORIDADE POLICIAL E O PODER DE DIZER O DIREITO

BURIN, Patricia Tiraboschi1  

 

 

RESUMO:

O presente trabalho analisa em que medida é dado à autoridade policial dizer o direito no ordenamento jurídico brasileiro. Considerando sobretudo o momento do flagrante, o estudo considera o papel da Polícia no Estado Democrático de Direito, as origens do cargo de Delegado(a) de Polícia e suas funções, o Direito Constitucional e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, em especial a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Palavras-chave: Autoridade Policial; Direito Constitucional; Direito Internacional; Corte Interamericana de Direitos Humanos; Poder materialmente judicial.


 

POLICE AUTHORITY AND THE POWER TO SAY THE LAW

SUMMARY:

This paper analyzes the extent to which the police authority is given the right to say in the Brazilian legal system. Considering above all the moment of the blatant, the study considers the role of the Police in the Democratic Rule of Law, the origins of the position of Police Delegate and its functions, the Constitutional Law and the International Law of the Human Rights, in particular the jurisprudence. of the Inter-American Court of Human Rights.

Keywords: Police Authority; Constitutional right; International right; Inter-American Court of Human Rights; Materially judicial power.



 

 

 

INTRODUÇÃO:

A maioria dos manuais de Direito Processual Penal consideram a atividade da autoridade policial meramente administrativa. Não obstante, no momento do flagrante, cabe a Delegados e Delegadas de Polícia deliberar sobre a detenção do suposto desviante, ratificando a voz de prisão proferida pelo condutor, arbitrando ou não fiança. Ainda que posteriormente as decisões tomadas pela autoridade policial sejam submetidas a controle pelo Poder Judiciário, sua força coercitiva é inegável.

Partindo dessa premissa, este artigo se propõe a discutir em que medida é dado a Delegados e Delegadas de Polícia o poder de dizer o Direito. A hipótese de pesquisa é que, na lavratura do flagrante, é dado à autoridade policial avaliar juridicamente a situação fática trazida ao seu conhecimento, exercendo poder jurisdicional restrito.

O estudo, que jamais desconsiderou a vinculação da Polícia Civil ao Poder Executivo em nosso ordenamento, passou por três fases. Inicialmente, buscou-se a história e a ciência política para entender o Estado Democrático de Direito. Em um segundo momento, socorreu-se à sociologia para a compreensão das atribuições da Polícia Civil e, por fim, procurou-se analisar não só no direito interno, mas também no direito internacional, a função da autoridade policial para aferir a natureza de seus poderes.

A pesquisa, bibliográfica com algumas incursões na jurisprudência (em especial da Corte Interamericana de Direitos Humanos), pretende colaborar na correta abordagem da atuação de Delegados e Delegadas de Polícia, valorizando a função, cuja essencialidade à administração da Justiça Criminal é inquestionável.

 

 

1. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO:

O paradigma sobre o qual este estudo se desenvolverá é o Estado Democrático de Direito. Cumpre, pois, compreendê-lo, sem se olvidar que ele é um modelo inacabado e inacabável, que será construído a cada dia pela participação popular na elaboração das decisões do próprio Estado2.

O ser humano é, por essência, social, isto é, ele se forma no contato com o seu semelhante3, razão pela qual faz-se necessário um regramento que propicie (ou tenda a propiciar) vida harmônica4. Daí surgem o Estado e o Direito, ambos fenômenos sociais que visam à organização da vida em sociedade e que partilham de um traço em comum: a referência ao poder5.

Predomina serem as seguintes as fases do Estado: Estado Antigo, Estado Grego, Estado Romano, Estado Medieval e Estado Moderno6. Nossos estudos se concentraram no Estado Moderno, mas a sua compreensão demanda um lançar de olhos sobre uma das fases do Estado Medieval, o Absolutismo.

O Absolutismo se caracterizava pela confusão do Estado com o soberano7. O monarca detinha poderes centralizados e ilimitados até mesmo sobre a religião8, já que a sua missão era promover o bem estar e a felicidade dos súditos e súditas9. Essa concentração de poderes ensejou insatisfação. Os súditos e súditas, especialmente os componentes da Burguesia, começaram a desejar a limitação dos poderes do Estado, do que surgiu o Estado Moderno em sua feição Constitucional.

No Estado Constitucional o poder e o governo são limitados pelo Direito, com respeito à pessoa humana e seus direitos10. O Estado se submete ao Direito, ao mesmo tempo em que o cria, evitando arbítrios e autoritarismos. Há confiança e previsibilidade11, pois o governo é das leis, não dos homens12. Há controle do poder, o que muda a relação da sociedade com o Estado: de súditos e súditas, passamos a ser cidadãos e cidadãs13.

O Estado de Direito é constitucional, no sentido de que o próprio Estado se enquadra num sistema normativo fundamental14.

A primeira manifestação do Estado Constitucional foi o Liberalismo15, relacionado à ascensão da burguesia. Havia uma completa separação entre o Estado e a sociedade, que se desejava livre dele e de suas interferências. Do Estado apenas se esperava a garantia das liberdades públicas16, jamais intervenções ou regulações. Laissez faire, laissez passer17. Não havia nenhuma preocupação de cunho humanístico18.

O Liberalismo defendeu uma concepção ultra individualista de direito e de liberdade, que culminou por ser utilizada como sustentáculo de privilégios19. Isso porque o Estado Liberal não é necessariamente democrático, na medida em que suas Constituições asseguraram o conceito jurídico de igualdade formal20 e de direitos inalienáveis e fundamentais do homem21.

Com a I Guerra Mundial (1914/1918) e a queda da Bolsa de Nova York (1929) passou a ser evidente a necessidade de intervenção estatal na vida social e na economia. Sobretudo a partir da segunda metade do século XX, os direitos sociais passaram a ser inseridos nas Constituições, inaugurando o Estado Social, cuja finalidade, além da garantia da liberdade, era a ampliação da igualdade em sentido social22.

Trata-se também de um Estado submetido ao império da lei, mas agora com feições de distributividade. Há marcante positivação de normas de direitos fundamentais e princípios de justiça material23. É o Estado-providência, de caráter paternalista e intervencionista.

Mas o Estado Social deixou transparecer sua disfuncionalidade24. Ocorre que o anseio por liberdade é da essência do ser humano. A ideia de um Estado que decide o que é melhor para os seus cidadãos e cidadãs, além de os infantilizar, lembra em muito as feições do Absolutismo, contra o qual tanto se lutou.

Assim, na primeira década do século XXI, despontou um modelo de Estado que é, simultaneamente, democrático, internacional e constitucional. Aqui se insere o Estado Democrático de Direito, que surge como modelo desejável, na medida em que se aproxima do que estabelecido no art. 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “o fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.”

O Estado Democrático de Direito busca assegurar a seus cidadãos e cidadãs a liberdade necessária para gerir sua própria existência e individualidade25. Ele protege e promove os valores fundamentais de convivência, impondo a observância de padrões jurídicos básicos26. Seus valores centram-se na dignidade da pessoa humana27 e na igualdade, ideal político máximo que um Estado deve almejar28.

Os indivíduos passam a ser sujeitos de direitos, e, como tal, destinatários das proteções do Estado29. A tônica da atuação estatal deve ser a intangibilidade dos direitos fundamentais30.

Entenda-se claramente que o Estado Democrático de Direito não é um regime de maiorias31. Ao contrário. Frequentemente, sua atuação deverá defender o direito individual de um contra os interesses da maioria, cujos poderes excessivos devem ser limitados32.

O Estado Democrático de Direito se dispõe, isso sim, a garantir, efetivamente, as liberdades individuais de forma igualitária entre os seus nacionais33. A construção de uma sociedade livre, justa e solidária constitui objetivo fundamental do Estado Democrático de Direito brasileiro34. O Estado Democrático de Direito positiva em sua Constituição os direitos fundamentais35. E é pelo reconhecimento e pela proteção dos direitos fundamentais que o Estado Democrático de Direito atua.

Esse caráter, no que se relaciona à persecução penal, que é o que nos interessa neste estudo, caracteriza-se pela maximização da liberdade e minimização do próprio direito de punir. A persecução penal do Estado Democrático de Direito mais do que um instrumento a serviço do Direito Penal, deve ser mecanismo de efetivação dos direitos fundamentais, servindo de garantia contra a gana punitiva do Estado36. O processo penal, nesse contexto, não se pode furtar a seu caráter contramajoritário37. É sob esse paradigma que se desenvolverá a pesquisa.

 

 

2. O QUE A POLÍCIA FAZ?

O sistema penal é dividido em três momentos funcionais. Inicialmente, se dá a criminalização primária. É o momento em que as normas são produzidas. Uma vez verificado o desvio, nasce para o Estado o jus puniendi, poder-dever de promover a persecução penal. Essa criminalização secundária se desenvolve pela busca pela aplicação da norma, o que acontece em duas fases sucessivas: na investigação preliminar e no processo penal. A primeira fase consiste numa atividade preparatória da ação penal, de caráter preliminar e informativo38, a cargo da Polícia. A segunda fase é responsabilidade do Poder Judiciário.

O terceiro momento do sistema penal é a execução. Uma vez incidente a norma ao caso concreto, pela sentença, o Estado imporá o cumprimento da pena ou da medida de segurança imposta. A atividade da Polícia não se confunde com o poder de polícia. São funções de origem comum, mas radicalmente distintas e submetidas a regimes jurídicos de diversidade inconciliável39.

O termo “polícia” origina-se do vocábulo grego ‘politeia’, que designava todas as atividades das cidades-estado40. Na Idade Média, se cunhou a expressão ‘jus politiae’, representando o poder do príncipe de regular a sociedade civil com vistas a alcançar a segurança e o bem estar coletivos. As atividades exercidas pela autoridade temporal passaram a se distinguir das imposições morais advindas das instâncias religiosas41. Não se cogitava de subordinação desse poder do príncipe a qualquer tribunal, razão pela qual o modelo é conhecido com Estado de Polícia42.

No Absolutismo, a palavra “polícia” chegou a identificar o próprio Estado43, tamanho o poder dele, mas uma nova fase se iniciou com o Estado de Direito e o Liberalismo, cujo maior mote, como se viu, era assegurar a liberdade e a propriedade dos cidadãos e cidadãs. A atuação estatal deveria constituir exceção, só podendo limitar o exercício dos direitos individuais para assegurar a ordem pública.

Assim, foi somente a partir do Estado de Direito que “polícia” deixou de delinear a administração estatal como um todo, passando a se referir ao setor do Estado responsável pela prevenção e punição de ilícitos mediante o emprego de um aparelho rígido e autoritário de investigação e intervenção44.

A Polícia era essencialmente relacionada à segurança”45, o que foi posteriormente ampliado com o Estado social, que passou a assegurar também a ordem econômica e social. Criaram-se, então, as Polícias especiais, que atuavam nos mais diversos setores de atividades particulares46, e a Polícia geral, relativa à segurança pública e objeto deste tópico47.

Atualmente designa-se Polícia administrativa aquela que se predispõe a impedir ou paralisar atividades anti sociais, ao passo que rotula-se de Polícia judiciária a que se preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica48

A Polícia de segurança pública é a expressão mais visível e representativa do Estado. Ela é a força pública que exerce, nas relações sociais internas49, o monopólio da violência física legítima50, impedindo que qualquer outra pessoa recorra à violência ou a contendo em níveis que o próprio Estado admite como aceitáveis51.

A Polícia, assim executa a violência legítima de que o Estado se apoderou quando tirou das pessoas a possibilidade de realizar a justiçamento privado. É ela quem faz valer nas ruas o poder do Estado52 e seu perfil varia em se tratando de Estado autoritário ou de Estado democrático53. Em interessantíssima analogia, Dominique Monjardet compara a Polícia a um martelo, no seguinte sentido:

Comumente, se admite que um martelo serve principalmente para bater pregos, mas sabe-se que, abrigado numa caixinha vermelha fixada na parede de um vagão ou de um ônibus, ele serve para “quebrar vidro” e libertar-se, em caso de acidente que torne as portas inacessíveis. Como picareta, ele ajuda a escalar as montanhas. Sabe-se também que pode permitir rachar uma cabeça. Seguramente, não é a soma infinita das possíveis utilidades do martelo que pode defini-lo, mas a dimensão comum a todos os seus usos, que é aplicar uma força sobre um objeto. Enquanto instrumento, o martelo não tem finalidades próprias, ele serve (mais ou menos eficazmente, segundo suas características técnicas) às finalidades daquele que o maneja. Acontece exatamente o mesmo em relação à polícia: instrumento de aplicação de uma força (a força física em primeira análise) sobre o objeto que lhe é designado por quem a comanda. Por este motivo, a polícia não poderia ter finalidade própria, não há transcendência da coerção física (mesmo para o sádico, ela é apenas um meio). A polícia é totalmente para servir [ancillaire], e recebe sua definição – no sentido de seu papel nas relações sociais – daquele que a instrumentaliza. Por isso, pode servir a objetivos os mais diversos, à opressão num regime totalitário ou ditatorial, à proteção das liberdades num regime democrático. Pode acontecer que a mesma polícia (os mesmos homens, a mesma organização) sirva sucessivamente a finalidades opostas e, por esse motivo, crie problemas graves nos períodos de transição de um regime político a outro54.

 

A Polícia pode, assim, ter “alvos privilegiados”55. Seu foco pode ser a ordem política, isto é, a garantia das liberdades e a defesa das instituições. A Polícia que assim atua é uma instituição que protege o sistema e, por isso, se relaciona com os Estados de Polícia e totalitários56

No Brasil, já existia, desde o período colonial, um esboço de polícia, que apenas em 1841 passou a distinguir funções de polícia administrativa e de polícia judiciária. Com o advento da República em 1889, a Constituição de 1891 transferiu para os Estados a incumbência de fundar e dirigir as suas forças policiais. Apenas a Polícia do Distrito Federal ficou a cargo da União. Disseminou-se o modelo paulista com uma polícia de carreira, com atuação essencialmente jurídica e fundada em padrões modernos, concentrando nos Delegados de Polícia toda a autoridade policial.

O quadro permaneceu quase inalterado até que, na Era Vargas, a Constituição de 1937 representou grande retrocesso para a Polícia, na medida em que passou a ser uma polícia meramente política57. A Polícia é expressão do poder que a comanda. Quando em Estados autoritários, como é o caso deste período, ela serve ao regime e não às pessoas.

Felizmente, a Constituição de 1946 restabeleceu entre nós o Estado de Direito. Mas ela não se empenhou em otimizar os serviços policiais no Brasil, permitindo apenas que os Estados reconstruírem as suas estruturas, caso o desejassem.

A tomada do poder pelos Militares em 1964 e a Constituição de 1967 não alteraram de forma considerável a estrutura policial, mas o Ato Institucional nº 5, de 1968, restabeleceu o padrão de policiamento em favor do Regime tão característico dos Estados totalitários. A Polícia se tornou a linha de frente na repressão aos “subversivos”, atuando até mesmo à margem da legalidade58 em franco desrespeito aos direitos humanos59.

Ocorre que, no Estado Democrático de Direito, a atuação policial só é legítima se balizada não por um compromisso com a Administração e/ou com a segurança pública, mas sim com os fins da justiça criminal60. É dizer que a Polícia do Estado Democrático de Direito não deve servir ao regime, mas sim à garantia dos direitos fundamentais de todos os envolvidos no evento criminoso, isto é, vítimas e desviantes. A Polícia que se volta ao desvio criminal protege pessoas e bens61.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão62 estabeleceu a necessidade de uma força pública para a garantia dos direitos humanos63, única forma de Polícia que se pode considerar democrática64.

Assim, a Polícia do Estado Democrático de Direito refletirá o dilema do modelo a que se vincula, um paradigma que simultaneamente se propõe a garantir justiça e segurança65. O Estado Democrático de Direito, lembre-se, tem seu poder limitado66 e a sua baliza são os direitos fundamentais. O maior desafio da Polícia é compatibilizar a necessidade de eficiência de suas atividades com as limitações decorrentes do respeito aos direitos fundamentais67. Para tanto, tem duas ferramentas principais: a força e a autoridade68.

A força é o recurso policial por excelência69, mas a verdade é que uma Polícia verdadeiramente democrática recorrerá muito mais à sua força simbólica do que ao exercício efetivo da força. Por ‘força simbólica’ entenda-se autoridade.

O Brasil foi o primeiro país da América Latina a ser regido pelos militares (1964) e o último a abandonar esse regime (1985). A transição democrática se iniciou em 1974, com o General Geisel, e teve como seu marco histórico a Constituição de 198870, muito embora não se possa afirmar categoricamente o abandono do perfil totalitário.

Isso porque a transição do Estado Policial71 para o Estado de Direito pressupõe a substituição de uma legislação autoritária por um ordenamento democrático e legítimo, o que não se verificou plenamente no Brasil, na medida em que o ordenamento infraconstitucional ainda se mostra apegado a nosso passado ditatorial72. Como Polícia é poder73, a nossa reflete, em seu perfil, essa incongruência do sistema.

Enquanto serviço público, a Polícia tem caráter prestacional74, sendo o primeiro órgão do Estado com quem, em geral, o cidadão e a cidadã se deparam em busca de auxílio. Na verdade, a Polícia é, para a maior parte da população, especialmente a de baixa renda e parco acesso aos serviços públicos em geral, quase que uma personificação do Estado. Ela é a faceta do Estado mais próxima e acessível a essas pessoas que buscam na instituição a solução de seus conflitos75.

Infelizmente, entre nós, é inquestionável que predomina, ainda, uma concepção autoritária76. O dano causado à essência da instituição pelos anos em que ela foi utilizada como polícia política foi tamanho que, mesmo com a abertura política e a redemocratização do país, ainda vêm a tona denúncias da utilização da violência como mecanismo de investigação nas delegacias de polícia, o que não guarda nenhuma legitimidade, obviamente. A volta à democracia não alterou as estruturas da polícia, tradicionalmente comprometidas com a proteção das elites e do Estado e a supressão dos conflitos sociais77.

O Brasil se politizou profundamente a partir da transição democrática por medo da desordem78. É inquestionável que o direito penal, e consequentemente a Polícia que o aplica, sempre serviram aos interesses dominantes de uma sociedade, na medida em que há congruência entre os fins do Estado e os do direito penal79. A Polícia, instituição política que é, reflete as características do poder.

O elemento diferenciador do Direito, quando comparado a outros regramentos voltados à organização social (religião, moral, costume), é a coação80. À Polícia cabe zelar pelo pacto social anunciado no regime da lei81. Ela desempenha, assim, um papel de controle social82/83. O trabalho policial obedece a uma lógica de controle e reeducação das condutas dos membros fracos ou incompetentes da classe trabalhadora84. A Polícia, porquanto depositária da força monopolizada pelo Estado, é mecanismo milenar de repressão utilizado pelos detentores do poder contra as massas85. Há, pois, marcante viés de controle da população na atuação da Polícia.

O ser humano é gregário, vive em sociedade. E a vida comunitária demanda a instituição de um poder de controle, que acaba por estabelecer mecanismos tendentes a normalizar a conduta das pessoas. As formas punitivas estatais são um dos mecanismos mais recorrentes para a limitação desses comportamentos desviantes do desejado86.

A segurança pública, a política judiciária e a política penitenciária compõem a política criminal, que está, segundo Vera Malaguti Batista, historicamente subordinada à demanda de ordem pública. A autora estabelece que “a questão criminal se relaciona [...] com a posição de poder e as necessidades de ordem de uma determinada classe social87. A criminalização e o encarceramento de indesejáveis sociais surgem como dura política de controle social88. E a Polícia surge aí como mecanismo de controle punitivo da mão de obra89.

Ocorre que o Garantismo penal deslegitima qualquer modelo de controle social que coloque a defesa social acima dos direitos e garantias, de modo que a atuação da Polícia que não tenha os direitos fundamentais como enfoque não pode ser tida por legítima. Não obstante, parece inegável que as estruturas policiais, especialmente a polícia investigativa, que atua após o desvio, sejam parte do sistema de seletividade penal.

Ao Judiciário, apenas chegam os delitos que a Polícia investigou que são, evidentemente, fruto da criminalidade perseguida90. Cumpre aqui uma distinção. No ordenamento brasileiro, a Polícia de segurança pública é privativa de corporações especializadas: as polícias militares e as polícias civis estaduais e federal91. As polícias militares atuam com vistas a evitar a ocorrência de delitos92. O viés militarizado da segurança pública, que prevaleceu no regime de exceção, foi mantido pela Constituição de 1988, que reuniu as Forças Armadas e a segurança pública sob o mesmo título (da defesa do estado e das instituições democráticas). As polícias militares permaneceram, assim, responsáveis pelo policiamento ostensivo e pela preservação da ordem pública, constituindo força auxiliar e reserva do exército (art. 144, § 6º, da Constituição Federal).

Já as polícias civis estaduais e federal são constitucionalmente destinadas à investigação criminal. A elas reservar-se-á, neste estudo, a designação Polícia judiciária.

A Polícia judiciária integra o sistema de persecução penal. Sua função, a par de auxiliar do Poder Judiciário, é desvendar circunstâncias e autoria dos ilícitos já cometidos, o que faz, via de regra, pela instauração de investigações preliminares que o Código de Processo Penal denomina Inquérito Policial. É ela quem fornece à justiça penal a matéria prima necessária a seu funcionamento93.

A Polícia judiciária deve investigar os crimes sujeitando-se às regras que o Código de Processo Penal consagra para a instrução preliminar e para as provas94. Mas não só. No estágio atual do Estado Democrático de Direito, e particularmente na realidade do ordenamento jurídico brasileiro, a legitimação da Polícia judiciária demanda bem mais do que o mero respeito ao Código de Processo Penal, sendo fundamental olhar a legislação e a aplicar sob o ponto de vista da Constituição Federal e das normas internacionais de Direitos Humanos.

A atividade investigatória do Estado é fundamental em todos os Estados Democráticos de Direito. O crime é algo normal e natural95 e cabe ao Estado, sobretudo por intermédio da Polícia e do Judiciário, zelar pela vontade estabelecida nas leis.

Doutrina e jurisprudência têm encarado a fase pré-processual da investigação criminal com um certo desprestígio teórico96. Não obstante, a qualidade e a eficácia do processo penal dependem diretamente da qualidade da investigação preliminar97. Assim, o papel da Polícia é muito mais relevante do que aquele que lhe é atribuído pelos compêndios de Direito Processual Penal. A polícia, na verdade, dedica-se cotidianamente a praticar atos que em muito ultrapassam o discreto papel que lhe é determinado pelo arcabouço legal de inspiração liberal sob que supostamente vivemos98.

Mas não é só. A instrução preliminar atinge direitos fundamentais do investigado e repercute na esfera judicial99. De fato, a investigação preliminar é fundamental em um sistema criminal fundado na dignidade da pessoa humana, na medida em que a sua existência tem o condão de afastar acusações desprovidas de elementos probatórios mínimos100.

É importante ter em mente que o castigo decorrente da persecução penal se estabelece bem antes da condenação, desde o momento em que alguma suspeita recai sobre a pessoa101. Não é por outro motivo que nossas Cortes Superiores vislumbram a possibilidade de constrangimento ilegal desde a instauração da instrução preliminar, admitindo o seu trancamento quando evidentemente ausente a condição da justa causa102.

E não poderia ser diferente. Qualquer fase de um processo penal que se pretenda democrático traz em seu bojo normas (regras e princípios) que protegem o indivíduo face ao Estado e que devem ser respeitadas. É o quanto dessas normas é respeitado que determina se a persecução penal se dá de fato em ambiente democrático.

A Constituição Federal preconiza o modelo acusatório de persecução penal. Não obstante, a realidade é que temos um Código de Processo Penal fortemente inquisitorial e uma jurisprudência que busca se amoldar a essa legislação infraconstitucional103. O Código de Processo Penal precisa ser lido com os olhos da Constituição Federal, e não vice-versa, de modo a permitir que a persecução penal se dê em ambiente democrático.

A instrução preliminar é, em geral, a primeira etapa da persecução penal. Cuida-se de um instrumento de reconstrução aproximada de um fato histórico em tese contrário às normas penais proibitivas, com a finalidade de esclarecer sua autoria, materialidade e circunstâncias.

Vale lembrar que o Estado-juiz, para aferir a existência de justa causa para o recebimento da denúncia ou queixa, deverá analisar os elementos de convicção que as instruem, sendo tais elementos essencialmente aqueles colhidos na instrução preliminar104. Em outras palavras, a investigação preliminar tem a função de demonstrar a viabilidade do exercício do jus puniendi, de modo que a Polícia judiciária atua como mecanismo democrático de freio do poder estatal.

A ação da Polícia judiciária deve se restringir à busca e reunião de elementos de convicção capazes de esclarecer os fatos, independentemente de tais elementos serem ou não úteis ao Estado-acusação. A investigação criminal avulta como função especializada, eminentemente técnico-jurídica, cujo único compromisso deve ser com a reconstrução de um fato aprioristicamente tido por criminoso105.

A sistemática do Código de Processo Penal permite afirmar que a instrução preliminar não é fase necessária da persecução penal106, embora, na prática, sejam raros os casos de ação penal que não se inicie com fundamento numa investigação estatal prévia.

Não cabe à Polícia judiciária do Estado Democrático de Direito, sob qualquer pretexto, tomar parte no combate à criminalidade107.

Por fim, vale lembrar a advertência de Cesare Beccaria108 no sentido de que a natureza do ser humano tende ao despotismo. Daí a necessidade de controle externo da atividade policial, que, no nosso sistema, se dá pelo Ministério Público109.

 

 

3. QUEM É A AUTORIDADE POLICIAL?

A Polícia é o órgão do Estado a que primeiro a população tem acesso, na medida em que é ela quem faz valer, nas ruas, o poder dele. A Polícia é quem externaliza em primeiro lugar os vetores da política criminal110. Os policiais, assim, são a face visível do Estado em termos de segurança pública.

Particularmente a Polícia judiciária é o órgão incumbido pelo Estado da realização das investigações preliminares dos crimes cometidos e do auxílio ao Poder Judiciário, mas é também, reitere-se, a quem a maior parte da população, especialmente a de baixa renda, recorre para a solução de seus conflitos111.

O delegado ou a delegada de Polícia personificam essa instituição. São a autoridade policial por excelência112.

A Polícia é um braço do Estado Democrático de Direito113, razão pela qual a autoridade policial age, strito sensu, em nome dele114, cabendo-lhe apreciar as infrações penais que lhes são apresentadas por seus agentes ou pela população, avaliando os fatos com base em seus conhecimentos jurídicos e em sua experiência profissional. A delegados e delegadas de Polícia cabe, como função precípua, a presidência exclusiva da instrução preliminar, cuja finalidade é revelar a materialidade e desvendar a autoria das infrações penais115.

A autoridade policial, no sistema brasileiro, tem posição, poderes e atribuições que não são semelhantes aos de nenhum outro chefe das polícias estrangeiras. Em grande parte, as peculiaridades do nosso sistema se devem à origem histórica do cargo. Daí a conveniência de conhecer os caminhos que nos trouxeram ao atual perfil da autoridade policial.

Remontaremos a Roma, no último século a.C., onde vivenciou-se um caos político e social que implicou uma situação de grave violência. Com vistas a não desfalcar seus exércitos, a potência criou um grupamento policial para especificamente enfrentar o problema urbano, sendo essa a primeira polícia de que se tem conhecimento histórico incontroverso116. Com a decadência do Império Romano, seu território foi partilhado em um sem número de reinos e cada governante implementou, em seus domínios, algum tipo de policiamento. A tendência, à época, não era a constituição de organismos policiais, mas sim a delegação de poderes, pelo Rei, a certas pessoas que seriam responsáveis pela segurança interna. Suas funções eram um misto entre as de um oficial de polícia e a de um juiz117.

No século XIII, Luiz IX criou na França o embrião da Polícia como a conhecemos hoje: profissional, organizada e paga pelo Estado118. A Polícia parisiense era dirigida por um superintendente, o preboste.

O prebostado, que já havia sido criado em 1032 por Henrique I, era uma magistratura com jurisdição sobre todo o viscondado de Paris encarregada de inúmeras funções governamentais, entre elas as funções de juiz, chefe militar e chefe de polícia. A reforma de Luiz IX apenas reforçou essa instituição que passou a dirigir a polícia e julgar os processos criminais119, razão pela qual, leis de 1546 e 1583 passaram a exigir que o preboste fosse selecionado mediante exame de conhecimentos, demandando bons antecedentes cívicos e morais, além da licenciatura pela faculdade de jurisprudência120.

Esse processo culminou na criação da primeira Polícia judiciária de que se tem notícia pela Lei de 3 do Brumário do ano IV (25 de outubro de 1795). A Polícia francesa passou a ser bipartida, no sentido de se dedicar à manutenção da ordem (Polícia administrativa) e à investigação dos delitos (Polícia judiciária), um modelo bastante similar ao que se vê hoje em nosso ordenamento. Assim, na França pós-revolucionária, nasceu a Polícia judiciária como instituição voltada à investigação dos crimes para os submeter ao Judiciário, promovendo e protegendo direitos fundamentais121.

Em terras brasileiras, desde o período colonial já existia um esboço de Polícia. Ela surgiu em 10 de maio de 1808, quando, por alvará de Dom João VI, foi criada a Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil. Ela era dirigida por um Desembargador que era representado, em cada província, por um Delegado de Polícia. Posteriormente, cada distrito foi agraciado com um comissário de Polícia.

A despeito da Independência do Brasil, esse sistema se manteve até 1832, quando, com a promulgação do Código de Processo Criminal, criou-se a figura do Chefe de Polícia, que era necessariamente um magistrado.

Em 1841, a Lei nº 261 estabeleceu que, à livre escolha do Imperador, ocorreria a nomeação de um Chefe de Polícia na Corte e em cada uma das Províncias. Os Chefes de Polícia seriam Desembargadores ou Juízes de Direito, que nomeariam, para seu auxílio, Delegados de Polícia entre os Juízes de Direito ou cidadãos exemplares. A norma distinguiu as funções de Polícia administrativa e de Polícia judiciária, aquela atuando preventivamente e esta de forma repressiva na busca de elementos que pudessem identificar a autoria e a materialidade delitiva122.

Além disso, a essa Polícia judiciária também competiam funções tipicamente jurisdicionais123, isto é, o julgamento dos denominados crimes de polícia. O Código Criminal do Império, de 1830, atribuía explicitamente à polícia competência judicial sobre alguns pequenos delitos de natureza pessoal, que eram capturados sob a designação de “crimes policiais”124. Dessarte, a Polícia de então, quase sempre exercida por Magistrados togados, desempenhava funções criminais (a apuração das infrações penais) e funções correicionais (o processo e o julgamento dos chamados “crimes de Polícia”)125.

Toda essa narrativa, além de seu incontestável valor histórico, visa a demonstrar como se confundiam, originalmente, as funções da autoridade policial e da autoridade judiciária126. Apenas em 1871, com a Lei nº 2.033 e seu Regulamento nº 4.824, é que se cindiram as funções judiciais e policiais. Os Chefes de Polícia deixaram de ser exclusivamente Desembargadores ou Juízes de Direito, mas continuou-se deles exigindo formação em Direito. Nesse momento, as autoridades policiais deixaram de julgar crimes ou contravenções, limitando-se à condução dos procedimentos de instrução preliminar sem, contudo, deixarem de ser delegatárias do Poder Judiciário. Delegados e Delegadas de Polícia, embora funcionários do Poder Executivo, têm uma delegação do Judiciário e a ele estão subordinados quando da realização das investigações127.

Perceba-se: para além de sua origem desmembrada da autoridade judiciária128, a figura da autoridade policial é peculiar em nosso ordenamento também pelo enquadramento que se lhe pode dar pelo estudo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, especialmente pela compreensão da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Como pontuado anteriormente, o Estado dessas primeiras décadas do século XXI caracteriza-se por ser, simultaneamente, democrático, internacional e constitucional de Direito. Nele se mantêm os mesmos modelos axiológicos do direito positivo, mas com novo conteúdo: a internalização de normas internacionais em áreas antes reservadas à competência exclusiva dos governos nacionais129. Decorre daí que a noção de que a soberania pressupõe única e exclusivamente submissão ao ordenamento jurídico pátrio não mais se sustenta. As questões que surgiram após as atrocidades da II Grande Guerra levaram a uma nova forma de pensar os Direitos Humanos, agora considerados universais e passíveis de proteção por um sistema normativo supranacional.

Nessa ordem de ideias, o Brasil, com a Constituição Federal de 1988, assumiu o compromisso internacional de proteger e efetivar os Direitos Humanos. Assim, internalizou-os sob a denominação de Direitos Fundamentais, mas, além disso, subscreveu, em 1992, o Pacto de San José da Costa Rica e aceitou a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1998. Além disso, com a Emenda Constitucional nº 45/2004, a Constituição Federal seguiu a tendência internacional de dar status constitucional aos Tratados e Convenções Internacionais que versem Direitos Humanos e passou a se submeter à jurisdição do Tribunal Penal Internacional.

A mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que passou a vislumbrar status supralegal para os Tratados Internacionais de Direitos Humanos anteriores à Emenda Constitucional nº 45/2004, também teve papel relevante nesse processo de internacionalização dos direitos130, na medida em que permitiu verdadeira evolução na proteção dos direitos humanos fundamentais, com a elevação de importância de diplomas internacionais concretizadores de plena eficácia dos direitos humanos fundamentais, por meio de normas gerais internacionais tuteladoras de bens da vida primordiais (dignidade, vida, segurança, liberdade, honra, moral, entre outros) e previsões de instrumentos políticos e jurídicos de implementação dos mesmos em face de todos os Estados Soberanos131/132.

Ao se tornar signatário de um Pacto Internacional de Direitos Humanos, um Estado se compromete a adequar a sua legislação às previsões normativas internacionais. É, pois, legítimo afirmar que o Estado Democrático de Direito fundado na Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988 deve não apenas respeito a ela, Constituição Federal, mas também aos Tratados que ele, Estado brasileiro, subscrever. No momento constitucional em que nos encontramos, Estado de Direito é aquele que se submete ao direito nacional e ao direito internacional133.

A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos deve, pois, ser estudada tanto quanto a do Supremo Tribunal Federal para a compreensão adequada da legislação infraconstitucional que, como a penal e a processual penal, implique restrição aos Direitos Fundamentais da pessoa. Isso porque a Corte Interamericana de Direitos Humanos é a intérprete última da Convenção Americana de Direitos Humanos à qual o Brasil aderiu134 e sua jurisprudência é vinculante aos Estados submetidos à sua jurisdição135. Assim, a persecução penal constitucional não se pode apartar de diretrizes globais, cotejando, para sua compreensão, as normas internas, os documentos internacionais e a jurisprudência das Cortes Internacionais136. Como pontuou o Ministro Fachin em recente Conferência137, é preciso reconhecer o valor constitucional dos Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos, pois tal reconhecimento serviria para “construir uma ponte para que o conjunto de precedentes insulares se torne jurisprudência, com a estabilidade e a previsibilidade necessárias”.

As normas internacionais de Direitos Humanos se referem com frequência a ‘autoridade judicial’ ou ‘outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais’. Veja, nesse sentido, o Artigo 7.5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica):

Artigo 7. Direito à liberdade pessoal
[...]5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.  Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. (sem destaques no original)138

 

Parece claro que a intenção das normas internacionais é que o suposto desviante seja levado à presença de uma autoridade que detenha conhecimentos jurídicos, de forma a poder decidir a respeito da legitimidade da privação de liberdade ou, se for o caso, garantir os direitos dessa pessoa de ser presumida inocente e, consequentemente, participar da instrução processual em liberdade139. Aliás, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já teve oportunidade de se manifestar nesse sentido quando apreciou o caso Vélez Loor vs. Panamá140.

No ordenamento jurídico brasileiro, considerando a inexistência de juizado de instrução, tal autoridade é o delegado ou a delegada de Polícia141, cuja atuação demanda a tomada de decisões acerca da intimidade e da liberdade da pessoa trazida à sua presença, especialmente no momento do flagrante, que representa verdadeiro ordem de detenção provisória. Vale ponderar que tal possibilidade é perfeitamente compatível com o ordenamento internacional de direitos humanos142.

Ora, o delegado ou a delegada de polícia são o primeiro jurista a atribuir a um fato supostamente desviante os efeitos pretendidos pela norma143. Em outras palavras, é o primeiro juiz do caso concreto ou ‘outra autoridade autorizada por lei a exercer função judicial’.

Pelos termos das normas internacionais e pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos144, é possível afirmar que o poder de dizer o Direito não é restrito ao Poder Judiciário. A função materialmente judicial não é prerrogativa do Estado-juiz. No que interessa a este estudo, à autoridade policial também foi deferido o poder de dizer o Direito e de restringir direitos.

Nosso sistema constitucional prevê situações em que as restrições de direitos dos cidadãos e das cidadãs apenas podem se verificar mediante ordem judicial, no que se denomina reserva de jurisdição (neste caso, absoluta). A título de exemplo, a Constituição Federal apenas admite a interceptação telefônica quando autorizada pelo Poder Judiciário (Art. 5º, XII). Em casos como tais, o Estado-juiz tem monopólio da primeira palavra em relação à matéria.

Outras situações há em que a restrição de direitos pode se dar por determinação de outras autoridades que não a judicial, sempre com a possibilidade (ou necessidade em algumas circunstâncias) de o ato ser submetido a controle perante o Poder Judiciário. Fala-se aqui em reserva relativa de jurisdição, hipótese em que o Estado-juiz tem o monopólio da última palavra a respeito de determinado assunto, na medida em que, pelo Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição145, todos os atos estatais submetem-se a controle judicial146.

Em se tratando de crimes comuns, a ordem de prisão encontra-se na reserva de jurisdição, exceto no que tange à situação flagrancial. Confiram-se os termos da norma constitucional:

Art. 5º. LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

 

Em se verificando hipótese de flagrante delito, caberá à autoridade policial deliberar sobre o encarceramento do suposto desviante, submetendo a sua decisão à autoridade judiciária. Trata-se, a toda evidência, de hipótese de reserva relativa de jurisdição, tendo a legislação infraconstitucional deferido unicamente ao delegado ou à delegada de Polícia a atribuição de ordenar a detenção147.

Aliás, em sua atividade, a autoridade policial se deparará com diversas situações em que sua atuação não depende de autorização judicial prévia, havendo apenas a reserva relativa de jurisdição, ou seja, ao Judiciário é dado ter a última palavra, mas nem sempre a primeira (o que constituiria reserva absoluta de jurisdição). Vale aqui registrar novamente a hipótese de prisão em flagrante (artigo 304 do CPP) e a concessão de liberdade provisória com fiança (artigo 322 do CPP) como hipóteses de reserva relativa de jurisdição148.

Importante registrar que na reserva relativa de jurisdição nada impede a ampliação dos poderes da autoridade estatal que, em última instância, estará sempre subordinada a controle jurisdicional. Assim, contanto que respeitadas as hipóteses constitucionais de reserva absoluta de jurisdição, o ordenamento pode ampliar as hipóteses de atuação cautelar da autoridade policial149.

A sistemática brasileira coaduna-se às normas do Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, cujo Princípio 4 estabelece:

As formas de detenção ou prisão e as medidas que afetem os direitos do homem, da pessoa sujeita a qualquer forma de detenção ou prisão devem ser decididas por uma autoridade judiciária ou outra autoridade, ou estar sujeitas a sua efetiva fiscalização (sem destaques no original).

 

Como a liberdade é a regra do nosso sistema150, a Constituição Federal não a inseriu entre as hipóteses de reserva de jurisdição. A prisão insere-se na reserva absoluta de jurisdição, mas a liberdade não, de modo que, segundo as normas internas e internacionais de direitos humanos, nada impede que a autoridade policial a conceda, ainda que presentes as hipóteses flagranciais151. Nos termos do Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão, da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, a autoridade judiciária e outra autoridade deverão ter poderes para apreciar a necessidade de manutenção da detenção (Princípio 10.3).

É lícito, pois, afirmar que, em nosso ordenamento, a autoridade policial detém função materialmente judicial cujo norte deve ser o respeito pelo conjunto de garantias penais e processuais assegurado pela Constituição Federal e pela Convenção Americana de Direitos Humanos. O delegado e a delegada de Polícia devem, assim, se guiar por um processo penal adequado à Constituição Federal (constitucional) e às normas de Direito Internacional de Direitos Humanos (convencional), atuando, nas palavras do Ministro Celso De Mello, como “o primeiro garantidor da legalidade e da Justiça”152, em constante respeito ao metaprincípio da dignidade da pessoa humana.

O legislador, quando reconheceu que o delegado e a delegada de Polícia realizam análise jurídica do fato e suas circunstâncias (art. 2º, caput e §1º da Lei nº 12.830/13), atribuiu-lhes função de hermeneuta das circunstâncias fáticas dos atos supostamente delituosos, com o propósito de fornecer-lhes contornos jurídicos153 e devido tratamento democrático.

 

 

CONCLUSÃO:

A autoridade policial é dita meramente administrativa pela maioria dos manuais de direito processual penal. Não obstante, na lavratura do flagrante, delegados e delegadas de polícia são instados a tomar algumas decisões que nos levaram ao questionamento a respeito da natureza dos poderes exercidos.

A hipótese de trabalho, que se confirmou ao longo do estudo, era que, na lavratura do flagrante, a autoridade policial exerce poder jurisdicional restrito.

No atual estágio da evolução histórica e constitucional de nosso país, podemos afirmar que nosso Estado é Democrático e de Direito. É um Estado que se submete às normas que cria, e que é, simultaneamente, democrático, internacional e constitucional.

A consideração de se tratar de um Estado de feições internacionais ganha relevância, no que se refere a este estudo, pelo fato de que o Brasil se submeteu, voluntariamente, à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisprudência o vincula. Segundo entende referido Tribunal Internacional, o poder de dizer o Direito não fica restrito às autoridades judiciárias, especialmente considerando os termos do Pacto de San Jose da Costa Rica, que fala em juiz ou outra autoridade autorizada, pela lei, a aplicar as normas no caso concreto, deliberando sobre a detenção.

Além dessa consideração de cunho internacional, é importante ter em mente que o cargo de delegado de polícia é um desmembramento da magistratura e que se impõe à autoridade policial a primeira tutela dos direitos e garantias fundamentais das pessoas envolvidas nas situações que lhe são apresentadas.

Assim, quer pela origem histórica da função exercida pela autoridade policial, quer pelo enfoque que se lhe pode dar em decorrência dos Tratados Internacionais de que o Brasil é signatário e da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, parece inafastável a conclusão de que a autoridade policial tem poder de dizer o direito.

Evidentemente, tal poder é restrito às hipóteses legais, concentrado sobremaneira no momento da lavratura do flagrante e sempre demandando a chancela do Poder Judiciário.

 

 

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1 Delegada da Polícia Civil do Estado do Paraná.

2 SANTIAGO Neto, José de Assis. Estado Democrático de Direito e Processo Penal Acusatório. A participação dos sujeitos no centro do palco processual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 2.

3 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 297.

4 SANTIAGO Neto, José de Assis. Estado Democrático de Direito e Processo Penal Acusatório. A participação dos sujeitos no centro do palco processual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p 7/8.

5 RANIERI, Nina. Teoria do Estado. Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 192.

6 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 33ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 69.

7 Lembre-se de Luiz XIV dizendo: “O Estado sou eu!”

8 Lembremos de Henrique VIII, na Inglaterra, fundando a Igreja Anglicana.

9 SANTIAGO Neto, José de Assis. Estado Democrático de Direito e Processo Penal Acusatório. A participação dos sujeitos no centro do palco processual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p 10.

10 RANIERI, Nina. Teoria do Estado. Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 43.

11 RANIERI, Nina. Teoria do Estado. Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri, SP: Manole, 2013, p. vi.

12 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 33ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 197.

13 RANIERI, Nina. Teoria do Estado. Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 191.

14 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 33ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.p. 196.

15 O Constitucionalismo tem relação íntima com o Liberalismo. Como explica Canotilho, “a sociedade burguesa fornecia o substrato ideológico ao Estado constitucional e este, por sua vez, criava condições políticas favoráveis ao desenvolvimento do liberalismo econômico”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Edições Almeidina, 2003. p. 1096.

16 RANIERI, Nina. Teoria do Estado. Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 46.

17 Máxima do liberalismo, especialmente do seu aspecto econômico, que significa, literalmente, deixar fazer, deixar passar.

18 É o que Jürgen Habermas denominou “cegueira social do direito formal burguês”. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Entre facticidade e validade. Vol. I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 125.

19 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 33ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.p. 202.

20 Igualdade na lei, não na prática.

21 RANIERI, Nina. Teoria do Estado. Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 46/47.

22 RANIERI, Nina. Teoria do Estado. Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 49

23 RANIERI, Nina. Teoria do Estado. Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 57.

24 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Entre facticidade e validade. Vol. I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 125.

25 SANTIAGO Neto, José de Assis. Estado Democrático de Direito e Processo Penal Acusatório. A participação dos sujeitos no centro do palco processual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p 15.

26 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 33ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.p. 202.

27 RANIERI, Nina. Teoria do Estado. Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 193.

28 DWORKIN, Ronald. A Virtude Soberana. A Teoria e a Prática da Igualdade. 2ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.

29 SANTIAGO Neto, José de Assis. Estado Democrático de Direito e Processo Penal Acusatório. A participação dos sujeitos no centro do palco processual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p 16.

30 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (fundamentos da instrumentalidade constitucional). 5º ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 144.

31 SANTIAGO Neto, José de Assis. Estado Democrático de Direito e Processo Penal Acusatório. A participação dos sujeitos no centro do palco processual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p 19. No mesmo sentido: “a democracia não consiste no despotismo da maioria, mas sim num sistema frágil e complexo de separações e equilíbrios entre poderes, de limites e vínculos ao seu exercício, de garantias estabelecidas para a tutela dos direitos fundamentais, de técnicas de controle e reparação contra a sua violação” ANDREOTTI, Alessandro Tadeo Haggi. Reconhecimento das excludentes de antijuridicidade pela autoridade policial no auto de prisão em flagrante delito. Dissertação.Orientadora: Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farras Naspolini Sanches. Araçatuba, SP [s.n.], 2008. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp077090.pdf, consultado em 16/02/2018. págs 52/53.

32 RANIERI, Nina. Teoria do Estado. Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 318.

33 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Entre facticidade e validade. Vol. I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. Pág. 11.

34 Constituição Federal, art. 3º, I.

35 PACELLI, Eugênio. Processo e Hermenêutica na Tutela Penal dos Direitos Fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 3.

36 FERRAJOLI, Luigi. Justicia penal y democracia. Jueces para La Democracia, n. 4, Madrid, set./1988, p. 3 (tradução livre)

37 A concretização de direitos fundamentais demandará, frequentemente, posturas que contrariam a vontade da maioria. A Constituição é garantia contra o poder autoritário estatal e contra maiorias, especialmente contra o clamor das ruas.

38 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Vol I. Campinas, SP: Bookseller, 1997. p. 128.

39 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 21ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 779.

40 PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 21ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 106/107.

41 ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p.25.

42 A terminologia Estado de Polícia serviu inicialmente para qualificar a Prússia de Frederico II, um Estado de feições paternalistas e intervencionistas que ganhou notoriedade por ter se estabelecido como uma grande potência militar. ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p.26

43 ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p.25.

44 ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p.27/28.

45 PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 21ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008.p. 107.

46 Exercendo o que hoje conhecemos por poder de polícia, cuja definição legal é: Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos (Código Tributário Nacional, art. 78).

47 Obviamente, as atividades de polícia sempre existiram, em alguma medida, nas comunidades, apenas não possuíam a denominação de Polícia (ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p.30).

48 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 21ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 793.

49 MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia. Sociologia da Força Pública. São Paulo: Edusp, 2002. p. 27

50 Dominique Monjardet questiona a afirmação de monopólio da violência legítima pela polícia, ponderando que em nenhum lugar a polícia detém verdadeiramente o monopólio do uso regrado da força, não no sentido estrito de monopólio. Isso porque os ordenamentos preveem hipóteses outras. Ele cita o poder dos guardas de prisão, que na França devem atirar em detento que tente evadir-se, mesmo que desarmado, o direito de coação dos pais sobre os seus filhos, além da possibilidade de uso de força pelas autoridades militares contra os seus subordinados. Mas ele esclarece que duas particularidades singularizam a atuação policial: (a) o alvo policial é indeterminado, isto é, ela pode atuar contra qualquer pessoa, em qualquer lugar, de modo que se pode afirmar que a polícia exerce o monopólio da violência legitimamente exercida contra todos, sendo, pois, universal; e, (b) toda manifestação da polícia é sempre escalável em força, na medida em que os ordenamentos prevêem o recurso às forças armadas como mecanismo de auxílio à Polícia, transformando-as, assim, temporariamente, em polícia, até que o quantum de força necessário, seja ele qual for, seja atingido. MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia. Sociologia da Força Pública. São Paulo: Edusp, 2002. p.25/26.

51 MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia. Sociologia da Força Pública. São Paulo: Edusp, 2002. p.13.

52 A Polícia confirma a concepção da ciência política de que o Estado tem a força como fundamento de poder. FLORINDO, Marcos Tarcísio. Estado, Polícia e Sociedade: Ensaio sobre a Regularidade (e Permanência) das Práticas Discricionárias de Atuação Policial. In Revista Intratextos, Vol. 7, nº 1, Rio de Janeiro: PPCIS-UERJ, 2015 , p. 167/182, obtido em http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/intratextos/article/view/2384/1712. p. 170.

53 GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades no Processo Penal. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 48/49

54 MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia. Sociologia da Força Pública. São Paulo: Edusp, 2002. p.22.

55 MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia. Sociologia da Força Pública. São Paulo: Edusp, 2002. p.143.

56 Estado, Polícia e Sociedade: Ensaio sobre a Regularidade (e Permanência) das Práticas Discricionárias de Atuação Policial. In Revista Intratextos, Vol. 7, nº 1, Rio de Janeiro: PPCIS-UERJ, 2015, p. 167/182, obtido em http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/intratextos/article/view/2384/1712. p.178.

57 ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p 70/71.

58 ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p.73.

59 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Desafios da reforma das polícias no Brasil. Revista Civitas, Porto Alegre, v. 16, n. 4, p. 653-674, out-dez.2016. p. 657. Sem destaque no original.

60 ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p.12.

61

621789. MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia. Sociologia da Força Pública. São Paulo: Edusp, 2002. p.143.

63 A Polícia é a única instituição que recebe esse tipo de atenção da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

64 Confira-se: Art. 12º. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada.

65 LIMA, Renato Sérgio de. PAULA, Liana de. Segurança Pública e Violência. O Estado está cumprindo o seu papel? 2ª ed, 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2014. p. 9.

66 Não se pode esquecer que “o processo penal é movido por uma função limitadora” GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades no Processo Penal. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p 40.

67 Valendo reiterar o alerta feito no capítulo anterior no sentido de que não existe incompatibilidade entre o garantismo e a eficiência da atividade policial.

68 MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia. Sociologia da Força Pública. São Paulo: Edusp, 2002. p.143.

69 MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia. Sociologia da Força Pública. São Paulo: Edusp, 2002. p.27.

70 RANIERI, Nina. Teoria do Estado. Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 325.

71 O Estado Policial se caracteriza pelo arbítrio e pelo uso intensivo das forças de ordem.

72 Lembre-se que o Código de Processo Penal, datado de 1941, é declaradamente inspirado no Código Rocco, de matriz fascista.

73 FLORINDO, Marcos Tarcísio. Estado, Polícia e Sociedade: Ensaio sobre a Regularidade (e Permanência) das Práticas Discricionárias de Atuação Policial. In Revista Intratextos, Vol. 7, nº 1, Rio de Janeiro: PPCIS-UERJ, 2015, p. 167/182, obtido em http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/intratextos/article/view/2384/1712. p. 180.

74 OLIVEIRA, Luciano. Sua Excelência, o Comissário e outros ensaios de Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Ed. Letra Legal, 2004. Págs. 60/61.

75 Eliane Botelho Junqueira, no Prefácio da obra de Luciano Oliveira (Sua Excelência, o Comissário e outros ensaios de Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Ed. Letra Legal, 2004. Pág. 10). Mas vale aqui o alerta de Dominique Monjardet, no sentido de que “a polícia não é [e acrescento que nem pode se pretender] um instrumento universal e não pode resolver todas as carências dos serviços públicos e da organização social” MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia. Sociologia da Força Pública. São Paulo: Edusp, 2002. p.295.

76 GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades no Processo Penal. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p.30.

77 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Desafios da reforma das polícias no Brasil. Revista Civitas, Porto Alegre, v. 16, n. 4, p. 653-674, out-dez.2016. p. 654.

78 BATISTA, Vera Malaguti. Introdução Crítica à Criminologia Brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011. p. 114

79 BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 12ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011.p. 22.

80 RANIERI, Nina. Teoria do Estado. Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 195

81 Estado, Polícia e Sociedade: Ensaio sobre a Regularidade (e Permanência) das Práticas Discricionárias de Atuação Policial. In Revista Intratextos, Vol. 7, nº 1, Rio de Janeiro: PPCIS-UERJ, 2015, p. 167/182, obtido em http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/intratextos/article/view/2384/1712, p. 171.

82 KELLING, George L. e WILSON, James Q. Broken Windows. The Police and neighborhood safety. Revista the Atlantic, março/1982 (disponivel em HTTP://www.theatlantic.com/magazine/archive/1982/03/broken-windows/304465/, compulsado aos 14/10/2015).

83 Nilo Batista, se reportando a Lola Aniyar de Castro, define controle social, como o conjunto de táticas, estratégias e forças pelo qual se constrói hegemonia, isto é, a submissão daqueles que não se integram à ideologia dominante. E segue ponderando que o direito penal tem caráter preponderante nesse sistema de controle social. BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Pena Brasileiro. 12ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011. p. 21/22.

84 WACQUANT, Loïc. As prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.p. 47

85 ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p. 10.

86 QUEIRÓZ, Paulo. Direito Penal-Parte Geral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. págs. 24/25.

87Introdução Crítica à Criminologia Brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011. p. 22/23.

88 BATISTA, Vera Malaguti. Introdução Crítica à Criminologia Brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011.p. 28

89 BATISTA, Vera Malaguti. Introdução Crítica à Criminologia Brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011.p. 42.

90 Vera Malaguti Batista diferencia a criminalidade latente da criminalidade perseguida e esclarece que existe uma filtragem entre uma e outra (Introdução Crítica à Criminologia Brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011. p. 76). Essa filtragem, que conhecemos como seletividade penal, é em grande parte realizada no atuar diário das polícias.

91 PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 21ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008.p. 109.

92 Este estudo se absterá, porquanto impertinente a seus fins, de profunda discussão acerca da desmilitarização da segurança pública. A despeito disso, algumas considerações são cabíveis. A ideologia autoritária, embora incompatível com o Estado Democrático de Direito, prevalece entre nós. Vera Malaguti Batista pondera que: “o Estado Brasileiro, apesar de todas as racionalizações sócio-funcionalistas e dos seminários de direitos humanos, prende, tortura e mata, sem conseguir romper com a linha ascendente da truculência do estado policial.” (BATISTA, Vera Malaguti. Introdução Crítica à Criminologia Brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011.p. 83). Desse viés autoritário decorre nossa opção pelo reforço da militarização da segurança pública, incrementando-se o paradigma beligerante em detrimento do primado da alteridade, este sim compatível com o Estado Democrático de Direito. Leonardo Marcondes Machado adverte que vivemos um “militarismo de ocasião que invade os mais diversos setores da sociedade brasileira” e pondera que o controle social militarizado é incompatível com os tempos de paz, com o policiamento do cidadão e da cidadã (MACHADO, Leonardo Marcondes. Lei nº 13.491/2017: o Brasil na contramão da democracia e dos direitos humanos. In IBCCRIM, Boletim nº 300 – Novembro/2017. Págs. 8.). Não se pode dele discordar. Isso porque a lógica da guerra é a luta contra um inimigo, o que não se pode admitir em um Estado que tem a dignidade da pessoa humana como fundamento e a igualdade como princípio basilar. A segurança pública de um Estado Democrático de Direito deve se revestir de natureza civil.

93 ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p.97.

94 BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Pena Brasileiro. 12ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011.p. 24.

95 BATISTA, Vera Malaguti. Introdução Crítica à Criminologia Brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011. p. 45. No mesmo sentido posiciona-se Shecaira. Confira-se: “seja na visão da teoria do consenso, em que as funções sociais são atividades das estruturas sociais, dentro do processo de manutenção do sistema – perspectiva em que as disfunções são atividades que se opõem ao funcionamento do sistema social – e em que toda mudança social é uma disfunção, uma falha no sistema, que não consegue mais integrar as pessoas em suas finalidades e valores, seja na visão da teoria do conflito que admite existir dentro da própria sociedade uma permanente luta pelo poder, que só se mantém pela coerção, não se tem dúvida do papel desempenhado pelo crime dentro desse processo. A partir de seu cometimento, pode-se entender ser ele uma manifestação natural, porém atípica de uma sociedade sadia” SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 130.

96 Tem-se notado certa tendência ao estudo do que se convencionou denominar Direito de Polícia Judiciária. Atenta a este enfoque, a Escola Superior de Polícia realizou em Brasília o I Congresso de Direito de Polícia Judiciária (março-2017). Foram discutidos não só a instrução preliminar e suas implicações, mas também os atos de polícia judiciária, a separação de poderes e o devido processo, além do perfil constitucional da atuação das autoridades policiais.

97 Aury Lopes Júnior no prefácio de HOFFMANN, Henrique; MACHADO, Leonardo Marcondes; ANSELMO, Márcio Adriano; BARBOSA, Ruchester Marreiros. Polícia Judiciária no Estado de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. P. X.

98 OLIVEIRA, Luciano. Sua Excelência, o Comissário e outros ensaios de Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Ed. Letra Legal, 2004. Págs. 22/23, sem destaque no original.

99 HOFFMANN, Henrique; MACHADO, Leonardo Marcondes; ANSELMO, Márcio Adriano; BARBOSA, Ruchester Marreiros. Polícia Judiciária no Estado de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. P. 3.

100 MACHADO, Leonardo Marcondes. Investigação Preliminar: por uma política de redução de dor. In Sistema Penal e Poder Punitivo, estudos em homenagem ao Prof. Aury Lopes Jr. Coordenador Salah H. Khaled Jr. Editora Empório do Direito, Florianópolis. 2015. p. 333.

101 MACHADO, Leonardo Marcondes. Investigação Preliminar: por uma política de redução de dor. In Sistema Penal e Poder Punitivo, estudos em homenagem ao Prof. Aury Lopes Jr. Coordenador Salah H. Khaled Jr. Editora Empório do Direito, Florianópolis. 2015. p. 334.

102 No STJ - RHC 72.074/MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 06/10/2016, DJe 19/10/2016; HC 353.417/BA, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 25/10/2016, DJe 17/11/2016; RHC 75.048/BA, Rel. Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 25/10/2016, DJe 07/11/2016, de cuja ementa se colhe: o trancamento de ação penal ou de inquérito policial, em sede de habeas corpus ou recurso ordinário, constitui medida excepcional, somente admitida quando restar demonstrado, sem a necessidade de exame do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a ausência de indícios suficientes da autoria ou prova da materialidade – sem destaques no original.

No STF - RHC 117988, Relator(a):  Min. Gilmar Mendes, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. Celso De Mello, Segunda Turma, julgado em 16/12/2014, processo eletrônico dje-037 divulg 25-02-2015 public 26-02-2015; pet 4979, relator(a):  min. Roberto Barroso, primeira turma, julgado em 23/06/2015, acórdão eletrônico dje-184 divulg 16-09-2015 public 17-09-2015, em que se determinou o trancamento da notitia criminis, antes mesmo, portanto, da instauração de procedimento investigativo ou ação penal.

103 ANDRADE, Roberta Lofrano. Processo Penal e Sistema Acusatório. Evolução histórica, Expansão do Direito Penal e Considerações críticas sobre o Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 5.

104 MACHADO, Felipe. Gestão da Prova, A Pedra de Toque do Processo Penal Acusatório. In Constituição e Processo, Uma Análise Hermenêutica da (Re)Construção dos Códigos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p.131. O autor inclusive sugere que um sistema acusatório genuíno determinaria o recebimento da denúncia ou queixa por um juiz (que poderia ser o juiz de garantias), de forma a que o magistrado que fosse julgar efetivamente o processo não tivesse acesso aos elementos de convicção que ensejaram o início da ação penal, apreciando-a somente com olhos para as provas produzidas com a participação das partes.

105 ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p.14.

106 vejam-se os arts. 12, 27, 39, § 5º, e 46, § 1º, do CPP.

107 ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p.15.

108 BECCARIA, Cesare. Do delito e das penas. 3ª Ed. Leme/SP: Edijur, 2015. p. 16.

109 Vale salientar que o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público não implica assunção da presidência da instrução preliminar, que é sempre da atribuição das autoridades policiais. A condução da instrução preliminar e em especial a deliberação a respeito das diligências que serão realizadas cabem à autoridade policial, não obstante possa o membro do Ministério Público requisitar diligências investigatórias imprescindíveis ao oferecimento da denúncia, nos termos do art. 16 do Código de Processo Penal. Até o encerramento da investigação, o Ministério Público atua fiscalizando, ao passo em que a Polícia investiga com caráter discricionário. CARDOSO, Duílio Mocelin. A atuação investigatória da polícia judiciária e o controle externo de legalidade do Ministério Público no inquérito policial. In Revista Prisma, n. 81, jan-mar/2015, p. 31/38.

110 Que seriam, segundo Manuel Monteiro Guedes Valente, legitimidade e eficácia. VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. A Polícia do Estado Democrático e de Direito. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. p. 18.

111 Essa não é, atualmente, uma atribuição legal ou constitucional da Polícia judiciária, mas sim um forte resquício de suas funções no período anterior à atual ordem constitucional. Antes da Constituição Federal de 1988, muitos dos casos que hoje são atribuídos aos Juizados Especiais eram levados à autoridade policial ou a seus delegatários para a solução do litígio, mesmo que de natureza cível. O artigo Sua Excelência, o Comissário, de Luciano Oliveira, faz uma análise empírica de diversos casos em que a autoridade policial foi chamada a atuar como juiz do caso concreto (OLIVEIRA, Luciano. Sua Excelência, o Comissário e outros ensaios de Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Ed. Letra Legal, 2004. Págs. 18/53). No mesmo sentido, colhe-se da obra de Antônio Carlos Beaubrun Júnior o seguinte esclarecimento: “Algumas pesquisas socioantropológicas já foram realizadas sobre os juizados especiais cíveis e criminais, em grande parte delas discute-se como a mediação é utilizada para produção de consensos sociais. Ghiringhelli Azevedo chamou atenção que os JECrim’s, surgindo para desafogar o judiciário, acabaram por abrir as portas da justiça penal para uma conflitualidade antes abafada nas delegacias e para a qual o Estado é chamado a exercer papel de mediador, mais do que punitivo (BEAUBRUN JÚNIOR, Antônio Carlos. Delegado Conciliador, Rio de Janeiro: Mallet Editora, 2017. p 18). Muito interessante registrar que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1.028/2011, que visa alterar a forma de conciliação nos Juizados Especiais Criminais, inserindo a autoridade policial como conciliador dos conflitos estabelecidos (o projeto pode ser acompanhado no seguinte endereço: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=498383).

112 O conceito de autoridade está diretamente ligado ao de poder de Estado. Autoridade é aquele ou aquela que, com fundamento em lei, é parte integrante da estrutura do Estado (TORNAGHI, Hélio Bastos. Conceito de autoridade policial. Parecer disponível em: https://blogdodelegado.wordpress.com/conceito-de-autoridade-policial-na-legislacao-processual-penal-brasileira/, compulsado aos 26/10/2015). Os demais servidores do sistema (os policiais em sentido geral) são agentes da autoridade. A título de exemplo, o Estatuto da Polícia Civil do Paraná (Lei Complementar Estadual nº 14 - 26 de Maio de 1982, disponível em http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/listarAtosAno.do?action=exibir&codAto=7724, consultado em 21/2/2018) tem a seguinte redação:

CAPÍTULO III - DAS AUTORIDADES POLICIAIS, SEUS AGENTES E AUXILIARES

Art. 8º. São autoridades policiais: I - o Delegado Geral da Polícia Civil; II - os Delegados de Polícia.

Art. 9º. São agentes da autoridade policial: I - os Comissários de Polícia (em extinção); II - os Investigadores de Polícia; III - os Agentes em Operações Policiais. Art. 10. São Auxiliares da autoridade policial: I - os Escrivães de Polícia; II - os Papiloscopistas.

Art. 11. Os agentes e auxiliares são subordinados diretamente às autoridades policiais perante as quais servirem, observado o disposto no § 3º., do art. 209.

113 Não se pode esquecer que os movimentos sociais partem de um extremo a outro antes de encontrarem um ponto de equilíbrio. Em oposição ao regime autoritário que a antecedeu, a Constituição Federal de 1988, embora tenha atribuído à Polícia a função investigar, restringiu-lhe a força, sobretudo exigindo autorização judicial para diversas diligências policiais antes realizadas meramente pela ordem da autoridade policial.

114 A relevância do cargo é tal, que o STJ já teve oportunidade de impedir o acesso ao cargo de delegado de polícia a pessoa que meramente respondia a processo criminal, registrando que a autoridade policial age, strictu sensu, em nome do Estado, razão pela qual dela exige-se não apenas comprometimento à moralidade administrativa, mas também conduta proba. Confira-se: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PARA DELEGADO DE POLÍCIA. FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL. CANDIDATA DENUNCIADA PELA PRÁTICA DOS CRIMES DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA E DE CORRUPÇÃO ATIVA.

O Superior Tribunal de Justiça tem inúmeros precedentes no sentido de que o candidato indiciado em instrução preliminar ou condenado em sentença penal sem trânsito em julgado não pode ser eliminado do concurso público com base nessas circunstâncias.

Essa jurisprudência pode justificar-se a respeito de cargos públicos de menor envergadura, v.g., o de agente penitenciário, precisamente a situação examinada no precedente de que trata o RMS 32.657, RO, relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima (DJe, 14.10.2010).

Outra, no entanto, deve ser a solução quando se cuida daqueles cargos públicos cujos ocupantes agem stricto sensu em nome do Estado, incluído nesse rol o cargo de Delegado de Polícia. O acesso ao Cargo de Delegado de Polícia de alguém que responde ação penal pela prática dos crimes de formação de quadrilha e de corrupção ativa compromete uma das mais importantes instituições do Estado, e não pode ser tolerado. Recurso ordinário desprovido. (RMS 43.172/MT, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 22/11/2013)

115 HENRIQUE HOFFMANN, in HOFFMANN, Henrique; MACHADO, Leonardo Marcondes; ANSELMO, Márcio Adriano; BARBOSA, Ruchester Marreiros. Polícia Judiciária no Estado de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. P. 49.

116 ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p. 32.

117 Sobre todo esse histórico, conferir ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p. 32/76.

118 O marco divisório entre as polícias primitivas e as polícias modernas é a profissionalização, que somente pode ser vista, efetivamente, em 1829 com a fundação da Polícia Metropolitana de Londres (MET). Já em 1863, a MET passou a contar com um departamento de investigações criminais.

119 ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.Nota nº 36, na p.38, fazendo referência às lições de Marcel Lê Clère.

120 Também na Inglaterra, desde o início do século XVIII, exigia-se do Chefe de Polícia diploma do curso de Direito.

121 De onde resulta, em grande parte, sua importância no Estado Democrático de Direito.

122 É o sistema que até hoje vige entre nós, com as Polícias Militares atuando como polícia administrativa e as Polícias Civis e Federal atuando como polícia judiciária, o que fazem pela instauração de investigações criminais presididas pela autoridade policial, o delegado ou a delegada de polícia (Lei nº 12.830/2013, art. 2º, § 1º).

123 O Regulamento nº 120 de 31 de janeiro de 1842, em seus arts. 58 e 64, autoriza os Chefes de Polícia a julgar alguns crimes.

124 OLIVEIRA, Luciano. Sua Excelência, o Comissário e outros ensaios de Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Ed. Letra Legal, 2004. Pág. 47.

125 ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba/SP: Brazilian Books, 2005.p 60/61.

126 FREDERICO MARQUES, José. Elementos de direito processual penal. Vol. I. Campinas/SP: Bookseller, 1997. p. 101/102.

127 STELLA DE AMORIN, Maria; KANT DE LIMA, Robert; BURGOS, Marcelo Baumann (orgs). Juizados Especiais Criminais, Sistema Judicial e Sociedade Brasileira. Niterói: Intertexto, 2003. p. 31, apud BEAUBRUN JÚNIOR, Antônio Carlos. Delegado Conciliador, Rio de Janeiro: Mallet Editora, 2017. p. 34.

128 A polícia judiciária é uma segunda divisão do juiz inquisidor. A primeira foi a criação do acusador.

129 Teoria do Estado. Do Estado de Direito ao Estado Democrático de Direito. Barueri, SP: Manole, 2013, p. 60/61.

130 Vale registrar que parte da doutrina defende que todos os Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Estado brasileiro e em vigor entre nós, em decorrência do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, têm nível de norma constitucional, independentemente de terem sido internalizados nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal. Nesse sentido, além da clássica lição de Flávia Piovesan, MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

131 Por supralegalidade, entenda-se: valem mais do que a lei e menos do que a Constituição. A lei que contrariar as disposições de um tratado será vigente, mas inválida. É o que se deu, por exemplo, na hipótese da prisão civil do depositário infiel, que ensejou a Súmula Vinculante nº 25 (É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito) porque foram derrogadas, do ordenamento interno, todas as normas que permitiam tal prisão em razão de sua incompatibilidade com o art. 7º, nº 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969. Nesse sentido, STF, HC nº 87.585/TO e RE nº 466.343/SP).

132 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 130.

133 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. P.215

134 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. P. 39.

135 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. P.40

136 ROSA, Alexandre Morais da. Sistemas e Devido Processo Legal Substancial – 25 anos depois. In Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica – RIHJ. Belo Horizonte, ano 11, n. 13, p. 75-94 – jan/jun.2013.p.81

137 XXIII Conferência Nacional da Advocacia. Declaração proferida no dia 27 de novembro do ano corrente, noticiada em https://www.conjur.com.br/2017-nov-27/fachin-hora-reconhecer-valor-tratados-direitos-humanos.

138 Disponível em http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm, consultado em 3/12/2017.

139 BARBOSA, Ruchester Marreiros. A Função Judicial do Delegado de Polícia na Decisão Cautelar do Flagrante Delito. RDPJ. Brasília, ano 1, nº 2. Jul-Dez/2017. págs. 157/195.

140 Sentença de 23 de novembro de 2010, disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_218_esp2.pdf, consultada em 3/12/2017.

141 BARBOSA, Ruchester Marreiros. A Função Judicial do Delegado de Polícia na Decisão Cautelar do Flagrante Delito. RDPJ. Brasília, ano 1, nº 2. Jul-Dez/2017. p. 184.

142 BARBOSA, Ruchester Marreiros. A Função Judicial do Delegado de Polícia na Decisão Cautelar do Flagrante Delito. RDPJ. Brasília, ano 1, nº 2. Jul-Dez/2017. págs. 157/158 (sem destaques no original).

143 Ruchester, in HOFFMANN, Henrique; MACHADO, Leonardo Marcondes; ANSELMO, Márcio Adriano; BARBOSA, Ruchester Marreiros. Polícia Judiciária no Estado de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. P. 64

144 Cuja jurisprudência, mesmo que interpretativa, nos vincula, relembre-se.

145 Constituição Federal, art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

146 Nos seus comentários à Constituição Federal, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery enumeram e discorrem acerca dos requisitos autorizadores da restrição de direitos fundamentais, um deles sendo a possibilidade de controle do ato restritivo pelo Poder Judiciário. Confiram-se as suas lições: “o ato do poder público que restringe direito fundamental pode ser amplamente revisado pelo Poder Judiciário, em razão dos fundamentos principais. Primeiro porque nessa matéria inexiste discricionariedade administrativa que não possa ser sindicada pelo Judiciário; segundo, porque, em última instância, é tarefa do próprio Judiciário examinar se existe ilegalidade e principalmente a (in)constitucionalidade do citado ato; qualquer restrição a esse direito configurará flagrante violação ao disposto na CF 5º XXXV” (NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. Pág. 217).

147 Reitere-se que captura e detenção não se confundem. A captura pode ser realizada por qualquer pessoa do povo ou pelos agentes da autoridade policial, mas a detenção apenas pode por ela, autoridade, ser determinada, e, ainda assim, mediante a chancela do Poder Judiciário a quem o encarceramento deve ser comunicado em até vinte e quatro horas.

148 Nas seguintes hipóteses também haverá apenas reserva relativa de jurisdição: (a) apreensão de bens (artigo 6º, II do CPP); (b) requisição de perícias, objetos e documentos (artigo 6º, VII do CPP e artigo 2º, §2º da Lei 12.830/13); (c) requisição de dados cadastrais (artigo 15 da Lei 12.850/13, artigo 17-B da Lei 9.613/98, artigo 10, §3º da Lei 12.965/14 e artigo 13-A do CPP); (d) requisição de dados telefônicos de localização (ERBs) após decurso de 12 horas sem decisão judicial (artigo 13-B do CPP); (e) busca pessoal (artigo 240, §2º do CPP); (f) condução coercitiva (artigo 201, §1º, 218, 260 e 278 do CPP); (g) ação controlada no crime organizado (artigo 8º, §1º da Lei 12.850/13), terrorismo (artigo 16 da Lei 13.260/16) e tráfico de pessoas (artigo 9º da Lei 13.344/16); (h) aceite de colaboração de detetive particular (artigo 5º, parágrafo único da Lei 13.432/17); e, (i) afastamento de servidor público mediante indiciamento por crime de lavagem de capitais (artigo 17-D da Lei 9.613/98).

149 A possibilidade de arbitramento de fiança pela autoridade policial é uma hipótese em que o ordenamento jurídico admitiu a concessão da liberdade por autoridade outra que não a judicial (art. 325, I, do Código de Processo Penal).

150 Nesse sentido, confira-se a doutrina constitucional de Nelson Nery Júnior e de Rosa Maria de Andrade Nery: “O direito à liberdade é relativo à qualidade do ser humano enquanto sujeito de direito. Portanto, a regra geral do sistema constitucional brasileiro quanto à prisão, em razão do direito de todos à liberdade, é a de que ninguém deverá ser preso (CF 5º LXI), a não ser nas exceções estritas previstas na CF. [...] A liberdade é a regra; a prisão é a exceção. Em favor do cidadão, há a presunção ‘iuris tantum’ de inocência (CF 5º LVII). Por isso é que a prisão cautelar, provisória (L 7960/89) ou preventiva (CPP 312 a 316) somente pode ser autorizada em situações excepcionais, mediante decisão judicial de fundamentação estrita e objetiva, com individuação (CF 93 IX). A prisão cautelar é a mais grave ingerência na liberdade individual, mas indispensável, em certos casos, para uma administração eficiente da justiça penal” NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.p. 239.

151 Nesse sentido: “Na investigação [...], existem atos ou medidas de caráter cautelar, principalmente quando o instituto é da liberdade, notadamente, por força constitucional, art. 5º, LXVI, [...] caindo por terra argumentações de que medida cautelar somente existiria se provindas do judiciário. Partindo-se de uma leitura constitucional, na qual se admite ampliação de direitos e garantias por uma ordem internacional, [...] necessário difundirmos o reconhecimento expresso sobre a legitimidade de órgãos não jurisdicionais à plena possibilidade do exercício da função igualmente jurídica típica da magistratura ou também denominada de ‘materialmente judicial’” Ruchester Marreiros Barbosa In HOFFMANN, Henrique; MACHADO, Leonardo Marcondes; ANSELMO, Márcio Adriano; BARBOSA, Ruchester Marreiros. Polícia Judiciária no Estado de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. P.60.

152 STF, HC 84.548, Rel Min. Marco Aurélio, DJ 21/6/2012.

153 BARBOSA, Ruchester Marreiros. A Função Judicial do Delegado de Polícia na Decisão Cautelar do Flagrante Delito. RDPJ. Brasília, ano 1, nº 2. Jul-Dez/2017.p. 181.