A VULNERABILIDADE DA QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO POLICIAL CIVIL NO ESTADO DO PARANÁ

 

ROMERO, Josy *   

RESUMO:

Este trabalho é o resultado de um esforço realizado pelo Setor de Planejamento da Escola Superior de Polícia Civil (ESPC) do Departamento de Polícia Civil (DPC) do Estado do Paraná com a preocupação de analisar a importância da capacitação para o desenvolvimento do corpo técnico desta instituição. Considera-se, neste sentido, que a capacitação não é importante apenas para o aperfeiçoamento técnico dos servidores da DPC, mas também para a melhoria dos padrões de qualidade de vida da área técnica do Departamento, composta por escrivães, investigadores e papiloscopistas, além de sua chefia imediata, os delegados de Polícia Civil. Para isso foi realizada uma pesquisa através do e-mail institucional do Departamento junto ao quadro técnico composto por aproximadamente 3.500 servidores ativos. Destes, 515 participaram da pesquisa. Os resultados observados permitem afirmar que o programa de capacitação do DPC do Paraná é considerado importante pelo quadro técnico da instituição, que demanda maiores investimentos nesta área. Adicionalmente, constatou-se em muitas ocasiões que a despeito da importância do processo de capacitação para aperfeiçoamento dos serviços prestados pelo DPC, não prevalece a cultura dentre a equipe gerencial do Departamento em estabelecer programas de capacitação como sendo de alta importância deste processo, o que se evidencia pela dificuldade de liberação do corpo técnico para a realização de treinamentos por parte de suas chefias imediatas. A pesquisa permitiu identificar a insatisfação do corpo técnico do Departamento com relação a esta postura, e acima disso, dificulta a manutenção de um padrão de qualidade adequado nos serviços prestados à população.

Palavras-chaves: Programas de capacitação de servidores públicos, Departamento de Polícia Civil, Gestão Pública

 

THE QUALIFICATION VULNERABILITY OF THE POLICE PROFESSIONAL IN THE STATE OF PARANA

 

ABSTRACT:

This work is the result of an effort made by the Superior Police Academy (ESPC) planning sector within the Civil Police Department (CPD) of the State of Paraná with the concern to analyze the importance of training for the development of its personnel. In this sense, it is considered that training is not only important for the technical improvement of the CPD workforce, but also to improve the quality of life for the Police force technical area, composed of police clerks, Detectives, Fingerprints Specialists, as well as their immediate leadership, the Civil Police Chiefs . For this, a survey was carried out through the Civil Police institutional email to the technical staff composed of approximately 3,500 active public servants. Of these, 515 participated in the survey. The observed results allow us to affirm that the CPD training program of Paraná is considered important by the institution's technical staff, which demands greater investments in this area. Additionally, it has been found on many occasions that despite the importance of the training process for improving the services provided by the CPD, there is no prevailing culture within the Police Force management team for establishing the training program. It is not seen as being of high importance. This is evident by the difficulty of releasing the personnel to carry out training by their immediate superiors. The research allowed us to identify the dissatisfaction of the Department's technical staff regarding this attitude, as well as the fact that it is difficult to maintain an adequate quality standard in the services provided to the population.

Keyword: Civil Servants Training Programs, Civil Police Department, Public Management

 

 

 

INTRODUÇÃO:

Ao longo dos anos de 1980 e 1990, muitos países deram origem a movimentos para analisar o padrão de gestão adotado pelos governos, visando promover mudanças na administração do setor público que permitissem tornar as organizações mais dinâmicas e eficientes, atuando com custos mais baixos e ao mesmo tempo buscando maior satisfação do público.

Um dos pilares destas mudanças seria a política de treinamento dos servidores técnico-administrativos para satisfazer as demandas da população.

Estas transformações no padrão de administração do setor público iniciaram-se, no Brasil, da década de 1990 em diante, a partir da aprovação do Plano Diretor da Reforma do Estado (Marconi, 2005).

Segundo Olivier (2001), estas evoluções no setor público brasileiro apresentam ainda poucas formas evidentes, apesar de terem sido desenvolvidas com o intuito de produção de uma gestão pública mais profissional, especialmente no que se refere à área de recursos humanos.

Algumas organizações públicas parecem demonstrar certa morosidade na aplicação de formas mais modernas na administração de recursos humanos. Isto promove um atraso se comparado às mudanças que surgem na área técnica e no mercado e às mudanças na administração de RH.

Segundo Marconi (2005) há necessidade de evolução do departamento de RH no setor público que tenha êxito em criar as bases para sanar dificuldades que ainda existem, como a desmotivação dos funcionários e a má qualidade no atendimento à sociedade.

Alguns autores observam que as práticas de recursos humanos no setor governamental, inclusive as práticas de capacitação, na maior parte dos órgãos públicos, não apresentam políticas definidas para a capacitação técnica do funcionário pelo treinamento e a evolução de carreira (GAETANI, 1998; NUNBERG; 1998; PACHECO, 2002).

Adicionalmente, o nível de capacitação técnica dos servidores públicos, ocasionalmente, deixa a desejar, o que se reflete na realização de um trabalho inferior ao necessário o que é inadequado às demandas atuais da sociedade. Essa questão gera a necessidade de atenção com foco na capacitação contínua dos servidores através de treinamento.

Ainda no que se refere à motivação dos servidores, observa-se ainda que em muitas ocasiões as promoções dos funcionários técnico-administrativos apresentam limites em função das normas que restringem a transição entre cargos de níveis diferentes, exclusivamente através de outro concurso público.

Esta exigência imposta pela legislação promove em muitos casos situações nas quais o funcionário, mesmo possuindo um título superior, tenha que continuar exercendo cargos de nível médio. O departamento não pode recompensá-lo por seus esforços, o que pode limitar a aplicação de seus novos conhecimentos no exercício de sua função.

Diante do contexto de reformas na gestão pública, o objetivo do presente trabalho visa identificar a forma com que a promoção de aperfeiçoamento do quadro técnico de servidores, especialmente através da capacitação, afeta o desempenho das funções do quadro no DPC - Departamento da Polícia Civil.

O trabalho analisa os principais aspectos que obstaculizam a capacitação dos policiais civis no Estado do Paraná. A pesquisa foi realizada com policiais da ativa para identificar a situação atual dos policiais do departamento: em relação à sua motivação, capacitação para exercer as atividades diárias, e satisfação com relação ao trabalho e suas pretensões de carreira.

Estes resultados devem contribuir para o aperfeiçoamento da gestão pública no Departamento da Polícia Civil para que se torne mais moderna e eficiente.

 

 

1. POLÍTICAS DE CAPACITAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS:

Nas práticas de capacitação, as modificações estão acontecendo com intervalos cada vez menores, e com pluralidade, intensidade e velocidade gradualmente maiores. Estas modificações têm ocorrido em decorrência de preocupações de diferentes parcelas da população quanto à capacitação dos funcionários.

A concepção que tem sido dominante é que a preocupação com a capacitação de servidores é alvo de atenção de múltiplos segmentos da sociedade, e não depende somente de instituições de ensino e das organizações.

Com isto propõe-se a analisar aspectos da importância da capacitação do servidor para atender às exigências da sociedade, evidenciando a atenção aos principais termos que definem o treinamento pessoal que são a educação, a capacitação e o desenvolvimento.

Segundo Chiavenato (1994), a educação é definida como qualquer aspecto que o ser humano capta do ambiente social, durante toda sua vida, com o intuito de se adaptar às normas e valores sociais vigentes. Embora existam diferentes modalidades de educação, neste artigo o foco será a análise da educação profissional, que tem como propósito preparar o servidor para a vida profissional.

Tendo isto em vista, entende-se que a educação abrange quaisquer aspectos pelos quais o servidor amplia seu entendimento do mundo que o cerca, incluindo a ampliação da capacidade para poder lidar com seus problemas de forma mais eficiente (Carvalho, 1988).

Nesta situação o servidor sofre a influência, continuamente, do meio em que vive. Todavia existe uma dificuldade em separar a educação através da capacitação e da educação teórica, considerando que a capacitação consiste em um aspecto da educação que é a especialização, cujo propósito é preparar a pessoa para o desempenho eficiente de uma determinada tarefa a ela atribuída.

A ligação entre educação e capacitação se estabelece quando a educação do servidor é voltada à formação em seus vários níveis de ensino (Carvalho, 1988). Sob uma perspectiva formal a instrução permanece sendo parte atuante da educação. E a capacitação, dando sequência à educação, prepara o servidor para aperfeiçoar suas funções profissionais e o exercício das mesmas. A capacitação é a ação sistematizada de educação para o aperfeiçoamento e o desenvolvimento do servidor (Milioni, 2001).

Outra concepção acerca do tema é a de que capacitação é o meio para adaptar cada servidor a sua função, com vista ao alcance dos objetivos do departamento (Gil, 2001).

O que se observa nos dias de hoje é que o trabalho de capacitação busca trazer competências aos servidores, para que se tornem mais produtivos e contribuam para a instituição.

Por esse motivo, quando se observa a capacitação de servidores, normalmente se fala em treinamento para servidores ou qualificação para o trabalho.

Assim, desenvolver servidores significa fornecer-lhes noções básicas para que modifiquem hábitos adquiridos, através de novas atitudes e de preparação para aperfeiçoar seus conhecimentos, no intuito de se tornarem mais aptos às tarefas que precisam realizar diariamente.

Neste trabalho se optou em utilizar a noção de capacitação, a qual resume a concepção de alguns autores sobre o tema (CHIAVENATO, 1999; FERREIRA, 1989; GIL, 2001). Segundo estes autores, a capacitação remete a qualquer atividade contínua com o intuito de ampliar, no servidor, conhecimentos e habilidades para este executar suas tarefas de forma mais eficiente no exercício de suas funções.

Esta concepção vai além da ideia de capacitação considerando que visa habilitar o servidor para uma ação posterior, através do aperfeiçoamento funcional.

Também deve-se pesar o fato de que o desenvolvimento do conhecimento sobre administração, especialmente na área de sistemas, e as transformações contínuas na gestão das instituições, a ação de qualificação passou a ser analisado por meio de uma abordagem sistêmica.

Segundo Gil (2001), a capacitação é uma ação que engloba diferentes métodos que são compreendidos por diagnóstico, prescrição, execução e avaliação.

Reitera que o enfoque sistêmico possui a virtude de englobar diferentes abordagens científicas sobre o processo de capacitação.

Adicionalmente, Borges-Andrade (1982) interpretam a capacitação de forma similar, compreendida na forma de uma gama de atividades relacionadas entre si, nas quais são identificadas as necessidades de treinamento, através das quais é produzido o planejamento, que irá produzir a orientação para a execução e avaliação da capacitação.

A avaliação possibilitará uma interpretação acerca das mudanças necessárias nos outros componentes do sistema. A capacitação deve produzir uma atividade contínua, constante e ininterrupta na organização (Chiavenato, 1999).

Isso promove o entendimento de que, mesmo quando os funcionários demonstram um desempenho impecável, permanece algo a ser aperfeiçoado, no intuito de atingir um novo nível de desempenho em momento posterior. Portanto, certo direcionamento e aperfeiçoamento das habilidades sempre deve ser promovido ou introduzido.

Existe um entendimento entre alguns autores (Carvalho, 1988; Chiavenato, 1999; Gil, 2001) de que a capacitação representa um processo combinado de quatro etapas relacionadas entre si: diagnóstico das necessidades, planejamento ou programação, execução e avaliação.

A primeira destas etapas, que consiste no diagnóstico é representada pela interpretação no âmbito da organização das tarefas e do servidor (CARVALHO, 1988; CHIAVENATO, 1999; GIL, 2001).

A segunda, planejamento e programação, representa o desenvolvimento do programa de capacitação para suprir as necessidades identificadas (quem deve receber treinamento, como, em que, por quem, onde e quando) visando alcançar os objetivos da capacitação. Segundo Harazim (2001), ao elaborar o plano, o planejador deve estar apto a diferenciar a capacitação de conhecimentos da capacitação de habilidades e de comportamentos. Isso porque os conhecimentos se obtém através do estudo; as habilidades se adquirem com o exercício; e os comportamentos, através de decisão pessoal e pela interação com outras pessoas.

A terceira, execução ou implementação, refere-se à aplicação e condução do programa de capacitação. Finalmente, a avaliação busca entender se os objetivos da capacitação foram atingidos através do processamento dos resultados da capacitação (MILIONI, 2001).

Segundo Milioni (2001), os gestores de capacitação e desenvolvimento precisam desenvolver seus projetos de capacitação considerando a avaliação de resultados como um procedimento de menor importância dentro do planejamento de treinamento e desenvolvimento, que se subdivide em quatro níveis (reação, aprendizagem, mudança de comportamento no cargo e resultados organizacionais).

Cada um desses níveis é tão importante quanto o outro para permitir a observação dos resultados gerados através do programa de capacitação. Para se consolidar o alcance da atividade de capacitação deve-se levar em conta o desempenho de determinadas variáveis-chave, dentre as quais as principais delas são as características de cada um dos treinandos relacionadas à motivação para se capacitar e para ensinar a aprendizagem a outros.

Segundo Lacerda e Abbad (2003), a motivação para treinar ou para aprender pode ser entendida como direção, esforço, intensidade e persistência com que os servidores aderem às atividades orientadas para a aprendizagem antes, durante e depois da capacitação.

Afirmam que a dimensão na qual os servidores estão motivados para aplicar o conteúdo que aprenderam durante a capacitação representa um estado emocional que deve ser identificado no término da capacitação, referindo-se à motivação para transferir, ou seja, é a capacidade e disposição do participante de utilizar, no trabalho, o aprendido na capacitação.

Segundo Marconi (2005), em se tratando de capacitação no setor público, a maioria das instituições públicas não possui políticas definidas para o desenvolvimento do funcionário pela capacitação e a progressão na carreira.

Essa situação carece de modernização e atualização da força de trabalho, para atender às mudanças constantes nas exigências dos cidadãos.

Nunberg (1998) afirma que os processos de ascensão na carreira e programas de capacitação adequados para os servidores públicos são praticamente inexistentes em muitos países, inclusive no Brasil.

Ressalte-se que as iniciativas de capacitação para o desenvolvimento de dirigentes precisam ser aprofundadas na administração pública e, além disso, os mecanismos de avaliação de desempenho precisam ser aprimorados. O desafio é demonstrar como os investimentos em profissionalização melhoram os resultados do serviço público.

As mudanças na área de recursos humanos, com a reforma do Estado, englobam a necessidade de dar atenção especial à capacitação permanente dos servidores por meio de treinamentos.

Conforme Pacheco (2002), a partir de 1995 foram intensificados os programas de qualificações na Escola Nacional de Administração Pública (Enap), na Escola de Administração Fazendária (Esaf), além de outras instituições públicas e privadas contratadas pelos diversos órgãos federais. Comenta o autor que o aumento do número de qualificações foi, em parte, possibilitado por nova visão sobre o papel da capacitação no setor público, pois, tradicionalmente, a capacitação era vista como um requisito para promoção na carreira.

Ainda no que se refere à capacitação no setor público, Pacheco (2002) afirma que a maior efetividade no uso de recursos destinados à capacitação depende, também, de um realinhamento estratégico das áreas de recursos humanos nas organizações públicas.

Quanto aos investimentos em capacitação, existe a hipótese de que se gasta muito com capacitação e não se sabe como esses recursos são gastos, pois, os resultados não são mensurados.

Marques (2002), também, comenta que o volume de gastos com a capacitação no âmbito do governo é uma indagação, cuja resposta é difícil de ser obtida, uma vez que se trata de um dado bastante disperso.

Em se tratando da capacitação, Grillo (1990) declara que órgãos públicos constituem ambiente propício para o desenvolvimento de programas de aperfeiçoamento e atualização, visto que o quadro de pessoal é composto por grande diversidade de especialistas, tanto no corpo técnico quanto no de servidores administrativos.

Não obstante, declara que mesmo possuindo condições favoráveis, nem sempre os departamentos conseguem estimular seus servidores no sentido do aperfeiçoamento. Isso porque esse estímulo, em muitos casos, diz respeito à vinculação que o aperfeiçoamento deve ter com a carreira e, no caso dos órgãos públicos, principalmente para técnico-administrativos, a carreira é pouco motivadora devido a problemas, como política salarial defasada, indefinição de atribuições dos cargos, falta de incentivos e ausência de relação entre capacitação e carreira.

Por outro lado, segundo Marques (2002), as novas demandas provenientes de mudanças na administração pública tendem a demandar dos órgãos públicos a criação de mecanismos para o incentivo e a valorização dos seus recursos humanos, por meio do desenvolvimento de ações de capacitação, direcionadas para a democratização do saber no âmbito institucional.

O desenvolvimento de recursos humanos nos órgão públicos deve estar voltado para a promoção da satisfação dos servidores, que se inserem na esfera das instâncias técnicas e administrativas, visto que o bem-estar e a melhoria da qualidade de vida desses servidores são aspectos diretamente inter-relacionados.

Tais propósitos de capacitação e desenvolvimento nos órgãos públicos podem ser considerados um avanço, no sentido de tentar melhorar a profissionalização da administração de RH, o que é coerente com as exigências impostas pelo contexto de modernização do setor público.

 

 

2.METODOLOGIA:

De acordo com Yin (2001), trata-se de um estudo de caso que possibilita investigar o fenômeno com maior profundidade, dentro de seu contexto, não interferindo em suas características significativas. A opção pela utilização do estudo de caso deve-se ao fato de haver poucos estudos na área de treinamento no DPC.

Assim, optou-se por estudar de forma mais intensa uma realidade específica, que é a do treinamento em capacitação no DPC do Estado do Paraná.

O trabalho é o resultado de uma pesquisa conduzida por e-mail institucional dos servidores do quadro da Polícia Civil do Estado do Paraná. O público alvo da pesquisa é o quadro de servidores, composto principalmente por escrivães, investigadores e papiloscopistas, além dos seus chefes, os delegados.

Servidores aposentados não fizeram parte da pesquisa. O Departamento abrange todo o Estado do Paraná, que conta com aproximadamente 3.500 servidores ativos.

Dentro do quadro de servidores do DPC (Departamento da Polícia Civil), todos são policiais de carreira, concursados. A pesquisa não contemplou servidores do quadro administrativo, uma vez que os cursos ofertados pela ESPC (Escola Superior de Polícia Civil) são voltados para policiais, e nem estagiários.

Todos os servidores pesquisados são, portanto, aptos a se inscrever nos cursos ofertados pela ESPC, sendo policiais concursados, principalmente escrivães, investigadores e papiloscopistas que estão na ativa e que passaram pelo curso de formação policial na ESPC.

 

 

3.RESULTADOS E DISCUSSÃO:

Em 2017 a ESPC - Escola Superior da Polícia Civil realizou um planejamento voltado à capacitação dos policiais, com uma agenda de cursos para todas as carreiras. Foram ofertadas aproximadamente cinco mil vagas de cursos. Porém, muitas turmas tiveram um número ínfimo de inscritos. Isso levou o setor de planejamento da ESPC a investigar as causas.

Muitos servidores procuram o setor de planejamento para realizar cursos, visando melhorar seu desempenho. Adicionalmente, receber certificação para adquirir pontuação com vistas a promoção na carreira.

Entretanto, uma vez ofertados os cursos, nota-se que muitas turmas não preenchiam o número total de vagas: evasão e desistência eram práticas comuns dos servidores.

A maior parte dos policiais alegavam não conseguir autorização do delegado, que é sua chefia imediata. Quando obtida, frequentemente esta autorização era revertida. O setor de planejamento também constatou que a maioria dos inscritos nos cursos são servidores lotados na capital (sede da ESPC) o que evita custos para o DPC com diárias de deslocamento.

Isso porque, para os servidores lotados no interior do Estado, há previsão de pagamento de diárias, para custear alimentação e estada. Observa-se, portanto, que a pressão pela redução de custos acaba exercendo prejuízos, particularmente sobre o servidor que mora no interior do Estado.

Nota-se que muitas vezes, para poder viabilizar a sua participação em cursos necessários ao exercício de suas atividades na delegacia, o aluno acaba viajando até a capital sem a diária a que faz jus.

Portanto, um dos maiores desafios tem sido alcançar o público do interior de Estado, em delegacias mais distantes que passam anos sem receber qualquer treinamento. Estes policiais ficam sem investimento em qualificação. Isto contribui para sua desmotivação, desatualização, como consequência, prestam um serviço precário a população local.

No intuito de captar essas percepções, o setor de Planejamento da ESPC elaborou e aplicou um roteiro de pesquisa (vide Apêndice A), cujos resultados são apresentados a seguir.

O Gráfico 1 sintetiza os resultados da primeira questão, demonstrando que a maioria dos entrevistados (47,1%) realizou qualificação presencial na ESPC há menos de 1 ano, o menor intervalo temporal existente na entrevista.

Gráfico 1 - Período decorrido desde a realização do último curso de qualificação presencial na ESPC - 2018

Fonte: Elaboração própria com base na pesquisa realizada com o servidores do DPC - PR.

 

Apesar deste índice, observa-se que uma quantidade significativa de entrevistados (30%) realizou qualificação presencial no intervalo compreendido entre 01 a 05 anos, um intervalo longo de tempo para um curso de reciclagem profissional.

Já nos cursos de ensino a distância oferecidos pela SENASP/MJ os entrevistados demonstraram uma frequência maior (Gráfico 2), o que é verificado pelo fato de que uma percentagem mais alta de entrevistados (55%) informou ter realizado pelo menos um curso de EAD no último ano.

Gráfico 2 - Frequência de participação dos servidores nos cursos EAD oferecidos pela SENASP/MJ - ESPC - 2018

Fonte: Elaboração própria com base na pesquisa realizada com o servidores do DPC - PR.

 

Considerando o aspecto motivacional, o Gráfico 3, correspondente ao quesito 03 da entrevista, indica que os motivos que mais afetaram a frequência dos servidores não estão relacionados ao desinteresse pelo conteúdo dos cursos. Dentre os entrevistados, 62% afirmaram que possuíam interesse na realização do curso. Não o fizeram, porém, por um problema alheio à sua vontade, a falta de autorização da chefia imediata.
 

Gráfico 3 - Interesse pela capacitação por parte do servidor - ESPC - 2018

Fonte: Elaboração própria com base na pesquisa realizada com o servidores do DPC - PR.

 

O quesito 4 também é um indicativo de que os servidores da Polícia Civil apresentam elevado grau de interesse em capacitação, considerando-a de uma perspectiva ampla.

O Gráfico 4 demonstra que, quando questionados a respeito de participação em cursos fora dos treinamentos institucionais, 23,9% dos servidores afirmaram ter realizado algum curso livre não ligado a atividade policial nos últimos 5 anos.

Além disso, 9,7% afirmaram terem participado de algum curso de pós-graduação nos últimos cinco anos, 9,1% afirmaram terem feito algum curso de extensão nos últimos 5 anos, e 7,2% afirmaram terem realizado algum curso de pós-graduação nos últimos cinco anos em uma instituição pública. Em outras palavras, quase metade dos entrevistados demonstrou disposição para arcar com custos extraordinários em qualificações externas, em detrimento da opção por realização apenas de cursos internos.
 

Gráfico 4 - Qualificações realizadas fora da estrutura da ESPC - 2018

Fonte: Elaboração própria com base na pesquisa realizada com o servidores do DPC - PR.

 

Já o item 5 da entrevista volta-se à avaliação do nível de expectativas dos servidores com relação à carreira no DPC. O Gráfico 5 demonstra que há um equilíbrio na distribuição dos entrevistados entre aqueles que possuem expectativas de ascensão, e que são atendidas em parte pela qualificação, que remontam a 39,8% do total de entrevistados, e aqueles que buscam outras atividades externas à carreira, muito embora pretendam permanecer nela, que representam 38,6% dos entrevistados.

Existem ainda aqueles que estão se preparando para realizar concursos para exercerem outras carreiras no serviço público, totalizando 9,1% dos entrevistados. Há aqueles que, por outro lado, não vislumbram a possibilidade de ascensão, mas pretendem continuar na Política Civil até a sua aposentadoria. Estes totalizam 10,5% dos entrevistados.

Gráfico 5 - Expectativa do servidor em relação ao seu trabalho no DPC -ESPC -2018

Fonte: Elaboração própria com base na pesquisa realizada com o servidores do DPC - PR.

 

A despeito da participação nos treinamentos ou das ambições com relação à carreira, 78% dos entrevistados demonstraram considerar insuficiente a quantidade de treinamentos ofertados pela ESPC (Gráfico 6), o que reforça o entendimento de que existe uma demanda não atendida dos servidores por treinamento.

Gráfico 6 - Avaliação dos servidores sobre a quantidade de treinamentos ofertados pelo DPC

Fonte: elaboração própria com base na pesquisa realizada com o servidores do Departamento.


 

Um número bastante significativo dos entrevistados afirmou, adicionalmente, ter cometido alguma falha profissional decorrente de falta de treinamento no DPC. O Gráfico 7 apresenta os resultados da autoavaliação dos servidores quanto a ter cometido alguma falha profissional decorrente da falta de treinamento.

Gráfico 7 – Avaliação dos servidores quanto a ter cometido alguma falha profissional decorrente da falta de treinamento - ESPC - 2018

Fonte: Elaboração própria com base na pesquisa realizada com o servidores do DPC - PR.

 

Este último quesito do questionário evidencia que 60% dos entrevistados responderam positivamente a esta questão, enquanto que apenas 39% dos entrevistados afirmaram ter cometido alguma falha profissional decorrente da falta de treinamento.

A intermitência dos treinamentos em atividades policiais tem sido objeto de reflexão em outros trabalhos acadêmicos. Em um estudo realizado no Estado do Rio de Janeiro no ano de 2017, demonstra que os policiais civis com treinamentos insuficientes e que exercem trabalho para o qual não foram treinados, passam 2,3 vezes mais por situações de violência em detrimento daqueles que estão exercendo funções para as quais foram treinados (MINAYO; SOUZA; CONSTANTINO, 2007).

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A revisão da literatura evidencia a importância da aplicação de ferramentas mais modernas de Gestão no serviço público brasileiro. Dentre estas ferramentas os programas de capacitação aparecem como aquela de maior importância para o aperfeiçoamento dos serviços prestados à população, e para a manutenção de padrões mínimos de qualidade de vida no serviço público. Porém, o policial, ainda hoje, carece de inúmeros meios e mecanismos envoltos de aprimoramentos educacionais que venham romper com o despreparo historicamente imposto sobre a prática da Segurança Pública.

Entretanto, a despeito da importância desta ferramenta e da necessidade de aprimoramento nos serviços prestados à população, as pesquisas indicam que prevalece ainda no serviço público, e no Departamento de Polícia Civil do Paraná, a existência de práticas ultrapassadas de gestão, como a restrição de investimentos em capacitação do pessoal da área técnica. Estas práticas contribuem para intensificar o sentimento de insatisfação do quadro de pessoal e dificultam o estabelecimento de padrões de qualidade aceitáveis para os serviços prestados pelo departamento.

Como efeito conclusivo ao respectivo estudo, algumas considerações pontuais necessitam ser remetidas ao entendimento contextual, como se expõe a seguir:

A vulnerabilidade na qualificação do policial é causa de muitos policiais que passam anos sem fazer qualquer curso por isso sentem insegurança na hora de atuar, implicando em quebra de qualidade do serviço que prestam para a sociedade. Disso se depreende que os ensinamentos provenientes da Escola Superior de Polícia Civil do Paraná, acabam por não corresponder, em muitos casos, com a realidade de uma delegacia.

O Policial que atua no interior do Estado enfrenta dificuldades ainda mais significativas, visto que os cursos estão, em sua maioria, concentrados na Capital. Um deslocamento até a Escola Superior de Polícia Civil do Paraná, dificilmente é autorizado pela chefia direta, por alegações de baixo efetivo que como consequência traz prejuízos no andamento das atividades da delegacia.

Em quanto afeta os direitos fundamentais do policial, o que ele presencia é o cerceamento no direito à educação e a uma formação de qualidade. Gera insegurança e desmotivação.

As restrições se há, não são só estruturais ou só de gestão. Antes de 2018 o Policial não necessitava de liberação da chefia imediata (no caso o Delegado) para realizar sua matrícula em cursos de seu interesse.

A maioria dos policiais que trabalham com escalas de plantão se valiam do dia de folga para frequentar os cursos de seu interesse, inclusive abriam mão dos valores referentes a diárias. Com a exigência de documento devidamente assinado pela chefia imediata, o servidor muitas vezes não é liberado, deixando de frequentar os cursos mesmo que sua ausência não seja sentida.


 

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* Bacharel em Direito, Investigadora de Polícia - PC/PR, Pós-graduada em “Direito e Gestão Ambiental” e “Gestão Pública com ênfase em: Sistema Único da Assistência Social; Direitos Humanos e Cidadania” da UEPG/PR. E-mail: josyr3@gmail.com