INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA: UM VIÉS DA EXECUÇÃO PENAL

ROMÃO, Anderson Sérgio1

 

Resumo:

O presen interpretação. Na atual organização da criminalidade, não se pode privar o Estado de se utilizar de mte trabalho visa discorrer sobre a possibilidade de utilização das interceptações de comunicações telefônicas no âmbito do processo de execução penal. A Lei 9.296/96 prevê em seu artigo 1º, a utilização do instituto como meio de prova em investigação criminal e instrução processual penal e silencia sobre a possibilidade de utilizar na execução da pena. Assim, esta se encontra inserida no contexto de instrução processual penal, portanto, não há qualquer violação ao artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, quanto a estaeios intrínsecos, a obtenção do cumprimento da pena aplicada ao condenado após o devido processo legal. Verificam-se fugas em massa de detentos de estabelecimentos prisionais ou aqueles que não se apresentam para iniciar o cumprimento da pena e, por essa razão, imprescindível uma análise sobre a possibilidade de instrumentos que colaborem para o efetivo cumprimento da pena. No entanto, há controvérsias sobre a legalidade de utilizar a interceptação telefônica em tais casos.

 

Palavras-chave: Interceptação telefônica; Execução penal; Captura.

 

Phone Communication Interception: A Bias In Criminal Execution

This paper aims to discuss the possibility of using interceptions of phone communications in the criminal enforcement process. Law 9,296 / 96 provides in its article 1, the use of the institute as evidence in criminal investigation and criminal procedural instruction and silences the possibility of use in the execution of the penalty. Thus, it is inserted in the context of criminal procedural instruction, therefore, there is no violation of article 5, item XII of the Federal Constitution, as to this interpretation. In the current organization of crime, the State cannot be deprived of intrinsic means of obtaining the enforcement of the penalty applied to the convict after due process of law. There are mass escapes of detainees in prisons or those who do not present themselves to commence the execution of the sentence and, for this reason, an analysis of the possibility of instruments that collaborate for the effective execution of the sentence is essential. However, there is controversy about the legality of using telephone interception in such cases.

 

Keywords: Phone Interception; Penal execution; Catch.

 

 

Introdução:

Com relação à escolha do tema deve-se a atual necessidade de verificar a possibilidade de utilizar o instituto da interceptação de comunicações telefônicas na seara de execução penal quando houver necessidade de capturar uma pessoa na fase de execução penal seja provisória ou definitiva advinda da não localização da pessoa para iniciar o cumprimento da pena ou evasão de estabelecimento penitenciário.

Destarte, o presente trabalho de conclusão tem como tema a possibilidade de utilizar do instrumento da interceptação telefônica em fase de execução penal, ou seja, a aplicação do instrumento regulamentado como meio de localização de condenados foragidos.

Desta forma o trabalho busca promover uma discussão mais aprimorada entre os especialistas em Direito Penal, Processo Penal e Direito Constitucional, já que se trata de um assunto atual, curioso e controvertido, principalmente quando se contrapõem os direitos fundamentais em face da quebra do sigilo telefônico.

Neste obstante, observa-se que a partir do momento que a sociedade passa a violar direitos de intimidade por meio gravação de conversações telefônicas, o Estado Democrático de Direito viu-se obrigado a proteger o sigilo das comunicações por estar catalogado como um direito fundamental.

Convêm destacar que há situações que no choque desse direito a necessidade de investigação criminal, deve prevalecer este último aplicando a ponderação de interesses, sendo assim, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XII, prevê a relativização do sigilo telefônico em casos excepcionais, possibilitando a utilização do instrumento quando houver ordem judicial e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. 

No entanto, observa-se que a execução penal faz parte da instrução processual penal e por esta razão, o presente trabalho busca demonstrar a possibilidade do uso da censura telefônica nos casos de pessoas que já obtiveram sentença penal condenatória transitada em julgado ou em segundo grau “conforme nova orientação do Supremo Tribunal Federal”, mas se evadiram do cumprimento da sanção penal aplicada.

É evidente que no decorrer do estudo, demonstrará que o ordenamento jurídico só permite a interceptação telefônica se preenchidos o previsto no inciso XII do art. 5º da Carta Magna, o qual determina ser regulamentado essas hipóteses em lei e o legislador o fez pela edição da lei 9296/96.

Consequentemente este trabalho divide-se em quatro capítulos. O primeiro faz uma breve análise do histórico das interceptações; o segundo versa sobre o conceito, natureza jurídica e a finalidade do instrumento em estudo; o terceiro trata das hipóteses de cabimento da medida e o quarto e último capítulo aborda a questão da interceptação telefônica em casos de condenados foragidos.

No que concerne à fundamentação teórica, utilizou-se a pesquisa bibliográfica de natureza jurídica e jurisprudencial. Quanto ao método, usou-se o dedutivo e o comparativo, já que por meio da interpretação do texto maior combinado com a lei 9.296/96 chegou-se a conclusões pertinentes, tal como a admissibilidade da quebra do sigilo telefônico desde que de acordo com os requisitos legais.

 

1.Breve Histórico:

Convém destacar que antes da Constituição Federal de 1988, não havia, em nosso ordenamento jurídico, um diploma legal específico que disciplinasse a respeito das interceptações telefônicas de forma clara e eficiente2.

No que diz a Carta Magna de 1969 (Emenda 1 de 1967) assegurava em seu artigo 153, §9º, o sigilo das comunicações de forma aparentemente absoluta, sem mencionar qualquer exceção, no entanto, o Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei 4.117/1962, em seu artigo 57, inciso II, estabelecia não constituir violação de comunicações “o conhecimento dado ao juiz competente, mediante requisição ou intimação deste”, apresentava a relativização do direito ao sigilo, assim como a renomada processualista Ada Pellegrini Grinover3 demonstrou ser um direito sujeito a exceções, desde que a interceptação fosse precedida de ordem judicial.

Porém, devido ao desenvolvimento tecnológico e a utilização de comunicações telefônicas em larga escala, o constituinte verificou a necessidade de regulamentar as interceptações telefônicas, trazendo tal instituto expressamente no inciso XII, do art. 5º da Constituição Federal de 19884, conforme se vê:

art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; 

 

Todavia, após a nova Constituição houve controvérsias se havia necessidade de ser elaborada uma nova lei para permitir a interceptação ou se o código de telecomunicações continuava a permitir tal procedimento.

Desta forma, novamente prevaleceu na doutrina e jurisprudência a necessidade de elaboração de nova lei específica sobre o tema, pois qualquer interceptação telefônica realizada com fundamento no Código de Telecomunicações seria ilícita e, portanto, inadmissível, contaminando as provas derivadas daquela.

Finalmente em 1996 com o advento da Lei 9.2965, ocorreu a devida regulamentação das interceptações telefônicas, apresentando as hipóteses de cabimento, formas e limites. Por ser composta de normas eminentemente processuais, sua aplicação é imediata, conforme o estabelecido no artigo 2º do Código de Processo Penal.

 

2. Conceito, Diferenças, Natureza Jurídica E Finalidade Das Interceptações Telefônicas:

Neste particular, a interceptação telefônica é a captação realizada por terceiro, de conversa telefônica alheia, sem o conhecimento dos interlocutores ou com o conhecimento e assentimento de apenas um deles, com objetivo de colher informações. Assim, a violação da conversa via telefone pressupõe a existência de, no mínimo, três sujeitos, duas pessoas em processo de interação e o terceiro que obtém acesso ao conteúdo da conversa.

Na doutrina há controvérsias sobre o conceito correto de interceptação telefônica.

Na opinião de Grinover6:

[...] entende-se por interceptação a captação da conversa por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores ou com o conhecimento de um só deles. Se o meio utilizado for o “grampeamento” do telefone, tem-se a interceptação telefônica; se se tratar de captação de conversa por um gravador, colocado por terceiro, tem-se a interceptação entre presentes, também chamada de interceptação ambiental.
Mas se um dos interlocutores grava a sua própria conversa, telefônica ou não, com o outro, sem o conhecimento deste, fala-se apenas em gravação clandestina.

 

Reiterando estas afirmações o Supremo Tribunal Federal no HC 75.338, rel. Ministro Nelson Jobim7 observou que quando um dos interlocutores tem ciência da gravação telefônica ou mesmo a produz, fica descaracterizada a interceptação telefônica feita por terceiros. A garantia constitucional prevista no artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal refere-se a esta, e não abrange aquela.

No entender de Luiz Flávio Gomes8:

[...] a palavra interceptação não deve ser tomada em seu sentido lato ou corriqueiro como ato de interromper, obstaculizar, deter ou cortar, mas sim no sentido de captar a comunicação telefônica, tomar conhecimento, ter contato com o conteúdo dessa comunicação.

Na concepção de Fernando Capez9, o ilustre autor entende que:

[...] interceptação provém de interceptar – intrometer, interromper, interferir, colocar-se entre duas pessoas, alcançando a conduta de terceiro que, estranho à conversa, se intromete e toma conhecimento do assunto tratado entre os interlocutores.

 

Outrossim, destaco ser diferente a interceptação telefônica, da escuta telefônica, da gravação telefônica, da interceptação ambiental, da escuta ambiental e por fim da gravação ambiental, ocorrendo grandes controvérsias doutrinárias e jurisprudencial sobre cada uma delas e os requisitos legais para aplicar cada técnica.

Diante de tanta controvérsia é necessário sem dúvida explicitar e firmar alguns conceitos a saber:

a) interceptação telefônica (ou interceptação em sentido estrito): é a captação da conversa telefônica realizada por terceiro sem o conhecimento dos comunicadores;

b) escuta telefônica: é a captação da conversa telefônica realizada por terceiro com o conhecimento e assentimento de um dos comunicadores e desconhecimento do outro;

c) gravação telefônica ou gravação clandestina: é a captação da conversa telefônica realizada por um dos comunicadores, sem o conhecimento do outro. Inexiste a figura do terceiro interceptador, trata-se de uma auto gravação;

d) interceptação ambiental: é a captação da conversa ambiente realizada por terceiro sem o conhecimento dos interlocutores. Inexiste comunicação telefônica e também ocorre com violação do direito à intimidade;

e) escuta ambiental: é a captação de uma comunicação, no ambiente dela, realizada por terceiro com o conhecimento e assentimento de apenas um dos interlocutores. Não há comunicação telefônica;

f) gravação ambiental: é captação da conversa ambiente realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro. Inexiste a figura do terceiro interceptador. Não há comunicação telefônica.

Diante de vários conceitos que advém em decorrência de diferentes técnicas de captação de comunicações surge a indagação se todas essas formas de captação são necessárias à autorização judicial.

Imperioso observar que a Lei 9.29610 menciona em seu artigo 1º o seguinte: “interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza” o que imporia ser necessária a autorização em qualquer forma de captação. No entanto, mesmo a legislação transmitindo a ideia de amplidão em seu conceito, ele permanece limitado, Grinover11 sustenta que o conceito somente engloba a escuta e eventual gravação de conversa telefônica, quando praticada por terceira pessoa, esta, devendo ser diversa dos interlocutores, podendo ter conhecimento ou não. Portanto, restam excluídas do previsto em lei, as gravações clandestinas de telefonemas próprios, bem como as gravações entre presentes “escuta ambiental”.

Quanto à natureza jurídica, a interceptação telefônica tem natureza cautelar preparatória, quando em fase policial, ou incidental se for utilizada durante o processo. Pode ser determinada de ofício pelo juiz, ou a requerimento da autoridade policial ou do representante do Ministério Público, durante a investigação criminal, neste caso muito criticado pela doutrina quando nessa fase for concedida de ofício pelo juiz, pois esta estaria perdendo a imparcialidade e isenção, ou durante a instrução processual penal, somente através de requerimento do parquet.

Por outro lado, observa-se, que as interceptações de comunicações telefônicas, disciplinada no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 e artigo 1º, caput, da Lei 9.296/96, têm por finalidade apenas duas situações taxativas: investigação criminal ou instrução processual penal.

 

3. Hipóteses De Cabimento:

Neste particular por tratar de restrição a um direito do cidadão, a Constituição Federal, inciso XII do art. 5º, estabelece requisitos mínimos: (a) exigência de ordem judicial devidamente fundamentada; (b) nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer; c) que a interceptação seja realizada para fins de investigação criminal (medida cautelar) ou instrução processual penal (medida cautelar incidental).

Em complemento a Constituição Federal a lei 9.296/96, em seu art. 2º e seus incisos, apresentou as hipóteses legais para utilização da interceptação telefônica.

Referindo-se a lei mencionada acima, estabeleceu a necessidade de se analisar os pressupostos básicos de uma medida cautelar, quais sejam, fumus boni iuris, no direito penal denominado como fumus commissi delict e periculum in mora, no direito penal chamado como periculum in libertatis, especialmente nos incisos I e II do artigo 2º ora analisado.

No tocante a redação do artigo 2º da referida lei, traduz uma redação negativa, ou seja, não diz quando será admissível, mas sim quando não caberá a interceptação telefônica, uma técnica de redação criticada pela doutrina que a deixa confusa.

 

4. Inciso I, Artigo 2º da Lei 9.296/96:

O primeiro requisito – “não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal” – é o fumus commissi delicti propriamente dito, ou seja, fumaça da prática de um fato punível.

A expressão “indícios razoáveis” busca demonstrar a necessidade de se apresentar elementos que embasam a convicção de que o acusado foi o autor daquele crime, ainda que não haja certeza disso, ou seja, não basta existir mera suspeita, ela deve ser provável. Porém, eles devem ser suficientes para o convencimento do juiz.

Desta maneira a lei ainda distinguiu a autoria da participação, pois assim, a possibilidade de utilização da interceptação telefônica abrangeria qualquer atividade que tenha contribuído para a prática criminosa.

Além do mais, busca-se garantir a mínima segurança à intimidade. A interceptação só poderá ser aplicada quando houver indícios razoáveis de autoria ou participação, para isso é preciso que já tenha ocorrido o delito, não se admitindo a interceptação de “prospecção” ou seja, utilizar tal medida cautelar para descobrir se houve o cometimento de um crime por aquela suposta pessoa.

Atualmente é possível que a interceptação seja o primeiro ato da investigação criminal, desde que cumprido os requisitos previstos nos incisos do artigo 2º, não havendo a necessidade de já existir um inquérito policial aberto.

 

INCISO II, ARTIGO 2º DA LEI 9.296/96

 

O segundo requisito previsto na lei é a contrário senso– “a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis” – cumpre o pressuposto do periculum in libertatis (periculum in mora).

Em outra perspectiva verifica-se a urgência em determinar o uso da medida ao caso concreto, pois qualquer demora, poderá colocar em risco um direito ou interesse.

Desta forma, tanto a Autoridade Policial como o Ministério Público deverão, de maneira fundamentada, explicitar os motivos de não utilizar meios diversos à interceptação, medida essa mais invasiva à intimidade.

Dados fornecidos por Eduardo Cabette12 expõe o real significado da utilização de outros meios disponíveis:

[...] logicamente os outros meios disponíveis que podem inviabilizar a interceptação serão os meios legais, como por exemplo, as buscas e apreensões, provas testemunhais, perícia etc.
Além disso, a verificação da existência desses outros meios deve basear-se na efetividade de sua presença no caso concreto e não somente de maneira hipotética.

 

Resta mencionar que a indispensabilidade da interceptação telefônica precisa estar manifestada no caso concreto, na fundamentação, portanto, exige-se do juiz a demonstração de não ser possível alcançar o resultado desejado se utilizando de meios que não sejam a censura telefônica.

De acordo com os autores Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel13 enfatizam o objetivo final da interceptação telefônica:

Desde logo cabe enfatizar que o objetivo final da interceptação, reiterado no diploma legal em questão, é a constituição de uma “prova”. Prova que deve versar sobre uma infração penal e sua autoria. Se essa prova pode ser obtida “por outros meios”, não deve o juiz determinar a interceptação telefônica, que é medida de ultima ratio, extremada, excepcional, mesmo porque, por vontade do legislador constituinte, a regra é a preservação da intimidade.

 

A este respeito, no momento em que é solicitada a quebra do sigilo da comunicação telefônica é imprescindível o conhecimento da inexistência de outros meios que possam constituir a prova. Portanto, a autorização será licita e a interceptação válida, mesmo que depois seja constatado que havia outros meios disponíveis, mas que não eram evidentes no momento da decisão.

 

INCISO III, ARTIGO 2º DA LEI 9.296/96

 

Por fim, o terceiro requisito legal, prevê a não utilização da interceptação de comunicações telefônicas quando o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção, a contrario sensu, o legislador permitiu, portanto, tal ingerência nos crimes punidos com reclusão.

Sabe-se que a doutrina critica esse inciso III, uma vez que o legislador, com essa redação, deixou de apreciar infrações penais que poderiam utilizar a interceptação telefônica, até como único meio de se obter a prova, como é o exemplo da ameaça por telefone. Por outro lado, há críticas quanto a sua extensão, pois estaria abrangendo qualquer crime com pena de reclusão, tanto da legislação comum como especial, sem fazer distinção quanto ao grau de lesividade de cada um deles. Por meio de uma aplicação da letra fria da lei é possível o uso de interceptação telefônica para a investigação de furto simples, mesmo sendo reconhecido como um delito de bagatela, pelo simples fato de ser apenado com reclusão.

Em função dessas evidencias, enfatizam Damásio Evangelista de Jesus apud Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel14:

Damásio E. de Jesus, com inteira razão, crítica o critério legal pela “extensão e limitação”: quanto à primeira, porque literalmente seria cabível interceptação telefônica em qualquer infração punida com reclusão, o que muitas vezes constituirá um exagero; no que concerne à limitação, cabe lembrar que alguns crimes não punidos com reclusão bem que, por natureza, ensejariam a interceptação, como é o caso da ameaça, crimes contra a honra cometidos por telefone etc.

 

De acordo com posição majoritária da doutrina, o ideal seria um rol taxativo quanto aos casos em que a interceptação telefônica seria admissível, pois a utilização do critério da pena cominada em abstrato ao delito pode apresentar-se inadequado sob ambos os aspectos, conforme expõe Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel15: “pode permitir a interceptação em delitos de pouca gravidade, ao mesmo tempo em que pode excluir da autorização legal hipóteses de evidente necessidade.”

Em seu estudo Ada Pellegrini Grinover apud Eduardo Luiz Santos Cabette16:

É evidente o excesso do legislador brasileiro, que não se deu conta da excepcionalidade da interceptação telefônica como meio lícito de quebrar o sigilo das comunicações, estendendo sua permissão a crimes que podem não ser de grande potencial ofensivo e, em contrapartida, excluindo-a de infrações penais de menor relevância social, mas que, por sua índole, só poderiam ser devidamente apuradas por intermédio da referida interceptação.

 

O Projeto de Lei Miro Teixeira (Projeto de Lei nº 3.514/89), em seu artigo 1º, trouxe de forma taxativa, os delitos em que a interceptação deveria ser permitida. Dessa maneira restringiu a aplicação do instituto às infrações penais que necessitam de uma ingerência na intimidade alheia.

Posto isto, é imperioso concluir que as interceptações telefônicas somente deveriam ser concedidas com relação aos delitos que coloquem em risco à vida, à integridade física ou aqueles crimes que afrontem o Estado Democrático de Direito, visto que é um disparate invadir a esfera da intimidade de um indivíduo por infração penal de irrelevante valor social. Em contrapartida, observa-se que o Poder Legislativo pecou por não incluir determinados delitos, como o ilícito de ameaça cometido por intermédio de um aparelho telefônico, que por seu feitio só poderia ser comprovado através da citada medida.

 

5. Uso Instrumental Para Casos De Condenados Foragidos:

A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XII e a Lei 9.296/96 apresentam o objetivo legal das interceptações de comunicações telefônicas, quais sejam: prova em investigação criminal e prova em instrução processual penal, no entanto não há previsão expressa acerca do uso de tal medida para a localização de condenados foragidos, com o escopo único de cumprimento de pena.

Desse modo é importante ressaltar que a execução da pena é a finalidade da instrução processual, pois respeitado os direitos e garantias do cidadão este deve ser processado, se culpado condenado e iniciar ou continuar o cumprimento da pena e, portanto, não há qualquer ilegitimidade no uso da censura telefônica em prol da localização do condenado, bem como, ausente qualquer violação à cláusula pétrea, e à lei 9.296/96.

O processo penal tem como fim a aplicação de uma sanção, quando demonstrado de forma induvidosa a culpabilidade do agente, portanto, qual seria a finalidade de colocar a máquina do Estado em movimento se não haveria qualquer preocupação, qualquer objetivo, do condenado cumprir a pena que lhe foi aplicada?

O periculum in libertatis tem como essência o critério da agilidade para o alcance dos objetivos almejados, destarte, se o único meio apto a este fim é a interceptação de comunicação telefônica, tal instrumento deve ser utilizado conforme aponta a própria lei.

A interceptação, como já explanado no tópico 3.1, será aplicada quando houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal, logo a possibilidade de utilização da medida em estudo se baseia na ocorrência de um crime, o qual está sendo investigado.

Conforme apresenta Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel17:

Referindo-se a lei a “fato investigado”, uma vez mais confere legitimidade à interceptação no sentido de que não existe entre nós a mínima possibilidade para a interceptação de prospecção, isto é, para averiguar se uma determinada pessoa estaria praticando algum crime em sua vida. Urge a existência de um fato precedente, fato ocorrido e que esteja sendo investigado (ou sobre o qual já se conta com indícios fortes e evidentes). Só existe, repita-se, interceptação pós-delitual, nunca pré-delitual.

 

Portanto, a medida estaria sendo utilizada com base em um ilícito que já ocorreu.

Partindo dessa afirmativa no caso de utilizar a censura telefônica para localizar o condenado no intuito de que ele cumpra a pena aplicada pelo Estado, a interceptação se daria pós-delitual, ou seja, não seria uma interceptação de prospecção. Além do mais, já há a confirmação da culpabilidade do agente, demonstrando dessa forma que, se é possível a aplicação da medida quando ainda vigora o princípio da não-culpabilidade, não restaria dúvidas quanto a utilização da interceptação no momento em que se verifica a ausência desse princípio.

O princípio da não culpabilidade exerce o papel fundamental de evitar ofensa indevida à liberdade das pessoas que são atingidas pelo poder punitivo do Estado.

Nesse particular trata-se de princípio resguardado e explicitamente mencionado no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988, que prescreve que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Sendo assim, a previsão da utilização da interceptação telefônica para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, ocorre mesmo quando inexiste a confirmação da culpabilidade do agente, já no caso de existência de sentença condenatória em segunda instância ou transitada em julgado o sujeito já é considerado culpado e deve iniciar o cumprimento da pena e ao se negar fere a finalidade da instrução penal qual seja, o cumprimento da pena.

Nesse entender os que se encontram na situação de condenados foragidos, já obtiveram do Estado Democrático de Direito, o devido processo legal e sentença condenatória transitada em julgado e tem o dever de cumprir a sanção imposta.

Finalmente outro argumento a ser utilizado para a utilização da interceptação é que a finalidade do inciso XII do art. 5º da CF foi assegurar o direito fundamental a intimidade das comunicações telefônicas. A utilização da técnica de interceptação não tem por finalidade a quebra do sigilo das comunicações e sim descobrir o paradeiro do condenado. A finalidade normativa e resguardar as comunicações em si e não o local que se encontra o indivíduo.

Nesse diapasão temos dois bens jurídicos em conflito a saber: a segurança pública e o dever do Estado de impor o direito de punir e de outro lado a vontade nata do ser humano de liberdade, não podendo ser referendado existir um direito de fugir. Para a resolução deste conflito (que nunca existe em tese, surgindo somente na prática, pois há a presunção de que as normas constitucionais foram criadas para conviverem em harmonia), há de se recorrer ao princípio da proporcionalidade (Robert Alexy) - ou da razoabilidade ou da ponderação dos interesses, conforme o Professor Daniel Sarmento, ou ainda, como é tratado pela doutrina alemã, da vedação do excesso - segundo o qual um princípio de menor relevância (aspecto a ser apurado também na prática) deve ceder espaço temporariamente, naquele caso concreto, a um princípio de maior estirpe.

Da mesma maneira é óbvio que deve prevalecer o direito/dever do Estado punir e para isso deverá ser permitido a interceptação telefônica cuja finalidade é descobrir o paradeiro do indivíduo que se furta a cumprir a sanção imposta.

Por estas razões, busca-se a utilização de meios intrínsecos a obtenção do resultado esperado, os quais se encontram à disposição do Estado, desta forma, o uso da censura telefônica com o escopo de localização do condenado foragido para o devido cumprimento da pena imposta se mostra apta a este fim.

 

Considerações Finais:

Assim a interceptação telefônica está prevista constitucionalmente pelo inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 e, infraconstitucionalmente, pela Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, que regulamenta o sobredito dispositivo constitucional.

Deste modo, somente com a entrada em vigor da Lei n.º 9.296/96, houve a regulamentação do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, propiciando a concessão de ordem judicial para realização de interceptações telefônicas.

É evidente que as interceptações de comunicações telefônicas, uma vez legalmente disciplinadas e efetuadas com obediência aos requisitos impostos no ordenamento jurídico, são aceitas como provas lícitas, sendo admissível seu resultado como fonte de prova no processo.

Como cita a Constituição Federal, inciso XII do art. 5º e estabelece requisitos mínimos: (a) exigência de ordem judicial devidamente fundamentada; (b) nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer; c) que a interceptação seja realizada para fins de investigação criminal (medida cautelar) ou instrução processual penal (medida cautelar incidental).

É evidente que a Lei nº 9.296/96 estabelece as hipóteses de censura telefônica, quando: I – houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II – a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis; III – o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão.

Todavia, a doutrina critica o inciso III, artigo 2º da Lei 9.296/96, quanto a sua limitação e extensão, pois ao prever que não caberá interceptação telefônica quando a infração penal investigada for punida com pena máxima de detenção, está permitindo somente a censura telefônica nos crimes punidos com reclusão, deixando deste modo, de apreciar infrações penais que poderiam utilizar a interceptação telefônica, até como único meio de se obter a prova. No que tange à extensão, estaria possibilitando o uso da medida em crimes que não suportariam violação ao direito fundamental, pelo simples fato de ser punido com reclusão, como é o caso dos delitos de bagatela.

Ressalta-se a necessidade de utilizar a medida para as infrações penais que coloquem em risco à vida, à integridade física ou aqueles crimes que afrontem o Estado Democrático de Direito, em razão de se tratar de instrumento que invade a esfera da intimidade do indivíduo.

Convém destacar que a presente pesquisa demonstrou que a previsão do artigo 1º: “A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal (...)”, se mostra apta à interpretação quanto à sua utilização em fase de execução penal, com o fim de localizar condenados foragidos.

Através da literatura, a execução penal, nada mais é do que a finalidade da instrução processual penal, e se mostra menos agressiva, o uso da interceptação, nesta fase, pois já se encontra confirmada a culpabilidade do acusado.

É absolutamente essencial ser a finalidade da proibição da interceptação telefônica garantir a inviolabilidade do fluxo de comunicações e consequentemente a intimidade da conversa dos interlocutores, já a interceptação na execução penal não visa as comunicações em si e sim a localização dos interlocutores, algo não vedado pelo ordenamento jurídico, e aplicando a ponderação de interesses em jogo entre a intimidade do indivíduo e a necessidade de captura para início da pena ou continuação em caso de evasão, este último deve prevalecer.

Portanto, o Estado já possui ao seu alcance o instrumento que necessita, quando restar demonstrado não haver outro meio de se obter o fim pretendido, logo, não há embasamento legal para frear o movimento da máquina do Estado, este provocado pela sociedade, visto que, a sentença penal condenatória ao impor uma sanção ao condenado, almeja seu cumprimento.

Resta mencionar que, tem-se que o uso da medida em fase de execução penal se apresenta apta à localização de condenados que se furtam do cumprimento da pena imposta, porém sem deixar de se ater aos requisitos previstos no ordenamento jurídico.

 

Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

BRASIL. Lei 9296 de 24 de julho de 1996. Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/LEIS/L9296.htm>.

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Interceptação telefônica. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

GOMES, Luiz Flávio. MACIEL, Silvio. Interceptação Telefônica: comentários à

Lei 9.296, de 24.07.1996. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 2011.

GOMES, Luiz Flávio; CERVINI SANCHEZ, Raúl. Interceptação telefônica: Lei 9.296, de 24.07.96. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 11. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades Públicas e processo penal: as interceptações telefônicas. São Paulo: Saraiva, 1986.

 


1 Delegado de Polícia do Estado do Paraná – Bacharel em Direito – Email: anderomao@yahoo.com.br

2 GOMES, Luiz Flávio. MACIEL, Silvio. Interceptação Telefônica: comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 2011, p. 15.

3 GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades Públicas e processo penal: as interceptações telefônicas. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 302.

4 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Artigo 5. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 21 de jul. 2018.

5 BRASIL. Lei 9296 de 24 de julho de 1996. Regulamento o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/LEIS/L9296.htm>. Acesso em: 21 jul. 2018.

6 GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 11. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 164.

7 STF, HC 75.338/RJ, rel. Min. Nelson Jobim, j. 11-3-1998, Informativo STF, n. 102, mar. 1998.

8 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI SANCHEZ, Raúl. Interceptação telefônica: Lei 9.296, de 24.07.96. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 95.

9 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 386.

10 BRASIL. Lei 9296 de 24 de julho de 1996. Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/LEIS/L9296.htm>. Acesso em: 21 jul. 2018.

11 GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 11. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 170/171.

12 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Interceptação telefônica. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 88/89.

13 GOMES, Luiz Flávio. MACIEL, Silvio. Interceptação Telefônica: comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 2011. p. 93.

14 GOMES, Luiz Flávio. MACIEL, Silvio. Interceptação Telefônica: comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 201. p. 101.

15 Idem. p. 103.

16 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Interceptação telefônica. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 92/93.

17 GOMES, Luiz Flávio. MACIEL, Silvio. Interceptação Telefônica: comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 201. p. 100.