RELAÇÃO ENTRE ASPECTOS URBANÍSTICOS E OCORRÊNCIAS DE FURTO E ROUBO EM CASCAVEL-PR

The Relationship Between Urbanistic Aspects And Theft And Robbery Incidents In Cascavel-PR

 

SCHELLE, Gisely Vaz Giuliani1

MARQUES, Gladson Fabian2

MARANGONI, Michelle Helena3

GAFFURI, Patricia4

 

 

RESUMO

Este artigo analisa a distribuição espacial da criminalidade referente às ocorrências de furto e roubo na cidade de Cascavel-PR no ano de 2019, comparativamente com alguns indicadores socioeconômicos e com os aspectos urbanísticos da cidade. Paralelamente a um intenso processo de urbanização que se iniciou em Cascavel, verificou-se que, entre os anos de 1969-1972, foi dado o primeiro passo para o planejamento urbano do município, inspirado no movimento modernista que embasou a construção da capital do Brasil, Brasília. Apesar de planejada urbanisticamente, Cascavel não é isenta de problemas criminais, sociais e espaciais. Os dados relacionados à demografia, renda e ocorrências criminais foram submetidos à comparação quantitativa, e os dados de zoneamento e aspectos urbanos à comparação qualitativa. Em função das correlações obtidas entre as variáveis, identificou-se uma forte associação entre espaço urbano, condição socioeconômica e a criminalidade.

Palavras-chave: Criminalidade. Furto. Roubo. Espaço urbano. Variáveis socioeconômicas.

 

ABSTRACT

This paper analyzes the spatial distribution of crime incidents related to theft and robbery in the city of Cascavel-PR in 2019, compared to some socioeconomic indicators and the urban aspects of the city. In parallel to an intense urbanization process that started in Cascavel, it was verified that between the years 1969-1972 the first step was taken towards the urban planning of the municipality, inspired by the modernist movement that supported the construction of the capital of Brazil, Brasilia. Despite being urbanistically planned, Cascavel is not exempt from criminal, social and spatial problems. Data related to demography, income and criminal incidents were subjected to quantitative comparison, and zoning and urban aspects data to qualitative comparision. Due to the correlations obtained between the variables, a strong association was identified between urban space, socioeconomic status and crime.

Key words: Criminality. Theft. Robbery. Urban space. Socioeconomic variables.

 

1. INTRODUÇÃO

Existe uma vasta quantidade de pesquisas sobre a relação entre os aspectos urbanos e a ocorrência de crimes. Nessa perspectiva, existem teorias, no âmbito da criminologia, que estudam o crime como produto da urbanização, e, dentre elas, destaca-se a teoria ecológica desenvolvida na Escola de Chicago.

Com base nesses estudos e na análise do contexto urbano da cidade de Cascavel-PR, a qual além de possuir fatores interessantes a respeito do seu planejamento urbano, também é reconhecida como a “Capital do Oeste Paranaense”, objetivou-se verificar quais são os aspectos urbanísticos da cidade e o quanto eles são capazes de influenciar em diferentes fases do ato criminal.

Este artigo visa analisar a relação entre o ambiente construído e a ocorrência de algumas espécies de crimes patrimoniais – furto e roubo – em Cascavel-PR, de modo a explicitar interações hipotéticas e delinear fatores intermediários que possam ajudar a explicar de forma integrada as conexões do meio urbano com a ocorrência criminal.

 

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO: O MUNICÍPIO DE CASCAVEL-PR

Os estudos a respeito da formação urbana no Brasil são muito importantes para a compreensão da criminalidade que ocorre nas cidades em âmbito nacional. Tangerino (2007, p. 65), afirma: “o crescimento intenso das cidades e de suas populações trouxe uma série de problemas até então desconhecidos como fenômenos urbanos de massa: surgimento de bairros degredados, criminalidade, prostituição, desemprego”.

Os processos de ocupação populacional e, consequentemente, de urbanização no Brasil tiveram como resultado as interações sociais e os fatos sociais da criminalidade. Com isso, surgiram desafios na elaboração de políticas de segurança pública e gestão das cidades. Nesse mote, pesquisadores de várias áreas de conhecimento são compelidos a investigar causas e buscar soluções para a problemática da violência no âmbito urbano brasileiro (FERRAZ, 2017).

Ao considerar o ramo da Sociologia, muitos pesquisadores buscaram explicar o fenômeno criminal influenciado por diversos prismas. Nesse contexto, cumpre destacar que a Escola de Chicago surgiu em um momento de explosão demográfica da cidade, juntamente com a criação do primeiro departamento de sociologia do mundo na Universidade de Chicago (VIANA, 2015).

O crescimento desordenado da cidade de Chicago no início do século XX criou um ambiente favorável à criminalidade, tendo em vista o surgimento dos inúmeros problemas de ordem social, econômica e cultural, aliado a ausência de controle social (GONZAGA, 2018). Nesse cenário, o enfoque passou a ser a relação entre espaço e criminalidade, de modo que o crime passou a ser visto como produto da urbanização.

Dessa maneira, Cruz e Sá (2013) afirmam que planejadores urbanos, arquitetos e outros pesquisadores podem ser beneficiados com o resultado dos estudos desenvolvidos pela Escola de Chicago. Esses profissionais, conforme Viana (2015), utilizam o método qualitativo de investigação com a análise de mapas, dados estatísticos e análise de documentos, que continuam aceitos até hoje.

Nesse contexto, ao estudar o fenômeno da urbanização e sua relação com o crime no Distrito Federal, Ferraz (2017) citou a obra de Jane Jacobs de 1961. Jacobs foi uma crítica do urbanismo moderno, o qual preconiza sobre as funções a serem desempenhadas pela cidade, que deveria ser dividida em setores específicos para cada atividade. Ainda, Jacobs (2011) afirma que tipos urbanos ou usos do solo são diretamente relacionados ao grau de criminalidade de um determinado local.

"A mistura de usos é feia. Provoca congestionamento de trânsito. Estimula usos nocivos." Esses são alguns dos bichos-papões que fazem as cidades combater a diversidade. Tais crenças ajudam a moldar as diretrizes do zoneamento urbano. Ajudaram a racionalizar a reurbanização, transformando-a na coisa estéril, rígida e vazia que é. Atrapalham o planejamento urbano, que poderia encorajar deliberadamente a diversidade espontânea, propiciando as condições necessárias para seu crescimento. As intrincadas combinações de usos diversos nas cidades não são uma forma de caos. Ao contrário, representam uma forma de organização complexa e altamente desenvolvida. (JACOBS, 2011, p. 154)

 

O urbanismo moderno inspirou o traçado da capital brasileira: Brasília (FERRAZ, 2017). Nesse mesmo viés, o município de Cascavel-PR apresenta aspectos de planejamento modernista, bem como concepção urbana baseada no desenho de Brasília. Segundo Giuliani et al. (2013), essa concepção inspirou o traçado da Avenida Brasil, projetada pelo arquiteto Gustavo Gama Monteiro. Nessa conformação, a cidade cascavelense passa a ser modelo de referência para diversas cidades do interior do Paraná. Assim, pode-se afirmar que Cascavel apresenta, apesar de uma forma menos intensa, uma analogia com a paisagem moderna de Brasília.

Ramos (2011, p. 40) afirma que “no Brasil, segundo os critérios do IBGE, são consideradas cidades médias as unidades urbanas com população entre 100 e 500 mil habitantes”. Nesse sentido, conforme o censo do IBGE de 2010, a população de Cascavel-PR era de 286.205 habitantes, com estimativa de 332.333 pessoas para 2020, o que a caracteriza como uma cidade média.

Além disso, o município é também considerado o polo universitário do oeste, além de polarizar o atendimento regional da saúde, serviços bancários e o comércio (SANTOS, 2012). Esses fatores contribuíram para o aumento populacional no município, e, devido ao seu perfil expansionista, surgiram os primeiros conjuntos habitacionais. Esses conjuntos foram responsáveis por originarem alguns dos principais bairros periféricos da cidade, são eles: Guarujá (1976), Parque Verde (1978) e Jardim Floresta (1981). Além de serem os mais antigos, também se apresentam como paramétricos do crescimento urbano (MARIANO, 2012).

No âmbito criminal, de acordo com Ramão et al. (2010), desde a formação do município enquanto aglomerado urbano, Cascavel é caracterizada por seus altos índices de violência, especialmente de delitos de grande teor ofensivo. Ademais, segundo Cordeiro (1980), há muito tempo o município já era lembrado pela alta incidência de crimes violentos e contra o patrimônio.

Nesse sentido, cabe destacar que Cascavel foi destaque nos noticiários em nível nacional, quando o exemplar de julho de 2014, da Revista Exame, indicou Cascavel como uma das 500 (quinhentas) cidades mais perigosas do Brasil, considerando dados do ano de 2012 (PRATES, 2014).

Ainda, de acordo com o site Agência de Notícias do Paraná (2018), verificou-se que as ocorrências de furtos e roubos caíram em todas as Áreas Integradas de Segurança no Paraná, consequentemente no município de Cascavel. Essa queda vem ocorrendo desde 2018, já que na somatória de furtos e roubos foram 25 mil casos a menos registrados no ano em questão.

Com base nisso, optou-se, por parâmetro, pela análise comparativa das ocorrências criminais nos anos de 2018 e 2019, justamente por apresentar o início de uma queda no número de registro de delitos dessa espécie. Diante disso, buscou-se analisar, inclusive, se teve relação com a melhoria no espaço urbano da cidade.

Dessa forma, escolheu-se o município de Cascavel-PR para análise desse trabalho por ser uma cidade, de certa forma, planejada urbanisticamente, e que, apesar disso, apresenta problemas criminais que podem estar relacionados a aspectos da sua conformação urbana. Portanto, parte-se do pressuposto que os aspectos urbanísticos do município, como, por exemplo, as definições de uso e ocupação do solo, o traçado urbano, o zoneamento urbano, a infraestrutura, entre outros, têm relação com a ocorrência de crimes.

Pautado nisso, a relevância desse estudo tem por objetivo fornecer uma análise dos aspectos urbanos do município de Cascavel e sua relação com as ocorrências criminais de furto e roubo. Essa abordagem é importante, pois, ao longo deste artigo, são desenvolvidos estudos que analisam de forma integrada a cidade de Cascavel, por meio de fatores sociais como demografia, adensamento e renda, que influenciam diretamente as condições da paisagem da malha urbana e constituem, consequentemente, os aspectos urbanos da cidade.

 

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E TÉCNICOS

Esta pesquisa foi realizada, em primeira análise, por meio de bases teóricas bibliográficas e linkográficas com o intuito de definir conceitos e permear ideias acerca da criminalidade e dos aspectos urbanos de Cascavel-PR.

Em segunda análise, foi realizada a pesquisa documental, a qual é definida por Marconi e Lakatos (2007) como a coleta de dados escritos ou não. A pesquisa documental foi submetida à análise qualitativa e quantitativa.

A pesquisa quantitativa atua em níveis de realidade em que há a necessidade de extrair e evidenciar indicadores e tendências a partir de grande quantidade de dados e que com o uso de técnicas específicas são transformados em informações a serem analisadas e discutidas a partir de um referencial teórico e, também, de outras pesquisas relacionadas ao assunto (MARTINS e RAMOS, 2013).

Em relação à pesquisa qualitativa, segundo Martins e Ramos (2013), busca compreender questões específicas e pormenorizadas, e se preocupa com o nível da realidade que não pode ser mensurado e quantificado.

As fontes documentais que embasaram este estudo são:

  1. Mapa de zoneamento do município de Cascavel (CASCAVEL, 2016);

  2. Último censo de distribuição de renda do município de Cascavel, realizado pelo IBGE, fornecido pela Caixa Econômica Federal (2010);

  3. Demografia do município de Cascavel do último censo, realizado pelo IBGE (2010);

  4. Dados sobre os crimes patrimoniais de furto e roubo ocorridos no município de Cascavel-PR nos anos de 2018 e 2019, fornecidos pelo Centro de Análise, Planejamento e Estatística (CAPE), responsável pela análise e mapeamento criminal de cada ponto do Estado do Paraná;

  5. Relatório estatístico criminal de 2018 e 2019, divulgados pelo Centro de Análise, Planejamento e Estatística (CAPE, 2021);

  6. GeoPortal de Cascavel.

Sobre as fontes de estudo, cabe frisar que a renda determina as condições de local de moradia das populações. A densidade, por sua vez, “mostra como a população se distribui pelo território, sendo determinada pela razão entre a população e a área de uma determinada região. É um índice utilizado para verificar a intensidade de ocupação de um território” (IPARDES, 2021, p. 40). Com base nisso e na relevância que a densidade demográfica exerce sobre o fenômeno do crime, essa variável também foi utilizada como uma fonte de estudo neste trabalho.

Ademais, foram escolhidos para análise neste trabalho os delitos referentes à tipologia de Crimes contra o Patrimônio, pautando-se no estudo realizado por Ferraz (2017), em sua tese de doutorado, intitulada: “Relações entre o desenho urbano e ocorrências criminais – O caso do Distrito Federal”. Nesse estudo, o autor realizou o levantamento de diversas tipologias criminais que ocorreram no Distrito Federal e chegou à conclusão de que os crimes patrimoniais são os que guardam maior relação com o espaço urbano, devido à localização da ocorrência em pontos estratégicos do espaço urbano, ao contrário, por exemplo, dos homicídios, que ocorrem, em sua maioria, dentro de residências e por motivos circunstanciados à pessoa, sem guardar relação com os aspectos urbanos.

Com base nas fontes documentais escolhidas, os dados de renda, demografia e ocorrências criminais foram submetidos à comparação quantitativa; já os dados de zoneamento e aspectos urbanos, à comparação qualitativa. O objetivo disso foi traçar relações entre as variáveis de modo a permitir observar o grau de correlação entre elas e as ocorrências de furto e roubo.

Aqui cabe mencionar que a correlação, no âmbito matemático, permite avaliar o grau de relacionamento entre duas ou mais variáveis. Por meio dela é possível descobrir, de forma precisa, o quanto uma variável interfere no resultado de outra.

Conforme Guimarães (2013), as técnicas sobre a Análise de Correlação são usadas no campo de atuação das ciências sociais e do comportamento, da engenharia e das ciências naturais. Nesse contexto, no âmbito desse estudo, as técnicas de análise de correlação aplicam-se no campo das ciências sociais, visto que o crime, segundo Fernandez (2020), é considerado um fato social, e, como tal, é determinado pela sociedade.

Fernandez (2020) afirma que no campo de pesquisas procura-se verificar se existe relação entre duas ou mais variáveis. Isso é necessário para saber se as alterações sofridas por uma das variáveis são acompanhadas por modificações em outra. Para exemplificar: peso versus idade, consumo versus renda, altura versus peso de um indivíduo. Este estudo visa analisar se existe a relação das ocorrências criminais com os dados coletados nesta pesquisa.

De acordo com Oliveira (2019), o coeficiente de correlação que fica próximo de zero significa que não há relação entre as duas variáveis, e quanto mais ele se aproxima de 1 ou -1 mais forte é a correlação. Pett et al. (2003) afirmam que há várias classificações dos coeficientes de correlação segundo a sua magnitude (intensidade), conforme demonstrado a seguir: 0,00 a 0,29 = fraca; 0,30 a 0,49 = baixa; 0,50 a 0,69 = moderada; 0,70 a 0,89 = forte; e 0,90 a 1,00 = muito forte.

Ainda, cabe mencionar que a correlação não é o mesmo que causa e efeito, já que duas variáveis podem estar altamente correlacionadas e, mesmo assim, não haver relação de causa e efeito entre elas. Contudo, é importante frisar que se duas variáveis estiverem vinculadas por uma relação de causa e efeito, elas estarão, obrigatoriamente, correlacionadas (GUIMARÃES, 2013).

Cumpre ainda destacar que a metodologia acima traçada vai ao encontro dos estudos desenvolvidos por Ferraz (2017, p. 79-80): “a diferenciação entre correlação de causa e efeito delimita o alcance desejado pela presente pesquisa. O que se busca aqui é determinar os graus das correlações entre as variáveis escolhidas e as ocorrências registradas”.

Objetivou-se, assim, verificar se existe alguma correlação entre as variáveis propostas nesta pesquisa, e apresentar hipóteses pautadas nos aspectos urbanos que possam explicar de forma empírica os motivos que levaram aos possíveis graus de correlação. Isso foi feito por meio de visitas in loco com o intuito de conhecer a dinâmica de alguns bairros da cidade sob o ponto de vista do contexto urbano, como infraestrutura, degradação do espaço, fluxo de pessoas, pontos comerciais etc.

 

4. ANÁLISE DOS DADOS

Em um primeiro momento, foram coletados os dados referentes às ocorrências criminais de furto e roubo referentes aos anos de 2018 e 2019. Esses dados foram disponibilizados pelo Centro de Análise, Planejamento e Estatística (CAPE), órgão pertencente à Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná (SESP).

Para as análises, foi preciso realizar o saneamento dos dados, visto que havia a necessidade de compatibilizá-los com suas regiões específicas nos bairros. Os dados disponibilizados pelo CAPE, em alguns casos, apresentaram endereços classificados de forma divergente do que é a divisão oficial de bairros cadastrados no IBGE, pelo município de Cascavel. Portanto, foi necessário compatibilizar a matriz de bairros fornecidos pelo IBGE com os dados de localização dos crimes de furto e roubo.

Além disso, as ocorrências referentes às áreas rurais, locais não determinados, ambientes de rodovia e outros locais que não eram contíguos à malha urbana foram desconsiderados, porque a grande maioria não possui infraestrutura urbana, não fazendo sentido, para este trabalho, a análise desses dados.

Com os dados de delitos de furto e roubo, disponibilizados pelo CAPE, buscou-se verificar se o número de ocorrências criminais, em um contexto geral, sofreria alterações de um ano para outro. Esse fator foi importante para determinar se seria interessante analisar as relações urbanísticas de forma comparativa entre os anos ou se isso não seria necessário, caso a variação criminológica entre anos distintos guardasse pouca diferença numérica.

Os dados demográficos, bem como os bairros oficialmente cadastrados pelo município de Cascavel, foram retirados do censo realizado pelo IBGE no ano de 2010. A coleta foi extraída da base SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática.

Posteriormente, buscou-se calcular o adensamento populacional por bairros do município em análise. Para isso, por meio do GeoPortal e do mapa de zoneamento do município de Cascavel, foram extraídas as áreas de todos os bairros. Com esses dados, demografia e área territorial, foi possível realizar o cálculo do adensamento populacional por bairros da cidade de Cascavel. É importante salientar que o uso dos dados demográficos pode permitir verificar a maior ou menor alocação total de pessoas em uma determinada localidade e a densidade demográfica da cidade como um todo.

Os dados sobre a renda dos bairros da cidade de Cascavel também foram extraídos do censo do IBGE realizado em 2010. Foi utilizado como ferramenta para essa análise o mapa de renda por setores dos bairros da cidade de Cascavel, disponibilizada pela Caixa Econômica Federal. Para isso, foram selecionados os valores mínimos, médios e máximos de renda por setores de cada bairro e, munidos disso, calculou-se a amplitude de renda, em que foi possível observar a desigualdade social interna do próprio bairro, assim como o panorama do município como um todo.

Em que pese a renda estar desatualizada, inclusive com alguns valores amostrados abaixo do salário-mínimo dos dias atuais, esses dados representam um elemento muito objetivo sobre os aspectos de localização da moradia da população, proporcionalmente com seu poder aquisitivo. Ou seja, nesse caso, a renda foi utilizada como uma variável que representa objetivamente os locais mais desenvolvidos dentro da malha urbana.

A renda, juntamente com a demografia e o grau de urbanização, permite identificar o poder aquisitivo de uma determinada população, por isso é importante a comparação entre renda e densidade demográfica. Nesse aspecto, buscou-se também calcular, de forma estatística, o grau de correlação entre os dados obtidos com o intuito de analisar o quanto os dados apresentados possuem relação entre eles, podendo ou não estar presentes fatores de causa e efeito.

 

5. RESULTADOS

Em primeiro lugar, buscou-se verificar se o número de ocorrências criminais, em um contexto geral, sofreria alterações significativas entre os anos de 2018 e 2019. A evolução das ocorrências entre esses anos encontra-se no Gráfico 01.

A partir dessa análise, optou-se pelo estudo das ocorrências de furto e roubo do período de 2019, já que houve pouca variação do número de ocorrências, comparativamente, entre os anos.

 

Gráfico 01 – Evolução de ocorrências de furto e roubo entre os anos de 2018 e 2019.


Fonte: Autores (2021).

 

Referente ao ano de 2019, foram estudados os delitos de furto e roubo por bairros, por arruamento, e, também, mapas da cidade de Cascavel em que são demonstrados os pontos quentes (hot spots) dos delitos em análise, conforme as Figuras 01 e 02, abaixo:

 

Figura 01 – Mapa de hot spots de furto Figura 02 – Mapa de hot spots de roubo à mão armada

   

Fonte: CAPE (2021). Fonte: CAPE (2021).

 

Todos os dados coletados, referentes ao ano de 2019, foram confrontados e analisados. Observou-se, nos mapas, que as localidades em que são demonstradas as ocorrências criminais seguem um determinado padrão, repetindo-se em pontos específicos da cidade, o que possibilita demonstrar que o espaço urbano é determinante para a ocorrência de determinados delitos, principalmente os patrimoniais, que guardam maior relação com o espaço urbano, conforme afirma Ferraz (2017).

Em segundo lugar, os dados foram dispostos em tabelas e foram feitas análises para buscar observar, de forma macro, as características urbanas dos bairros por meio da comparação populacional, densidade demográfica, renda e ocorrências criminais de cada localidade. Os dados estão dispostos na Tabela 01, a seguir:

 

Tabela 01 - Características urbanas (população, renda e crimes) por bairros.

Fonte: Autores (2021).

 

Como observado na Tabela 01, os bairros da cidade de Cascavel foram agrupados em duas tipologias, os centrais e os periféricos. Os bairros agrupados como centrais estão representados na cor azul, e os bairros periféricos na cor amarela.

Ainda com base nessa tabela, constatou-se que, em termos populacionais, o Centro é o bairro o qual possui o maior número de habitantes. Em contraposição, o bairro Santos Dumont é o que possui o menor número. Já em relação à área dos bairros, Cascavel Velho apresenta-se como o de maior extensão territorial, e o Santos Dumont como o de menor.

Quanto à densidade demográfica, mostrou-se que os cinco bairros de maior densidade populacional são, respectivamente, Periollo, Country, Maria Luiza, Parque Verde e Centro. Nota-se, com isso, que o bairro central de Cascavel, apesar de apresentar uma grande extensão de área, é bastante denso, característica comum dos centros das cidades brasileiras (FERRAZ, 2017).

Conforme Santos et al. (2018), as áreas densamente povoadas resultam em impactos sociais com maiores riscos de surgimento da criminalidade. Ao encontro dessa afirmativa, em termos criminais, o Centro foi o bairro que mais apresentou delitos de furto e roubo, seguido dos bairros São Cristóvão e Cascavel Velho. Diametralmente opostos a isso, os bairros Nova Cidade, Ciro Nardi, Quatorze de Novembro e Região do Lago foram os que tiveram menor número de ocorrências criminais, respectivamente.

Ainda nesse contexto, segundo Poyner (1983), existem localidades específicas, nos centros das cidades, em que certos tipos de crimes costumam ocorrer. Os locais com maior taxa de roubo, conforme o autor, são: feiras, shoppings, ruas com lojas, parada de ônibus, etc. Esses locais fazem parte do contexto urbano e estão presentes no bairro central de Cascavel, o que justifica o maior número desses delitos nesse bairro.

Sobre os dados de renda, o bairro Centro foi o que apresentou a maior renda, seguido do Country e Região do Lago, Recanto Tropical e Neva. Isso demonstra que esses são alguns dos bairros mais ricos da cidade. De encontro a isso, os bairros Interlagos, Morumbi e Cataratas lideram a lista dos bairros com a menor renda, o que corrobora os estudos desenvolvidos por Ramão et al. (2010). Nesse âmbito, de acordo com os autores, observa-se que os bairros de menor renda são bastante pobres, e, em termos urbanísticos, carecem de infraestrutura. Além disso, o bairro Interlagos é o local em que estão localizados os maiores focos de pobreza, e também se apresenta entre um dos bairros de alto índice criminal.

Sobre os dados de renda, foi calculada a amplitude de renda de todos os bairros da cidade de Cascavel, e verificou-se que o Centro foi o bairro com a maior amplitude (237%), já o bairro Parque Verde apresentou a menor amplitude (9%).

Na Tabela 02, nota-se, inclusive, que os bairros que apresentaram a maior amplitude de renda são os classificados como centrais, o que significa que há maior variação, em termos numéricos absolutos, de renda. Esse fator não é determinante para a caracterização da desigualdade social interna do bairro, mas sim, da cidade como um todo.

Conforme Ramão et al. (2010), as regiões que apresentaram a melhor renda (Centro, Country, Região do Lago, Recanto Tropical e Neva) também apresentam melhor padrão construtivo. Isso corrobora o fato de que esse dado é um índice capaz de traçar os aspectos urbanos de uma localidade, e, consequentemente, da cidade como um todo. Logo, a renda apresenta relação com os aspectos da paisagem urbana, pois quanto maior o poder aquisitivo de uma localidade, melhor será, em termos urbanísticos, o padrão construtivo da cidade.

Além disso, ao se agregar as categorias construtivas de mais baixo padrão é possível observar que as regiões mais periféricas da cidade de Cascavel são também as mais precárias em termos urbanísticos e apresentam os maiores índices criminais, corroborando os estudos de Ramão et al. (2010).

Nesse viés, ao analisar esses dados, buscou-se, de forma estatística, calcular o grau de correlação entre eles. O resultado está demonstrado na Tabela 02, a seguir:

 

Tabela 02 – Correlações entre as variáveis por bairro.

Fonte: Autores (2021).

 

Verificou-se, na totalidade dos bairros da cidade, que o grau de correlação entre os dados de população versus total de ocorrências de furto e roubo foi forte, de 79,9%. Já em relação às variáveis de amplitude de renda e os delitos em estudo, o grau de correlação foi moderado. Sobre as demais variáveis correlacionadas (adensamento e renda), o grau foi fraco ou inexistente.

Nesse sentido, ao se levar em consideração a afirmação de Santos et al. (2018) de que as áreas densamente povoadas resultam em maiores riscos de criminalidade, nota-se que o adensamento populacional, em Cascavel-PR, é uma variável que pode interferir indiretamente na existência da criminalidade, mas não apresenta correlação expressiva com o índice criminal, diferentemente da demografia. Ademais, Minaki e Amorim (2007, p. 67) afirmam que:

Algumas cidades atingem a sua máxima expansão horizontal, e mesmo sem chegar aos limites de tal expansão, inicia-se um crescimento vertical. O fato de se tornarem populosas, sem medidas que privilegiem o adensamento urbano, as torna centros de problemas que extrapolam os limites político-territoriais, alcançando a dimensão físico-ambiental, que por ser de difícil delimitação, nem sempre recebe o tratamento apropriado.

 

O adensamento, em termos absolutos, em Cascavel, é consideravelmente inferior a outras cidades médias, visto que o município tem grande área de perímetro urbano e um pequeno índice de verticalidade das habitações, sendo praticamente inexistente em bairros. Nesse sentido, conforme a explanação de Minaki e Amorim (2007), a baixa correlação da criminalidade versus adensamento populacional, em Cascavel, pode ser explicada pelo fato de a cidade ainda estar em fase de expansão horizontal, e possuir medidas que, ainda, privilegiam o adensamento urbano.

Ainda, Jacobs (2011, p. 32) afirma que “de uma coisa podemos ter certeza: reduzir o adensamento de uma cidade não garante a segurança contra o crime nem previne o temor ao crime”. Nesse entendimento, pode-se concluir que quando existem índices de criminalidade em uma região, trata-se de uma difícil tarefa diminuí-los, pois essa atividade já está consolidada naquele meio. Assim, diminuir o adensamento populacional não garante a redução do crime, já que são várias as condicionantes que influenciam no fenômeno criminal, o que explica a baixa correlação, ou mesmo a inexistência dela, entre essa variável e as ocorrências criminais.

Sobre a classificação dos bairros centrais, o grau de correlação entre população e número de crimes foi forte, de 86,4%. Quanto aos bairros periféricos, o grau de correlação entre esses mesmos dados foi de 64,55%, o que representa um coeficiente moderado de correlação. Isso permite inferir que, de fato, o número de ocorrências criminais de furto e roubo guarda relação com a demografia nos bairros de Cascavel-PR.

Ainda, calculou-se o coeficiente de correlação entre a amplitude de renda e a totalidade de ocorrências delitivas de furto e roubo, conforme agrupamento definido em bairros centrais e periféricos. Nos bairros centrais, o coeficiente de correlação foi moderado, de 69,04%. Já nos bairros periféricos, foi de 14,39%, ou seja, fraco, praticamente inexistente. Dessa análise conclui-se que quanto maior a variação de renda em termos numéricos absolutos, maior será a correlação entre a renda e as ocorrências criminais.

Cabe esclarecer que, apesar da demonstração dessas correlações, não foi âmbito desse estudo avaliar as condições de causa e efeito entre as variáveis, pois isso dependeria de pesquisas mais aprofundadas, as quais poderão ser analisadas em estudos futuros. Além disso, os fatores espaciais da ocorrência criminal, conforme Soares e Saboya (2019), são um modelo estruturador para a análise de evidências empíricas sobre o fenômeno do crime no meio urbano. Portanto, o intuito desse trabalho é demostrar de forma empírica o quanto os aspectos urbanísticos da cidade de Cascavel estão relacionados com o cometimento de crimes de furto e roubo.

Nesse contexto, após as análises comparativas entre dados demográficos, adensamento, ocorrências criminais e aspectos de renda, os bairros foram agregados de acordo com seus aspectos urbanísticos, sejam eles infraestrutura, uso e ocupação do solo, zoneamento, adensamento, entre outros aspectos comuns que foram observados, conforme a Tabela 03 abaixo:

 

Tabela 03 – Infraestrutura dos bairros conforme intervalo de renda.

Fonte: Autores (2021); Google Maps (2021).

Essa tabela permitiu verificar as características de infraestrutura típicas de cada grupo representado pela faixa de renda, e, juntamente com a Tabela 02, foi possível identificar que os bairros São Cristóvão, Universitário e Floresta são bairros que chamaram atenção em relação ao número de crimes, comparativamente a outros bairros semelhantes. Portanto, eles foram escolhidos para uma análise in loco para tentar compreender os possíveis fatos que influenciam no número de crimes observados.

Dos bairros centrais, o São Cristóvão foi o bairro com maior número de ocorrências (344), abaixo apenas do Centro (1557). A variação de renda, no São Cristóvão, é similar aos bairros centrais como Neva, Coqueiral, Country e Parque São Paulo. Contudo, esses bairros têm número de ocorrências significativamente inferiores ao bairro em análise.

Na pesquisa de campo, foi constatado que as residências têm padrões de acabamento heterogêneos (médio/alto), com casas mais antigas e sobrados mais novos (Figura 03). As ruas principais são movimentadas e existe uma grande variedade de comércios espalhados pelo bairro, como demonstra a Figura 04, mas a maior concentração comercial fica localizada na Rua Jacarezinho, a qual atravessa o bairro no sentido Norte-Sul.

 

Figura 03 – Padrão residencial do bairro São Cristóvão.

 

Fonte: Autores (2021).

 

Figura 04 – Comércios do bairro São Cristóvão.

 

Fonte: Autores (2021).

 

O acesso ao São Cristóvão é realizado principalmente pela via de maior movimento da cidade, Avenida Brasil. A principal rua do bairro (Rua Jacarezinho), onde se concentra o maior número de estabelecimentos comerciais, atravessa toda a extensão da localidade e tem acesso direto a BR 467, ao norte. Na parte sul, a via direciona-se a região do Lago Municipal e Zoológico, os quais são menos habitados. Conforme o mapa de hot spots de furto e roubo, bem como a base de dados, disponibilizados pelo CAPEGEO, também se observou maior índice de delitos na Rua Jacarezinho, demonstrado nas Figuras 05 e 06 abaixo:

 

Figura 05 – Hot spots furto, São Cristóvão, 2019. Figura 06 – Hot spots roubo, São Cristóvão, 2019.

   

Fonte: CAPE (2021), grifo nosso. Fonte: CAPE (2021), grifo nosso.

 

Nesse sentido, ao encontro dos estudos de Lobo e Guimarães (2013), a grande presença de consumidores e trabalhadores em uma região dificulta o controle social, ainda mais se há ampla disponibilidade de rotas de fuga. Tais características tornam essas áreas os principais locais de ocorrências criminais, fenômeno que é comum em várias cidades brasileiras.

Assim, é possível verificar, no bairro São Cristóvão, que a localização espacial em que se encontra o maior número de comércio e fluxo de pessoas fica justamente em uma via que possibilita o acesso rápido e direto ao bairro, seja pela região central ou pela rodovia. Dessa forma, esse tipo de “corredor” facilmente pode ser usado como rota de fuga, fator atrativo ao cometimento de crimes, conforme Lobo e Guimarães (2013).

Dos bairros localizados na periferia, o Universitário e Floresta foram os locais em que mais ocorreram crimes (255 e 258, respectivamente), com exceção do bairro Cascavel Velho, em que foram contabilizadas as ocorrências juntamente com as do bairro Presidente.

No bairro Universitário, fica localizada a sede da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), o que torna a região um polo estudantil. A renda média do Universitário é em torno de R$ 1.750,00, com amplitude superior a 110%, o que indica que a distribuição de renda local é heterogênea com grande desigualdade, principalmente nas regiões mais afastadas da universidade. Próximo à Avenida Carlos Gomes, há maior presença de comércio devido ao grande número de unidades habitacionais locadas aos estudantes da universidade, conforme Figuras 07, 08 e 09 a seguir:

 

Figura 07 – Av. Carlos Gomes. Figura 08 – Unidade habitacional. Figura 09 – Unidade habitacional.

Fonte: Autores (2021). Fonte: Autores (2021). Fonte: Autores (2021).

 

No mapa de hot spots fornecidos pelo CAPEGEO, também se constatou maior concentração de delitos próximos à Avenida Carlos Gomes, conforme as Figuras 10 e 11 abaixo:

 

Figura 10 – Hot spots furto, Universitário, 2019. Figura 11 – Hot spots roubo, Universitário, 2019.

 

Fonte: CAPE (2021), grifo nosso. Fonte: CAPE (2021), grifo nosso.

 

A amplitude de renda é visível pela distribuição dos imóveis, em que se constatam casas simples e casas mais sofisticadas em uma mesma quadra. Contudo, nas regiões mais próximas da rodovia (norte) e na periferia do bairro (leste), constata-se maior concentração de casas mais simples. As Figuras 12 e 13 demonstram a disparidade do bairro em questão.

Assim, confirma-se a hipótese de que a diferença social dentro de uma mesma localidade, bem como a presença de uma população formada por estudantes, que além de ser bastante rotativa atrai comércios como bares, restaurantes e mercados, podem ser fatores capazes de influenciar na composição dos aspectos urbanos da região e também na ocorrência de crimes no bairro em análise.

 

Figura 12 – Padrão construtivo do bairro Universitário.

 

Fonte: Autores (2021).

 

Figura 13 – Padrão construtivo do bairro Universitário.

 

Fonte: Autores (2021).

 

No bairro Floresta, foram constatados 258 crimes em 2019. A renda média desse bairro é em torno de R$ 1.750,00, contudo sua amplitude é uma das mais baixas do município (inferior a 20%), o que indica que a distribuição de renda local é mais homogênea. De fato, as moradias locais apresentam um padrão construtivo relativamente compatível, praticamente não se observam imóveis de padrão alto. A grande maioria das casas são baixas, bem próximas umas das outras, e o sistema viário é formado predominantemente por ruas estreitas. Em relação ao comércio local, este fica mais concentrado na Avenida Papagaios, conforme a Figura 14 a seguir:

 

Figura 14 – Comércio e padrão construtivo do bairro Floresta.

 

Fonte: Autores (2021).

Além disso, na Avenida Papagaios também localiza-se o maior número de hot spots, de acordo com os mapas disponibilizados pelo CAPEGEO (Figuras 15 e 16):

 

Figura 15 – Hot spots furto, Floresta, 2019. Figura 16 – Hot spots roubo, Floresta, 2019.

 

Fonte: CAPE (2021), grifo nosso. Fonte: CAPE (2021), grifo nosso.

 

 

Na visita realizada ao local, foi constatada a existência do Condomínio Habitacional Riviera, com 2089 unidades, as quais foram repassadas para famílias de baixa renda que se enquadravam no programa social do governo; a obra foi entregue em 2017. A área onde se localiza o condomínio está apresentada na Figura 17, abaixo:

 

Figura 17 – Condomínio Habitacional Riviera.

   

Fonte: Autores (2021); Website do Jornal O Paraná (2021).

 

O Residencial Riviera protagonizou um significativo aumento da área e da população no bairro Floresta, em torno de 20% da localidade. Os dados do censo do IBGE, realizado em 2010, não contemplam essa significativa mudança de paradigma regional, na qual famílias pobres que moravam em condições precárias em diversos pontos do município mudaram-se para o bairro Floresta. Dessa forma, dados que eram praticamente inexpressivos, devido a essas famílias estarem anteriormente distribuídas em todo o município de Cascavel, inclusive em áreas rurais e distritos, agora se concentram em grande parte no bairro Floresta.

Essa alteração do cenário urbanístico e social no local acarreta alterações significativas nas faixas de renda dos moradores. Portanto, a hipótese mais provável é que atualmente a amplitude da renda no local não seja apenas 19%, e sim, muito superior, visto que parte das famílias que foram beneficiadas pelo programa habitacional não possuíam sequer renda, conforme características do programa. Com isso, apenas após a realização do novo censo será possível confirmar esses dados. Cabe mencionar que a expectativa é que o Bairro Floresta tenha características de amplitude de renda semelhantes ao do bairro Universitário, conforme a constatação das características visuais observadas na vistoria de campo. Nesse viés, para a constatação da hipótese levantada por esse estudo, recomenda-se que após o novo censo do IBGE, previsto para 2021, seja realizada uma nova abordagem com os novos dados locais.

No âmbito criminal, Poyner (1983) relata nos seus estudos que construções de alta escala – nisso incluem-se conjuntos habitacionais – tendem a ter maior número de crimes. Os dados do estudo demonstram que habitações multifamiliares, com grande quantidade de unidades, estão mais propícias ao cometimento do delito de roubo. Porém, cabe ressaltar que o autor afirma que as taxas de crimes podem estar relacionadas a outros fatores, como aspectos sociais, os quais devem ser reconhecidos para relacionar o crime ao tipo habitacional.

Com base na concepção apresentada por Poyner, pode-se compreender que os fatores urbanísticos presentes no bairro Floresta, como os conjuntos habitacionais multifamiliares com muitas unidades, além dos aspectos sociais de renda e população que habita o bairro, são condicionantes que tendenciam a localidade a ter maior número de delitos.

 

6. CONCLUSÃO

Em relação aos estudos desenvolvidos, pôde-se concluir que é quase indiferente, do ponto de vista espacial, o período em estudo, pois as manchas criminais tendem a se repetirem em localidades determinadas da cidade em questão. Como decorrência disso, pode-se verificar que, pelo fato de o espaço urbano sofrer pouca mutação ao longo do tempo, de fato as condicionantes espaciais são determinantes para a existência do comportamento delitivo.

Dessa análise, observou-se que, nos bairros centrais, quanto maior a variação de renda em termos numéricos absolutos, maior será a correlação entre a renda e as ocorrências criminais. Já os bairros periféricos, por apresentarem baixa amplitude de renda, não possuem correlação direta entre essa característica e as ocorrências criminais.

Ademais, pelo fato de Cascavel-PR ainda estar em processo de expansão horizontal, o adensamento populacional é uma variável que pode interferir indiretamente na existência da criminalidade, mas não apresenta correlação expressiva com o índice criminal, diferentemente da demografia.

Nos bairros periféricos, constatou-se ainda que as condicionantes urbanísticas, a característica da população, os comércios existentes, bem como a oportunidade para o cometimento delitivo influenciam de forma mais expressiva no índice de crimes dessas localidades.

Por fim, foi possível identificar que ao se analisar um bairro de forma pormenorizada pelas suas condicionantes urbanísticas, elas apontam diferentes motivos para a existência do comportamento criminoso. No bairro São Cristóvão, tanto as rotas de fuga quanto a característica comercial da localidade são atrativas para o cometimento de delitos.

Já no bairro Universitário, as condicionantes das ocorrências criminais pautam-se na população de perfil rotativo que atrai determinado tipo de comércio, como bares e restaurantes, os quais são locais mais propícios de aglomerações e conflitos.

E, em relação ao bairro Floresta, o aspecto urbano é muito peculiar pelo fato de ser um bairro bastante extenso que ainda está em processo de expansão, possui infraestrutura deficitária e uma população de perfil carente. Nesse local, verificou-se que as ocorrências criminais estão mais relacionadas às habitações multifamiliares, com grande quantidade de unidades, as quais propiciam o cometimento de delitos patrimoniais. Além disso, os aspectos sociais de renda e população são condicionantes que tendenciam a localidade a ter maior número de delitos.

Além disso, foi observado que a cidade de Cascavel apresenta setorização no uso do solo, com bairros de característica mais residencial, outros com perfil mais comercial, e outros, ainda, que favorecem a presença de conjuntos habitacionais de larga escala. Nesse sentido, ao encontro da obra “Morte e Vida das Grandes Cidades”, de Jane Jacobs, citada neste artigo, conclui-se que a concepção urbana de Cascavel, com inspiração modernista pautada na segregação do uso e ocupação do solo, de fato traz problemas relacionados ao fenômeno do crime. Talvez, se o espaço urbano da cidade fosse intrincado em combinações de usos diversos, conforme defende Jacobs, o índice criminal relacionado aos crimes de furto e roubo seria menor.

Logo, o presente estudo valida a hipótese levantada de que os aspectos urbanísticos têm relação com a ocorrência criminal e que, de fato, a composição da cidade de Cascavel-PR possui características urbanas que explicam o comportamento delitivo nas suas diversas regiões.

 

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1 Arquiteta e Urbanista. Escrivã da Polícia Civil do Paraná. E-mail: esc.gvgschelle@pc.pr.gov.br

2 Comunicador Social. Investigador da Polícia Civil do Paraná. E-mail: inv.gladsonfabian@pc.pr.gov.br

3 Bacharel em Direito. Escrivã da Polícia Civil do Paraná. E-mail: esc.mhmarangoni@pc.pr.gov.br

4 Bacharel em Odontologia. Escrivã da Polícia Civil do Paraná. E-mail: esc.pgaffuri@pc.pr.gov.br