O PERFIL DOS AUTORES De CRIMES DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS EM CURITIBA

CAVASINI, Karine Inez1

GOTIN, Mirian2

OLIVEIRA, Vanessa Alves de3

MAIA ,Ricardo4

 

RESUMO

A forma como a sociedade trata os animais está em constante evolução, o que tem produzido reflexos positivos nas legislações brasileiras. Neste mesmo contexto, surge a necessidade de compreender a motivação dos crimes contra animais. Assim, o presente estudo propôs delimitar o perfil dos autores de maus-tratos em Curitiba e verificar se os envolvidos têm uma história pregressa de crimes violentos contra pessoas, como propõe a Teoria do Link. Os dados sobre os delitos e autores foram coletados por meio das ferramentas Business Intelligence (BI) e SESP Intranet. Constatou-se que, em 2020, foram registrados 881 boletins de ocorrência unificados (BOU) e 125 procedimentos de investigação de maus-tratos aos animais na cidade de Curitiba. Quanto à natureza das infrações, a maioria trata-se de "prática de abuso, maus-tratos aos animais" (52,90%) e "omissão de cautela na guarda de animais" (18,06%). O perfil dos autores de maus-tratos em Curitiba é predominantemente masculino (67,42%), na faixa etária entre 46 e 60 anos (34,83%) e com 2° grau completo (25,84%). Apenas 11,24% deles têm antecedentes de crimes violentos contra pessoas, o que indica que a Teoria do Link não predomina entre os autores curitibanos de crimes contra animais. Os resultados obtidos evidenciam a necessidade de medidas educativas sobre os cuidados com os seres não humanos, tanto para ressocialização dos indivíduos e diminuição de reincidências quanto para a prevenção de novos delitos contra animais.

Palavras-chave: Animais. Maus-tratos. Curitiba. Perfil dos autores. Teoria do Link.

 

The Profile Of The Authors Of Crimes Of Mistreatment To Animals In Curitiba

ABSTRACT

The way society treats the animals is constantly evolving, which has produced a positive impact on Brazilian legislation. In this same context, a need arises to understand the motivation of crimes against animals. Therefore, the present study proposed to delimit the profile of the authors of mistreatment in Curitiba city and to verify if those involved have a previous history of violent crimes against human, as proposed by the Link Theory. Data on crimes and authors were collected by Business Intelligence (BI) and SESP Intranet tools. It was found that, in 2020, there were 881 unified police reports registered and 125 investigation procedures for mistreatment of animals in the city of Curitiba. As for the nature of the infractions, most of them are “abuse, mistreatment of animals” (52.90%) and “omission of caution in guarding animals” (18.06%). The profile of the authors of mistreatment in Curitiba is predominantly male (67.42%) aged between 46 and 60 years (34.83%) and with a high school degree (25.84%). Only 11.24% of them have a history of violent crimes against people, which indicates that the Link Theory is not predominant among these authors of crimes against animals in the city of Curitiba. The results obtained show the need for educational measures on care of non-human beings, both for the re-socialization of individuals and reduction of recurrences and for the prevention of the new crimes against animals.

Keywords: Animals. Mistreatment. Curitiba. Profile of the authors. Link Theory.

 

 

INTRODUÇÃO

O direito brasileiro está em constante evolução quanto à forma que os animais são tratados. Com a promulgação da Constituição de 1988, ficou evidenciada a preocupação e dever do Estado em proteger a fauna e coibir atos de crueldade. Desde então, diplomas legais surgiram para concretizar a proteção aos animais, sendo o principal deles a Lei de Crimes Ambientais, que passou por alterações recentes em seu artigo 32, que trata especificamente de maus-tratos. (BRASIL, 1988; BRASIL, 1998; BRASIL, 2020).

Este progresso na legislação está diretamente relacionado aos avanços da sociedade e, na medida em que os costumes e a própria ética se modificam e reconhecem que os animais são seres que sentem e sofrem, há uma cobrança para que as leis sejam ainda mais repressivas para com os autores de crimes contra os animais. (CALHAU, 2004; TEIXEIRA, 2017; SANTOS; SANTOS, 2019).

Além disso, nas últimas décadas, a busca pelo entendimento da motivação nos crimes de maus-tratos foi intensificada. Compreender a dinâmica que leva os indivíduos a cometerem negligências, abusos e outras categorias de violência contra os animais culminou no desenvolvimento da Teoria do Link, que sugere que tais atos não são isolados, mas sim conexos a outras formas de violência contra pessoas, em especial aos vulneráveis. (CALHAU, 2004; NASSARO, 2016; DANESI; GROSS JUNIOR, 2020; CRMVSP, 2020).

Deste modo, este estudo tem o objetivo de identificar o perfil dos autores de crimes de maus-tratos aos animais em Curitiba, assim como analisar os fatores relacionados à ocorrência desses delitos e verificar se a Teoria do Link se concretiza, o que pode servir à Segurança Pública para traçar políticas preventivas e desenvolver estratégias de repressão aos crimes e ressocialização desses indivíduos para evitar reincidências.

 

REVISÃO DE LITERATURA

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS NO BRASIL

O Código Civil Brasileiro de 1916 definiu os animais como coisas, bens semoventes, objetos de propriedade e outros interesses alheios, como bens móveis suscetíveis de movimento próprio — uma imagem da objetificação dos animais, não considerados sujeitos de direitos. (BRASIL, 1916).

Durante o governo Getúlio Vargas, no entanto, foi editado o Decreto n° 24.645 de 1934 que conceituou e proibiu os maus-tratos contra os animais. Apesar de estar desatualizado, o referido regulamento foi considerado um grande avanço, uma vez que os animais passaram a ser amparados em relação a ações cruéis e maus-tratos. (BRASIL, 1934).

Sete anos depois, o Decreto-lei n° 3.688 de 1941 (Lei das Contravenções Penais) trouxe em seu artigo 64 uma proteção mais ampla e direta aos animais, relacionada à crueldade, submissão ao trabalho excessivo e exposição pública de experiência dolorosa com animal vivo, mesmo que para fins científicos ou didáticos. (BRASIL, 1941).

Esses delitos eram punidos com pena de prisão simples, de 10 dias a 1 mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis, com aumento da metade da pena em caso de trabalho excessivo ou crueldade com exibição ou espetáculo público. (BRASIL, 1941).

No novo regime, a partir da promulgação da Constituição de 1988, outro grande passo na proteção aos animais foi dado. Em seu artigo 225, § 1º, inciso VII, a Carta Magna estabelece que incumbe ao Poder Público proteger a fauna e coibir práticas que submetam animais a atos de crueldade. (BRASIL, 1988).

Com o advento da Lei de Crimes Ambientais — Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, os maus-tratos contra os animais deixaram de ser considerados contravenção penal e passaram a ser crime. Em seu artigo 32 está prevista a punição de todo ato de abuso, maus-tratos e ferimentos praticados contra animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. (BRASIL, 1998).

A penalidade nesses casos é de detenção de 3 meses a 1 ano e multa, a qual também é aplicada para quem realiza experiência dolorosa com animal vivo, mesmo que para fins científicos ou didáticos. Em caso de morte do animal, ela é aumentada de um sexto a um terço. (BRASIL, 1998).

Assim, o crime de maus-tratos contra animais é considerado de menor potencial ofensivo e processado pelo Juizado Especial Criminal, o que proporciona ao criminoso os benefícios trazidos pela Lei n° 9.099 de 1995, ou seja, suspensão condicional do processo, transação penal e, por fim, penas alternativas. (BRASIL, 1995; BRASIL, 1998).

No dia 29 de setembro de 2020, contudo, foi promulgada a Lei n° 14.064, também conhecida como Lei Sansão, que trouxe alterações na penalidade imputada a autores de crimes de maus-tratos contra cães e gatos. Nesses casos, a pena foi aumentada consideravelmente, que agora é de reclusão de 2 a 5 anos, multa e proibição da guarda. Além disso, tal crime deixou de ser processado pelo Juizado Especial Criminal e passou a ser tratado pela Justiça Comum. (BRASIL, 2020).

Importante destacar que, de acordo com a alteração legislativa, caberá prisão em flagrante aos infratores, passando o autor a responder ação criminal com toda formalidade e rigor que cabe ao Juízo Criminal, existindo ainda a possibilidade de proibição de voltar a ter a guarda de animais domésticos. (BRASIL, 2020).

Ainda no âmbito das alterações da Lei de Crimes Ambientais, o projeto de lei PLC 27/2018 que pretende criar um regime jurídico especial para os animais, no qual eles não poderão mais ser definidos como objetos, foi aprovado pelo Senado em 2019. Por ter sofrido modificações, o projeto voltou para a Câmara dos Deputados. Deste modo, quando aprovado pelas duas casas, os animais serão sujeitos de direitos e não mais bens móveis, como ainda impõe o Código Civil de 2002. (SENADO, 2019).

A evolução da proteção jurídica dos animais foi lenta e ainda não se encontra em um plano ideal. Entretanto, importantes avanços foram conquistados e muitos direitos reconhecidos. Como visto, as primeiras repressões à crueldade contra os animais tinham caráter de contravenção penal e penas mais brandas.

Com a Lei de Crimes Ambientais, os maus-tratos, abusos e crueldade passaram a ser crime e começaram a ser punidos de maneira mais ampla, porém não severa. Com a Lei Sansão, todavia, fica evidente que a legislação brasileira está progredindo no sentido de não aceitar práticas lesivas contra os animais e conferir penas mais duras para quem as pratica.

 

CONCEITUAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS TERMOS “MAUS-TRATOS, ABUSO E CRUELDADE” CONTRA ANIMAIS

A Constituição Brasileira assegurou, em seu artigo 225, que os animais não devem ser submetidos à crueldade. Por sua vez, a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que trata dos crimes ambientais, aponta os atos de abuso e maus-tratos aos animais como crime. No entanto, não se encontra nestes diplomas legais uma definição para o que seria crueldade, maus-tratos e abuso e a delimitação e fixação de significado desses termos acabam extraídos do senso comum. (BRASIL, 1988; BRASIL, 1998; TEIXEIRA, 2017).

Essas definições só foram estabelecidas integralmente pela Resolução n° 1.236, de 26 de outubro de 2018, editada pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária e, embora essa Resolução seja aplicável apenas aos Médicos Veterinários e Zootecnistas em exercício no país, é nela que, por falta de legislação específica, se socorre em busca do significado técnico dos termos usados na legislação pátria. (CFMV, 2018).

Assim define a supracitada Resolução:

[…] maus-tratos: qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais;

crueldade: qualquer ato intencional que provoque dor ou sofrimento desnecessários nos animais, bem como intencionalmente impetrar maus-tratos continuamente aos animais;

abuso: qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo, que implique no uso despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando prejuízos de ordem física e/ou psicológica, incluindo os atos caracterizados como abuso sexual; […] (CFMV, 2018, p. 133).

 

No entendimento de Calhau (2004), os atos de maus-tratos são gênero da espécie crueldade, sendo possível compreender o conceito de maus-tratos nas ações e omissões elencadas no Decreto-Lei nº 24.645, de 10 de julho de 1934. Todavia, o referido autor admite que não é pacífico que este decreto esteja em vigor, causa de dissenso entre juristas. Santos e Santos (2019) têm entendimento de que, apesar de revogado, o Decreto-Lei nº 24.645 poderia continuar subsidiando a conceituação de maus-tratos por falta de novas normas — este decreto elencava 31 condutas classificadas como maus-tratos, o que facilitaria o enquadramento dos autores destes delitos.

Para o Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo, os maus-tratos poderiam ainda ser subdivididos em propositais e não propositais. Se enquadraria como não propositado o caso do indivíduo que, por exemplo, sofre de alguma patologia que o impossibilite de fazer um juízo adequado de sua conduta em relação ao animal. (CRMVSP, 2018).

Consoante Barbosa (2016), uma das formas de maus-tratos que mais se evidencia na atualidade seria o abandono de animais domésticos, visto que eles são dependentes de cuidados humanos e não tem condições de sobreviverem sozinhos, além deste fato caracterizar um dano emocional ao animal que cria vínculos afetivos e não tem capacidade de compreender o descarte.

Embora muitos doutrinadores do direito ainda discordem da tutela penal aos animais e a própria legislação que os protege não tenha penas capazes de prevenir esses crimes, a sociedade de maneira geral tem exigido que eles sejam categoricamente amparados pelo Estado, em que pese uma parcela da população ainda mantenha condutas culturais que geram grande sofrimento aos animais, como rodeio, rinhas, farra do boi ou simplesmente displicência no trato com eles. (CALHAU, 2004; TEIXEIRA, 2017).

Há uma alteração cultural acontecendo em relação ao convívio com os animais e até mesmo a terminologia “possuir um animal” tornou-se obsoleta, preferindo-se dizer que os humanos são seus guardiães, visto que possuir por si só induz a ideia de objeto do qual se dispõem conforme entendimento pessoal e guardar é verbo que leva a crer que se está a velar algo que tem valor. (SANTANA; OLIVEIRA, 2006).

Neste mesmo sentido, Santos e Santos (2019) analisam que o tema acerca da proteção aos animais a partir do avanço trazido pela Constituição de 1988 tornou-se um dos mais relevantes no direito. Embora a proteção trazida no ordenamento jurídico seja ínfima, ela revela o estágio evolutivo da própria sociedade que começa a abandonar o pensamento utilitarista sobre os animais para perceber que são seres dotados de sentimentos, sofrem dores e carecem de respaldo legal para serem tratados com dignidade.

Em síntese, pontua Diniz (2018, p.1) que, em virtude de preceito Constitucional, os animais gozam do “[...] direito de não sofrer maus-tratos nem tratamento cruel, nem mesmo em manifestações culturais populares, por terem senciência e dignidade”.

De acordo com Calhau (2004), os fatores que levam um ser humano a praticar as condutas de maus-tratos contra os animais são diversos, desde os relacionados aos aspectos morais e religiosos, passando pela ignorância, atos de mero sadismo e principalmente questões econômicas, como é o caso de exibições públicas toleradas e aceitas culturalmente que geram grande circulação financeira, ao mesmo tempo que acarretam dor e sofrimento. Barbosa (2016) pontua que muitos indivíduos não são capazes de perceber as injúrias que causam aos animais, pois para estas pessoas o tratamento que dispensam é normal e não eivado de atrocidade ou mesmo de vontade criminosa.

O conceito de crueldade, portanto, contempla atos intencionais que provocam dor e sofrimento e a reiteração de atos de abuso e maus-tratos. Por abuso, entende-se como o excesso daquilo que, a priori, poderia até ser um uso adequado e lícito. Já o conceito de maus-tratos contempla uma ação ou omissão, incluindo atos que, a princípio, poderiam até ser benéficos ao animal, mas que, por descuido, desconhecimento e precipitação, acabam por gerar danos.

 

A RELAÇÃO ENTRE MAUS-TRATOS E VIOLÊNCIA CONTRA PESSOAS

A análise da possível relação entre a violência praticada contra seres humanos e não humanos teve início nos Estados Unidos, na metade do século XX. Os pesquisadores utilizaram como objeto de estudo pessoas que cometeram crimes violentos e estavam internadas em instituições psiquiátricas e presídios. (NASSARO, 2016; LEAL; REIS, 2017).

Essas primeiras investigações, datadas de 1963, resultaram na elaboração do conceito da Tríade do Sociopata de Macdonald, posteriormente chamada de Tríade de Comportamentos por Hellman e Blackman, em 1966, no qual foi constatado que adultos que praticaram crimes violentos, como homicídios ou estupros, apresentavam três comportamentos em comum na infância e na adolescência: a enurese, ou seja, incontinência urinária, atos incendiários e a crueldade contra animais. (NASSARO, 2016; ALMEIDA, 2019).

Em 1979 e 1985, Felthous realizou pesquisas sobre crueldade contra animais durante a infância e constatou a maior ocorrência entre presos americanos considerados agressivos — eles relataram situações extremamente cruéis como cortar pernas de rãs e abrir a barriga de anfíbios para observar sua morte lenta e ter a sensação de prazer na realização de tais atos. (NASSARO, 2016; LEAL; REIS, 2017).

A Federal Bureau of Investigation (FBI) detectou que pessoas que praticaram crueldade animal quando crianças ou adolescentes estão mais propensas a praticar outras infrações. É o que ocorre com frequência entre os serial killers, que tendem a iniciar seus atos violentos e torturantes contra animais ainda na primeira fase da vida. Essa conexão tem sido reconhecida pelo órgão desde a década de 70. (NASSARO, 2013; DANESI; GROSS JR, 2020).

Assim, os maus-tratos contra animais durante a infância passaram a ser considerados um sinal de alerta para a prática de outros crimes — com destaque para os violentos contra pessoas — e indicam que essas crianças podem se tornar adultos ainda mais agressivos, tanto com animais como com seres humanos. (NASSARO, 2016).

Para explorar ainda mais essa questão, Ascione desenvolveu, em 1996, estudos sobre o vínculo entre agressão de mulheres e a crueldade contra seus animais de estimação por seus companheiros, nos quais ficou constatado que os maus-tratos aos pets estavam diretamente conectados à violência doméstica e familiar. (NASSARO, 2016).

Neste contexto, a agressividade direcionada ao animal seria uma maneira de demonstrar controle e poder quanto aos outros membros da família, como uma forma de ameaça ou simplesmente para intensificar o medo e o sofrimento psicológico das vítimas. (LEAL; REIS, 2017; ALMEIDA, 2019).

Como resultado de viver em um ambiente de violência, foi observado que muitas crianças, vítimas diretas ou indiretas da situação, também agrediam os animais da casa, seja porque aprenderam tal atitude com seus pais ou para aplicar suas próprias angústias contra outro ser vulnerável. Dessa forma, fica marcado o início de um ciclo que será passado adiante de geração em geração. (NASSARO, 2016).

A Teoria do Link, originalmente “Link theory”, também denominada Teoria do Elo no Brasil, desenvolvida por Ascione e Arkow, em 1997, aponta que um adulto que abusa de um animal ou de uma criança faz isso como consequência de ter sido vítima ou testemunha de situações semelhantes em sua infância — o que estabelece o elo entre violência doméstica, abuso infantil e crueldade animal. (NASSARO, 2016; LEAL; REIS, 2017; DANESI; GROSS JUNIOR, 2020).

Assim, a teoria firmou a relação direta entre os maus-tratos e crimes contra pessoas: os responsáveis por crueldades contra animais têm maior propensão de serem também agressores de pessoas, principalmente de populações consideradas vulneráveis. (NASSARO, 2016; DANESI; GROSS JUNIOR, 2020; CRMVSP, 2020).

Por conta disso, é muito importante explorar o conceito da Teoria do Elo e analisar os casos de maus-tratos aos animais, pois, como visto, a situação levanta indícios de que a violência pode estar muito além dos atos cruéis contra os seres não humanos. Dessa forma, é imprescindível romper o ciclo para evitar danos e crimes contra pessoas.

 

A Teoria do Link no Brasil

As pesquisas sobre a Teoria do Link no Brasil são recentes, sendo a primeira delas realizada por Padilha (2011), na obra “Crueldade com Animais X Violência Doméstica Contra Mulheres: Uma Conexão Real” que confirmou a ocorrência concomitante de crueldade animal em 50% dos casos analisados de violência doméstica no Estado de Pernambuco.

Contribuindo para as pesquisas brasileiras, Nassaro (2013) investigou a aplicabilidade da Teoria do Elo na obra “Maus tratos aos animais e violência contra as pessoas”, com o objetivo de relacionar os registros de maus-tratos feitos pela Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) com crimes violentos contra a pessoa.

Entre seus resultados, Nassaro (2013) verificou que um terço dos autores de crimes contra animais também cometeram outras infrações, sendo metade delas relacionadas à violência contra pessoas, como lesão corporal, ameaça, roubo e homicídio. Portanto, o autor confirma a presença da Teoria do Link no Estado de São Paulo.

Não obstante, é necessário realizar mais estudos sobre o tema no país, assim como intervir em casos de maus-tratos aos animais, visto que esse é um sinal de alerta para situações de violência contra pessoas, muitas vezes no próprio lar, e também porque os animais são seres sencientes e não podem ser objeto de maus-tratos, abuso e crueldade.

 

METODOLOGIA

O presente estudo foi realizado por meio de pesquisa documental utilizando as ferramentas Business Intelligence (BI) da Celepar e o SESP Intranet da Polícia Civil do Estado do Paraná com acesso à Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) de Curitiba.

Pelo BI foram obtidos dados sobre os boletins de ocorrência, procedimentos de investigação, peças informativas e natureza das infrações que envolvem maus-tratos aos animais em Curitiba no ano de 2020. Com o SESP Intranet foram colhidos dados sobre os autuados em inquéritos policiais e termos circunstanciados de infração penal da DPMA do mesmo delito e período.

Todos esses dados foram levantados com o objetivo de obter respostas quanto ao perfil dos autores de infrações de maus-tratos aos animais. Além disso, esse estudo também tem o propósito de constatar se a Teoria do Link — correlação de crimes contra seres humanos e não humanos — se confirma na amostra analisada.

Para traçar o perfil foram selecionados apenas os autores dos procedimentos de investigação e peças informativas, pois esses apresentam indícios mínimos de autoria e materialidade. Os parâmetros elencados para análise foram os seguintes: gênero, faixa etária, grau de instrução e outros delitos cometidos pelo autor.

Essas informações foram registradas e utilizadas para elaboração de gráficos que permitiram a melhor visualização e avaliação do perfil dos autores de crimes de maus-tratos aos animais em Curitiba no ano de 2020.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No ano de 2020, foram registrados 881 boletins de ocorrência unificados (BOU) de maus-tratos aos animais na cidade de Curitiba. O GRÁFICO 1 traz uma comparação do número de registros desta categoria de delito de 2016 a 2020 e mostra um crescimento expressivo de notificações no ano de 2019, que saltou da faixa de 500 para 800 BOU por ano, número que se manteve no mesmo nível em 2020.

 

GRÁFICO 1 – BOLETINS DE OCORRÊNCIA UNIFICADO (BOU) DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS REGISTRADO POR ANO EM CURITIBA

FONTE: As autoras (2021).

 

Todavia, esse aumento não significa que os casos de maus-tratos estão se tornando mais frequentes, mas sim que a população passou a fazer mais denúncias. Muito disso se deve à atuação da Polícia Civil, com destaque para a DPMA, que passou a receber denúncias pelos canais 181 da Secretaria de Estado de Segurança Pública e 156 da Prefeitura de Curitiba, além das que já eram realizadas na sede da delegacia, e reorganizou sua rotina de investigação no ano de 2019. (ULBRICH, 2019).

Dessa forma, a DPMA se tornou ainda mais presente na sociedade, combatendo os maus-tratos aos animais de forma ativa, por meio de resgates e punição dos autores, o que faz com que as pessoas passem a confiar e contribuir ainda mais com o trabalho da instituição. (KOWALSKI, 2021).

Dos 881 boletins registrados no ano de 2020, 125 tiveram continuidade e foram transformados em procedimentos de investigação e peças informativas, como inquéritos policiais e termos circunstanciados de infração penal, o que representa 14,19% do total de registros.

Foram analisadas as 8 naturezas de infração que mais apareceram nesses 125 procedimentos, as quais, ao todo, somaram 140 delitos, o que significa que, em alguns deles, mais de uma natureza foi apurada. (GRÁFICO 2).

Por meio dessa análise foi possível perceber que a “prática de abuso, maus-tratos aos animais” lidera e está presente em 52,90% das ocorrências. Na sequência, aparece “omissão de cautela na guarda de animais”, natureza de 18,06% dos casos.

Este resultado indica que a maioria das ocorrências de maus-tratos em Curitiba trata-se do uso excessivo ou indevido, assim como ação ou omissão nos cuidados com os animais sob os quais tem guarda, seja de forma intencional ou por negligência, imperícia ou imprudência, o que acaba gerando danos. (CFMV, 2018).

Entre os exemplos de maus-tratos registrados com maior frequência pela DPMA pode-se citar a falta da oferta de alimento ou o oferecimento de comida em condições insalubres e manter o animal em ambiente inadequado ou preso a correntes. (KOWALSKI, 2021).

Por conta disso, é possível afirmar que os fatores que influenciam as condutas de maus-tratos estão mais atrelados à ignorância e desconhecimento dos danos gerados aos animais, sendo que muitas pessoas acreditam que a forma como tratam seus pets é normal — um reflexo da sua própria cultura. (CALHAU, 2004; BARBOSA, 2016).

 

GRÁFICO 2 – NATUREZA DE INFRAÇÕES DOS PROCEDIMENTOS INSTAURADOS DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS EM CURITIBA NO ANO DE 2020

FONTE: As autoras (2021).

Em contrapartida, a natureza “crueldade contra animais”, que, segundo o Conselho Federal de Medicina Veterinária (2018), trata-se de atos intencionais para provocar dor e sofrimento, a exemplo dos ferimentos físicos, além da reiteração contínua de maus-tratos, esteve presente em apenas 3,23% dos casos.

Isso significa que o sadismo não é um dos fatores predominantes para a prática de maus-tratos aos animais entre os curitibanos, o que os distancia da imagem americana do autor de crueldades e torturas contra os seres não humanos. (NASSARO, 2016; LEAL; REIS, 2017; DANESI; GROSS JR, 2020).

Quanto à natureza “crimes de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato”, essa foi incluída na legislação brasileira pela Lei Sansão no final de setembro de 2020. (BRASIL, 2020). Por esse motivo, só foi registrada nos últimos 3 meses do ano, o que pode ter refletido na sua baixa ocorrência — apenas 4,52% dos casos. Como cães e gatos são os pets mais comuns nos lares brasileiros (BARBOSA, 2016), a tendência de crescimento dessa natureza poderá ser confirmada por meio da análise de dados das ocorrências registradas nos próximos anos.

É importante falar ainda sobre a “introdução ou abandono de animais em propriedade alheia”. Nota-se que apenas 2 ocorrências (1,29%) dessa natureza apareceram entre os procedimentos instaurados, o que indica uma possível subnotificação de casos, visto que, diariamente, diversos são os animais abandonados em propriedades, terrenos baldios, lugares desertos e vias públicas. (BARBOSA, 2016).

Entre as hipóteses para essa cifra oculta está o desconhecimento das pessoas de que abandonar animais é um delito e a falta de informações sobre os autores — o que também torna as investigações mais difíceis. Além disso, como muitos animais são abandonados na rua, isso faz com que as pessoas acreditem que esse problema não é delas e, por isso, deixam de fazer denúncias.

Nas naturezas registradas nos procedimentos sobre maus-tratos aos animais observa-se ainda a presença de infrações que envolvem pessoas — lesão corporal, ameaça e vias de fato. Mesmo em pequenas porcentagens, isso já indica que alguns dos autores de delitos contra seres não humanos também cometem delitos violentos contra pessoas.

Quanto à distribuição desses procedimentos e peças informativas em Curitiba, a DPMA foi responsável por mais de 60% da apuração dos casos em 2020, justamente por ser a delegacia especializa em crimes ambientais da cidade (GRÁFICO 3).

 

GRÁFICO 3 – PROCEDIMENTOS DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS INSTAURADOS NAS UNIDADES POLICIAIS DE CURITIBA NO ANO DE 2020

FONTE: As autoras (2021).

 

Os resultados obtidos por meio do levantamento de dados provenientes da DPMA revelam informações importantes sobre o gênero, faixa etária, grau de instrução e outras infrações cometidas pelos autores de crimes de maus-tratos aos animais no ano de 2020.

Os parâmetros de 89 infratores foram analisados, isso pois em alguns procedimentos havia mais que um autor. O GRÁFICO 4 apresenta o gênero desses indivíduos, os quais 60 são homens (67,42%) e 29 são mulheres (32,58%). Em seus estudos, Nassaro (2013) observou uma porcentagem maior de autores de maus-tratos aos animais do sexo masculino — cerca de 90%.

 

GRÁFICO 4 – GÊNERO DOS AUTORES DE CRIMES DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS EM CURITIBA NO ANO DE 2020

FONTE: As autoras (2021).

 

Sobre a faixa etária, a que contém maior número de autores é “entre 46 e 60 anos”, com 31 indivíduos (34,83%), seguido de “entre 35 a 45 anos”, com 20 indivíduos (22,47%) (GRÁFICO 5). Esses dados são semelhantes aos obtidos por Nassaro (2013), que detectou uma média de 43 anos entre os autores de maus-tratos em sua pesquisa.

GRÁFICO 5 – FAIXA ETÁRIA DOS AUTORES DE CRIMES DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS EM CURITIBA NO ANO DE 2020

FONTE: As autoras (2021).

 

Quanto ao grau de instrução, exposto no GRÁFICO 6, pode-se observar que, dos 89 autores, 24 (26,97%) estavam com esse parâmetro como “não informado”, o que prejudicou a análise. Como esses dados foram colhidos do BOU de cada procedimento, isso indica que, em muitos boletins, esse campo deixou de ser preenchido.

É fundamental reforçar que os boletins de ocorrência devem ter seu preenchimento completo, pois esses dados são utilizados para o desenvolvimento de estatísticas policiais utilizadas pela Segurança Pública para traçar melhores estratégias de prevenção e repressão à criminalidade. (CAPE, 2021).

 

GRÁFICO 6 – GRAU DE INSTRUÇÃO DOS AUTORES DE CRIMES DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS EM CURITIBA NO ANO DE 2020

FONTE: As autoras (2021).

 

Dos dados informados nos BOU sobre o grau de instrução dos autores, verifica-se que a escolaridade mais presente é “2° grau completo”, com 23 indivíduos (25,84%), seguido de “1° grau incompleto”, com 13 indivíduos (14,61%), e “3° grau completo” e “2° grau incompleto”, ambas com 9 indivíduos cada (10,11%). Isso mostra como os maus-tratos aos animais estão disseminados na sociedade em todos os graus de instrução e também de renda, visto que esses fatores estão direta e proporcionalmente relacionados. (BOLETIM REGIONAL, 2019).

Ao analisar os dados sobre os autores que cometeram outras infrações além dos maus-tratos aos animais (GRÁFICO 7), constata-se que 26 indivíduos (29,21%) têm antecedentes criminais, o que representa, aproximadamente, um terço do total de autores. Nassaro (2013) constatou resultados semelhantes em seus estudos, no qual 32% do total de pessoas autuadas por maus-tratos aos animais também apresentavam registro de outras infrações.

 

GRÁFICO 7 – AUTORES DE CRIMES DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS EM CURITIBA NO ANO DE 2020 QUE COMETERAM OUTRAS INFRAÇÕES

FONTE: As autoras (2021).

 

O GRÁFICO 8 mostra a quantidade de infrações que constam nos antecedentes desses 26 autores — a maioria deles (69,23%) tem apenas um único delito em sua ficha criminal, ou seja, não são infratores contumazes.

 

GRÁFICO 8 – QUANTIDADE DE OUTRAS INFRAÇÕES COMETIDAS PELOS AUTORES DE CRIMES DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS EM CURITIBA NO ANO DE 2020

FONTE: As autoras (2021).

Quanto à natureza das infrações, o GRÁFICO 9 exibe a quantidade e modalidade de delitos cometidos. Ao todo, 43 crimes e contravenções penais foram detectados, os quais foram divididos em 15 categorias.

Perturbação ao sossego/tranquilidade (7 ocorrências), ameaça (6 ocorrências) e crimes de trânsito — dirigir embriagado ou com a carteira suspensa (6 ocorrências) foram as naturezas que mais apareceram. Além disso, 3 crimes de maus-tratos aos animais foram constatados entre os antecedentes, o que indica reincidência nesse delito.

 

GRÁFICO 9 – ANTECEDENTES DOS AUTORES DE CRIMES DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS EM CURITIBA NO ANO DE 2020

FONTE: As autoras (2021).

 

Para melhor análise dos dados, essas infrações foram divididas em crimes violentos contra a pessoa, os quais incluem violência doméstica, lesão corporal, ameaça, estupro e homicídio, e crimes não violentos, que abrangem os outros delitos registrados (GRÁFICO 10).

Somente 15 das 43 infrações antecedentes dos autores de maus-tratos aos animais, o que representa 34,88% do total, foram crimes de violência contra pessoas. Além disso, esses delitos foram praticados por 10 autores, o que representa 38,46% dos autores com antecedentes, mas apenas 11,24% do total de infratores analisados neste estudo.

Nassaro (2013) encontrou um número maior de crimes violentos nos antecedentes dos autores de maus-tratos — cerca de 50% do total das infrações.

 

GRÁFICO 10 – CRIMES VIOLENTOS E NÃO VIOLENTOS NOS ANTECEDENTES DOS AUTORES DE CRIMES DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS EM CURITIBA NO ANO DE 2020

FONTE: As autoras (2021).

 

Segundo a Teoria do Link, a violência contra pessoas seria uma das consequências de sofrer ou presenciar agressões contra familiares ou animais durante a infância e que esse comportamento é aprendido e reproduzido na vida adulta. Por conta disso, o ciclo precisa ser rompido para que a violência acabe. (NASSARO, 2016; LEAL; REIS, 2017; DANESI; GROSS JUNIOR, 2020).

Por meio deste estudo pode-se concluir que uma pequena parcela dos crimes de maus-tratos aos animais em Curitiba estão relacionados à Teoria do Link. Como visto, a maior parte dos crimes praticados contra os seres não humanos trata-se de abuso, maus-tratos e omissão de cautela na guarda, com negligência nos cuidados básicos que os animais necessitam, como alimentação, ambiente onde vivem e a maneira como são mantidos na residência.

Ao mesmo tempo que parte da sociedade está mudando a forma como enxerga e trata os animais, uma parcela da população continua a apresentar comportamentos retrógrados e a desferir tratamento inadequado a esses seres, por conta de fatores culturais e pelo próprio desconhecimento de como os animais merecem — e devem — ser tratados.

A mudança realizada pela Lei Sansão no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais, que tornou as penas mais severas para quem comete maus-tratos contra cães e gatos, foi um grande avanço para aumentar a repressão às infrações cometidas contra os seres não humanos.

Além disso, o aumento no número de denúncias de casos de maus-tratos — um reflexo da maior atuação da Polícia Civil, é também um indicativo de que as pessoas estão menos tolerantes a condutas incompatíveis com o tratamento que deve ser aplicado aos animais.

Para promover a ressocialização dos autores de maus-tratos aos animais e diminuir a reincidência desse crime, além das penas de detenção e multa, no caso dos crimes de maus-tratos em que cabe termo circunstanciado de infração penal, e reclusão, multa e proibição de guarda, nos casos de maus-tratos contra cães e gatos, uma alternativa seria implementar medidas educativas e de Justiça Restaurativa, como cursos e programas sobre cuidados com os animais.

Projetos educativos também podem ser aplicados como forma de prevenção, a exemplo de programas desenvolvidos em escolas com o objetivo de ensinar as gerações mais jovens e estimular que elas repassem o conhecimento adquirido para seus pais e avós, visto que idades mais avançadas são as que mais cometem maus-tratos, conforme os dados obtidos nesta pesquisa.

Ademais, esses projetos também devem reforçar a importância da castração, pois controlar a reprodução dos animais é uma forma de evitar que filhotes indesejados sejam mantidos em condições precárias ou acabem abandonados nas ruas. O incentivo à adoção responsável também é uma estratégia para resgatar animais e inseri-los em lares adequados.

Por fim, é essencial destacar a importância de ações que apoiam a causa animal e que são compartilhadas por meio das redes sociais e demais mídias, as quais ajudam a disseminar informações relevantes sobre como esses seres precisam ser tratados. Com a sociedade cada vez mais conectada, surge a oportunidade de criar uma grande rede de conscientização aos bons-tratos aos animais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre os resultados obtidos por meio deste estudo constatou-se que as denúncias de maus-tratos aos animais em Curitiba cresceram nos últimos 2 anos, assim como a atuação da Polícia Civil na repressão desses delitos. A maioria dos casos envolve situações de negligência, especialmente no que tange a alimentação e condições em que o animal é mantido preso, muito relacionado à cultura e desconhecimento das pessoas quanto à forma correta de tratar os animais. Esse é um retrato distinto do autor americano de maus-tratos, marcado pelo sadismo e crueldade contra seres não humanos.

O perfil dos autores de maus-tratos aos animais em Curitiba tem maior prevalência de indivíduos do sexo masculino, na faixa etária entre 46 e 60 anos e 2° grau completo, embora o crime apresente distribuição entre todos os graus de instrução. Aproximadamente um terço dos autores de maus-tratos têm antecedentes criminais e somente 11,24% deles cometeram crimes violentos contra pessoas. Assim, a Teoria do Link não predomina entre os autores curitibanos de maus-tratos aos animais.

Em razão da natureza das infrações praticadas estarem mais relacionadas a ações e omissões nos cuidados aos animais, o que envolve questões culturais e educativas, a atenção precisa ser voltada para medidas que prezam pela conscientização dos infratores. Além disso, projetos de prevenção que incentivem as pessoas a conceder um tratamento digno aos animais, compatível com a condição reconhecida de seres sencientes, são fundamentais para diminuir a incidência desses crimes.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos à Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente e ao Delegado Matheus Araújo Laiola pelo acesso aos dados da instituição, à Escrivã Adriana Emed Kauano pelo auxílio na pesquisa e acesso aos sistemas, ao Investigador Dr. Vladimir Luís de Oliveira e à Escola Superior de Polícia Civil por disponibilizar os dados do BI.

 

REFERÊNCIAS

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1 Escrivã da Polícia Civil do Estado do Paraná. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (2002). Aluna do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais de Polícia Judiciária da Escola Superior de Polícia Civil do Estado do Paraná (2021). E-mail: esc.kicavasini@pc.pr.gov.br

2 Escrivã da Polícia Civil do Estado do Paraná. Bacharel em Medicina Veterinária pela Faculdade Evangélica do Paraná — FEPAR (2012) e Licenciada em Ciências Religiosas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná — PUCPR (2000). Aluna do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais de Polícia Judiciária da Escola Superior de Polícia Civil do Estado do Paraná (2021). E-mail: esc.mgotin@pc.pr.gov.br

3 Escrivã da Polícia Civil do Estado do Paraná. Bacharel em Farmácia pela Universidade Federal do Paraná — UFPR (2017). Aluna do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais de Polícia Judiciária da Escola Superior de Polícia Civil do Estado do Paraná (2021). E-mail: esc.vaoliveira@pc.pr.gov.br

4 Médico Veterinário -UFPR, Perito Criminal da Polícia Cientifica do Estado do Paraná, Mestre em Ciências Veterinárias -UFPR, Professor da ESPC-PR, Universidade Tuiuti e Fac. Evangélica. E-mail: prof.ricardomaia@gmail.com