ANÁLISE DOS FATORES DESENCADEADORES DO SUICÍDIO POLICIAL E DO ACOLHIMENTO PSICOLÓGICO INSTITUCIONAL DA POLÍCIA CIVIL DO PARANÁ

 

GUERRA PINTO, Ísis.1

PLISKEVISKI GONÇALVES, Mattheus.2

ANTONIAZZI RODRIGUES ROSA, Rômulo.3

DAGOSTIN, Ana Paula.4

 

Resumo

As manifestações suicidas advindas do universo policial estão cada vez mais assíduas. A veiculação de notícias sobre a morte de policiais em decorrência do suicídio é recorrente e as medidas preventivas por parte das instituições ainda é escassa. A prática do suicídio é multifatorial que resulta de uma interação de fatores biológicos, psicológicos, genéticos, sociais, culturais e ambientais. O combate ao suicídio relacionado ao ambiente de trabalho pressupõe conhecimento sobre suas causas. O propósito do presente trabalho é, portanto, mediante revisão bibliográfica e documental, analisar quais fatores desencadeiam, e são gatilhos, para a prática suicida no âmbito policial, avaliar quais as medidas preventivas utilizadas pelo Estado do Paraná, no que concerne ao cuidado e atenção à saúde psicológica dos policiais civis, bem como, por meio de uma pesquisa quantitativa, analisar os índices de suicídios praticados por esses indivíduos. A pesquisa tem como escopo geral conhecer a realidade moderna e assustadora da rotina dos policiais, de modo que seja possível traçar medidas de enfrentamento ao “novo inimigo” da Segurança Pública e, consequentemente, proteger a vida dos servidores em análise.

Palavras-chave: Suicídio policial; Burnout; Estresse ocupacional; Ethos do Guerreiro.

 

Abstract

Suicidal manifestations coming from the police universe are increasingly assiduous. News about the death of police officers due to suicide is recurrent and preventive measures by the institutions are still scarce. Suicide is a multifactorial practice that results from an interaction of biological, psychological, genetic, social, cultural, and environmental factors. Combating suicide related to the work environment presupposes knowledge about its causes. The purpose of this paper is, therefore, by means of a bibliographic and documental review, to analyze which factors trigger and are triggers for suicide in the police environment, to evaluate which preventive measures are used by the State of Paraná regarding the care and attention to the psychological health of civilian policemen, as well as, by means of a quantitative research, to analyze the rates of suicides committed by these individuals. The general scope of the research is to understand the modern and frightening reality of the police officers' routine, so that it is possible to outline measures to face the "new enemy" of Public Security and, consequently, to protect the lives of the servants under analysis.

Keywords: Police suicide; Burnout; Occupational stress; Warrior Ethos.

 

 

INTRODUÇÃO:

O aumento da violência tem sido um assunto recorrente nos veículos midiáticos, tendo em vista ser uma matéria de ordem pública, que afeta a população em todos os segmentos e atrai o interesse dos gestores, estudantes e legisladores.

Como destaca Foureaux (2019), o Brasil concentra 11% dos homicídios do planeta, de forma que se classifica como um dos países mais violentos do mundo. O autor afirma, com base em dados extraídos do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (2018) que no ano de 2017 o Brasil registrou mais de 60.000 (sessenta mil) mortes violentas intencionais, que significa que no país ocorrem 30,8 mortes a cada 100 mil habitantes.

A Constituição Federal prevê, de forma expressa, a responsabilidade do Estado no tocante à segurança pública e, dentre os órgãos previstos nesse rol, temos a Polícia Civil que, de forma genérica, é uma instituição vista pela sociedade como garantidora da harmonia social, segurança e ordem pública.

Ocorre que, embora a instituição tenha um papel constitucional relevante no combate à desordem, seus integrantes merecem uma especial atenção, tendo em vista que também são expostos a variadas formas de violência. Nesse trabalho, portanto, abordaremos a violência psicológica que, apesar do seu crescimento exacerbado dentro do universo policial, ainda é um tema pouco estudado e discutido no meio acadêmico.

O trabalho tem como objetivo trazer a baila os possíveis fatores de risco inerentes ao trabalho do policial e que, conforme entendimento dos profissionais da área psicológica, são fortes induzidores da prática suicida. Para fundamentar a pesquisa, serão disponibilizadas as estatísticas referentes aos suicídios praticados pelos integrantes da Policia Civil do Paraná.

Por fim, será feita uma exposição das medidas preventivas utilizadas pelo Estado do Paraná, no que concerne ao cuidado e atenção à saúde psicológica dos policiais civis, bem como uma análise da sua efetividade e eficácia.

 

1 SUICÍDIO

A palavra suicídio, criada por Desfontaines em 1737 tem origem no latim: sui (si mesmo) e cæderes (ação de matar). Para Vieira (2008, p.40-41) o suicídio implica no desejo consciente de ter sua vida encerrada e a noção esclarecida de que os atos praticados poderão, de fato, levar o praticante ao resultado morte. O referido autor ressalta que, embora haja consciência na conduta, não há exclusão da possibilidade de existência de confusão mental vivenciada pelo indivíduo.

A Organização Mundial da Saúde (2018), por meio de uma folha informativa, alegou que o suicídio, entre os jovens com idade entre 15 e 29 anos, é a segunda principal causa de morte. Destacou, inclusive, que o número de mortes por suicídio, no geral, está por volta de 800.000 (oitocentas mil) pessoas por ano e que o número das pessoas que tentam (sem êxito) é ainda maior do que o número supracitado. O relatório preconizou ainda que, embora seja um problema de saúde grave, podem ser evitados, desde que exista um trabalho intervencionista em tempo oportuno.

Ainda no que concerne ao conceito do suicídio a Organização Mundial da Saúde (2000, p.8) enfatiza que:

[...]O suicídio não deve ser mostrado como inexplicável ou de uma maneira simplista. Ele nunca é o resultado de um evento ou fator único. Normalmente sua causa é uma interação complexa de vários fatores, como transtornos mentais e doenças físicas, abuso de substâncias, problemas familiares, conflitos interpessoais e situações de vida estressantes. O reconhecimento de que uma variedade de fatores contribuem para o suicídio pode ser útil.

 

Pode-se perceber que o suicídio é um ato que demanda uma análise criteriosa, uma vez que pode derivar de inúmeros fatores, sejam eles psiquiátricos ou sociais, conforme será exposto adiante.

 

1.1 – Teorias explicativas do suicídio

A Teoria Psiquiátrica foi, segundo Corrêa e Barrero (2006) a primeira teoria a tentar explicar o suicídio e surgiu no princípio do século XIX, iniciada por Pinel e seu pupilo Esquirol. Essa teoria aduz que a prática suicida advém de patologias psíquicas. Corroborando com essa afirmação Vega-Piñero, Blasco-Fontecilla, Baca-Garcia e Diaz-Sastre (2002) aduzem que os indivíduos que praticam suicídio possuem transtornos mentais, ou seja, possuem um comportamento anormal.

No final do século XIX, surgiu a Teoria Sociológica, encampada por Émile Durkheim, autor conceituado, considerado o pai da Sociologia. Para o renomado sociólogo francês, o suicídio é analisado, conforme preconizado em sua obra Le suicide(1887. p. 14), como sendo um fato social e não um fato psicológico individual:

[...] Assim, se, em vez de vermos neles [nos suicídios] apenas acontecimentos particulares, isolados uns dos outros e que necessitam cada um por si de um exame particular, considerarmos o conjunto dos suicídios cometidos numa sociedade dada durante uma unidade de tempo dada, constatamos que o total assim obtido não é uma simples soma de unidades independentes, um todo de coleção, mas que constitui em si um fato novo e sui generis, que possui a sua unidade e a sua individualidade, a sua natureza própria por conseguinte, e que, além disso, tal natureza é eminentemente social.

 

Conclui-se, portanto, que para a Teoria Sociológica o meio social é o verdadeiro influenciador do comportamento suicida.

 

1.2 – Tipos de suicídio

Para Solomon (2014, p.233-234) divide o suicídio em quatro grupos:

[...]O primeiro[grupo] comete suicídio sem pensar no que está fazendo;é tão horrível e inevitável para ele quanto respirar.[...]seus suicídios tendem a ser repentinos.[...]O segundo grupo,meio apaixonado pela morte consoladora, comete suicídio como vingança, como se o ato não fosse irreversível.[...]O terceiro grupo comete suicídio por uma lógica falha,em que a morte parece ser a única fuga de problemas intoleráveis.[...]O último grupo comete suicídio com uma lógica racional.Tais pessoas– devido a uma doença física,instabilidade mental ou uma mudança nas circunstâncias de vida –não querem a dor da vida e acreditam que o prazer que elas podem vir a sentir não é suficiente para compensar a dor.

 

Por outro lado, o sociólogo Durkheim (2000) divide o suicídio em três categorias: altruísta, egoísta e anômico. Altruísta é o suicídio praticado em razão do excesso de pertencimento ao meio social. Ou seja, o indivíduo é capaz de anular sua própria vida em prol das ideologias e princípios defendidos pelo meio em que vive.

De forma oposta, o suicídio egoísta é ocasionado pela baixa integração social, ou seja, o indivíduo vivencia a sensação de não pertencimento o que faz com que ele se afaste e perpetue uma individualização desmedida.

Por fim, o anômico é aquele suicídio advindo da quebra da ordem social, ou seja, quando o Estado encontra-se em estado de anomia (ausência de relação entre o individuo e a sociedade). Pode ocorrer em situações de discrepâncias econômicas no meio social, alienação cultural e desordem nas regras que regem os indivíduos (conflitos políticos).

 

2 PRINCIPAIS FATORES LIGADOS À ROTINA POLICIAL DESENCADEADORES DO SUICÍDIO

No Brasil, os índices de suicídio são bem instáveis e isso se deve, conforme destaca Miranda e Guimarães (2016), à carência nos processos metodológicos. Os pesquisadores encontram obstáculos para coletar dados com as instituições policiais que, em regra, são resistentes em disponibilizar informações, corroborando com a dificuldade da produção de conhecimento científico.

No entanto, embora com escassez de dados, é possível delinear quatro fatores preponderantes e possíveis desencadeadores do suicídio policial, quais sejam: estresse ocupacional e Síndrome de Burnout, Síndrome do “Ethos do Guerreiro”, Transtorno de Estresse Pós-Trauma (TEPT) e fatores organizacionais.

 

2.1 Estresse ocupacional e a Síndrome de Burnout

O conceito de estresse foi primordialmente definido por Selye (1959) como sendo o desgaste físico e mental causado pelo processo de ter que lidar com estímulos externos advindos de qualquer exigência.

No universo policial o estresse está relacionado às peculiaridades intrínsecas da função, já que a atividade exercida pelo policial está intimamente ligada à criminalidade e violência. Ocorre que, além da tensão inerente à profissão, o policial civil, no Brasil, é obrigado a suportar tensões que não possuem relação natural com o exercício de suas atribuições, ou seja, não existe um liame coeso entre o cargo e a razão do estresse, haja vista que são situações que decorrem da omissão, da desídia dos Estados e seus respectivos gestores.

Exemplo disso é a obrigação que o policial civil tem de lidar, diariamente, com a sobrecarga de trabalho decorrente da carência no efetivo da instituição, ou seja, na falta de servidores para atender a demanda da população, o policial civil acaba exercendo sua função numa intensidade muito maior do que a carga horária previamente estipulada de forma legal. A falta de efetivo é, inclusive, um “vírus” que tem acometido todas as polícias do país.

Ainda nesse diapasão, é possível visualizar outro fator que estimula o aparecimento de estresse crônico no policial, que é a precariedade nas condições de trabalho. Em razão da restrição de recursos orçamentários, muitos profissionais são obrigados a trabalhar com equipamentos obsoletos ou, quando decidem não delegar sua segurança ao Estado, acabam suprindo essa falta de instrumentos financiando seu próprio material de trabalho.

Com salários considerados baixos, para uma profissão que exige comportamentos peculiares e esforço significativo, muitos policiais, segundo discutem Assis (1999) e Minayo, Souza e Constantino (2007) acabam prestando serviços “extras” em seus horários de descanso, que já são escassos, com o intuito de auferir uma renda maior. Corroborando com esse fato, Musumeci (1998) demonstra que a atividade paralela, conhecida popularmente como “bico” não é algo alheio às Polícias Militares e Polícias Civis no Brasil.

Ainda no que concerne ao estresse é importante ressaltar que a Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), considera que a atividade policial é uma das mais estressantes da atualidade, ficando atrás apenas dos trabalhadores de minas subterrâneas e controladores de vôos.

Embora estejam intimamente interligados, o estresse ocupacional e a Síndrome de Burnout não devem ser considerados como sinônimos. O estresse ocupacional, segundo Rabin, Feldman e Kaplan (1999) pode ser considerado como um fator que desencadeia a referida síndrome que, por sua vez, é o resultado de um longo processo de convivência com estresse desmedido.

A Síndrome de Burnout apresenta-se como um dos grandes problemas psicossociais presentes na vida laboral dos policiais civis, estando, segundo estudos realizados por equipe da OMS (Akerstedt, 2004; Weber, Jaekel-Reinhard, 2000), entre as principais doenças mundiais da atualidade.

Esta síndrome está intimamente relacionada à excessiva carga de trabalho, estresse, esgotamento físico e psíquico e normalmente acomete indivíduos mais proativos provocarem uma responsabilidade alheia, tornando, portanto, sua jornada de trabalho mais extensa, na tentativa de solucionar o maior número de problemas existentes na sua unidade de trabalho.

O Ministério da Saúde (2002, p. 191) define a síndrome de burnout como:

“A sensação de estar acabado, ou Síndrome do Esgotamento Profissional, é um tipo de resposta prolongada a estressores emocionais e interpessoais crônicos no trabalho. Tem sido descrita como resultante de uma vivência profissional em um contexto de relações sociais complexas, envolvendo a representação que a pessoa tem de si e dos outros. O trabalhador, que antes era muito envolvido afetivamente com seus clientes, com seus pacientes ou com seu trabalho em si, desgasta-se e, em um dado momento, desiste, perde a energia ou se "queima" completamente. O trabalhador perde o sentido de sua relação com o trabalho, desinteressa-se e qualquer esforço lhe parece inútil.”

 

Os principais fatores multidimensionais da síndrome são, conforme Ferenhof (2002), exaustão emocional (dimensão considerada o traço inicial do Burnout), caracterizada, de acordo com Catsicaris, Eymann, Cacchiarelli e Usandivaras (2007) pela presença de esgotamento físico e mental, bem como pela ausência de entusiasmo; distanciamento afetivo/despersonalização (sinal típico da síndrome), tem como característica a manifestação de sentimentos negativos e cinismo em relação às pessoas com quem trabalha; baixa realização profissional, caracterizada pela desvalorização pessoal de um modo geral, ou seja, tendência a avaliar negativamente a capacidade de trabalho.

Os impactos negativos da Síndrome de Burnout estão associados à diminuição da satisfação do servidor, à perda de empatia, à diminuição da produtividade e à desistência da profissão, conforme preconiza Maslach e Leiter (199, p. 239):

[...] os indivíduos que estão neste processo de desgaste estão sujeitos a largar o emprego, tanto psicológica quanto fisicamente. Eles investem menos tempo e energia no trabalho, fazendo somente o que é absolutamente necessário e faltam com mais freqüência. Além de trabalharem menos, não trabalham tão bem. Trabalho de alta qualidade requer tempo e esforço, compromisso e criatividade, mas o indivíduo desgastado já não está disposto a oferecer isso espontaneamente. A queda na qualidade e na quantidade de trabalho produzido é o resultado profissional do desgaste.

 

Além disso, pode condicionar repercussões sociofamiliares, abuso de substâncias psicoativas, depressão, além de estar fortemente relacionada ideação suicida.

Dessa forma, é extremamente salutar a identificação precoce de situações estressoras para minimizar o risco de adoecimento, além da adoção de medidas interventivas ou preventivas, como atividades de educação permanente, melhor utilização das tecnologias do processo de trabalho, melhoria das condições do ambiente de labor, gestão dos processos de trabalho e pesquisa de outras realidades de serviço para torná-los menos desgastantes.

A gestão de pessoas, nesse cenário, é imprescindível. A unidade policial necessita de planejamento estratégico na distribuição das tarefas, traçado por um líder que promova a cooperação entre os servidores e não a competição. O diálogo é, também, uma característica inerente a uma gestão de qualidade. O policial precisa encontrar um caminho de fácil acesso aos seus superiores, de tal forma que tenha liberdade para expor dificuldades, frustrações e, consequentemente, corrigi-las antes que se transformem em gatilhos de problemas emocionais.

Essas intervenções, além de melhorarem a qualidade de vida dos servidores, podem evitar o afastamento do trabalho por licença para tratamento da saúde.

 

2.2 Síndrome do “Ethos do Guerreiro”

A palavra ethos é de origem grega e não há consenso, nem objetividade sobre o seu significado. Para Boff (2009, p.30), a palavra ethos pode ter dois significados a depender da inicial utilizada. Se utilizada o “e” minúsculo, significa a morada, o abrigo. Se escrita com “E” maiúsculo, a palavra significa o conjunto de valores, costumes de um determinado povo.

O ethos do guerreiro, na perspectiva desse trabalho, está sendo considerado, portanto, como o conjunto de valores, hábitos, convicções, costumes, que fazem parte da natureza da instituição e que influencia diretamente no comportamento dos seus integrantes e em como eles são vistos perante a sociedade.

O papel da polícia é manter a ordem pública. Atrelado a isso está a relação direta com a criminalidade e a consequente legitimação para, em casos previstos em lei, fazer o uso da força. Ou seja, a polícia é vista pela sociedade como sendo a instituição que deve assegurar, em razão de sua autoridade e atribuição principal, a harmonia social. Corroborando com esse entendimento, preceitua Bittner (2003, p. 132):

[...] a intervenção policial significa, acima de tudo, fazer uso da capacidade e da autoridade para superar a resistência a uma solução tentada no habitat nativo do problema. Não pode haver dúvidas de que essa característica do trabalho policial é a que está mais presente não só na cabeça das pessoas que solicitam a ajuda da polícia, ou que chamam a atenção da polícia para seus problemas, como também as pessoas contra as quais a polícia atua tenham essa característica em mente e ajam de acordo com ela; e, também, que toda intervenção policial concebível projete a mensagem de a força poder ser (e poder ter de ser) utilizada para se alcançar o objetivo desejado (2003, 132). (Grifo nosso)

 

Ocorre que, embora a manutenção da ordem pública seja um atributo intrínseco da profissão, não significa que a polícia deva carregar o fardo de todos os problemas sociais desencadeadores da desordem. Dessa forma, Reiner (2004, p.168-9) entende que “a tarefa da polícia é a da manutenção emergencial da ordem, não a criação de suas pré-condições.”

Em um trabalho realizado pela Ouvidoria da Polícia Civil de São Paulo, numa análise crítica sobre o suicídio policial, a Síndrome do Ethos do Guerreiro é considerada um dos fatores que levam o policial civil a cometer suicídio, em razão da imagem que a sociedade possui dele, corroborada pela estigmatização construída pela própria instituição de que o policial deve ser um indivíduo preparado para solucionar o problema do outro, ser extremamente forte, másculo, insuscetível de sentir dor ou fraqueza (2019, p.46):

[...]Credita-se à própria formação de um policial a imagem forte e constante da estabilidade física e emocional, fazendo com que os componentes dessas instituições sejam inoxidáveis à ação do tempo e das fragilidades de um profissional dito comum.

Nesse sentido, França (2016, p. 218) fala sobre “o ideal de virilidade nas polícias e destaca que a cultura de que, para se ter uma vida de homem, é imprescindível a prontidão para guerrear, utilizar armas e lutar com afinco”. No universo feminino, para legitimar e perpetuar o ethos guerreiro, a policial é induzida a reproduzir posturas masculinizadas para serem, de fato, consideradas “policiais de verdade”, com posturas corporais que corroborem com essa imagem de força e ausência de vulnerabilidade. (IBIDEM, 2016, p. 223)

Em face do que foi exposto, entende-se que o ethos do guerreiro pode ser considerado um fator desencadeador de problemas psicológicos no policial. A sensação de heroísmo, construída no seu íntimo, colabora para que esse indivíduo não consiga exteriorizar suas vulnerabilidades, comuns ao ser humano, e acumule frustrações, medos, angústias.

O medo de ser visto pelo seu lado humano, com viés de fraqueza e fragilidade, impede o policial de procurar apoio emocional, necessário para lidar com a pressão que vem atrelada ao cargo, desde o momento da posse.

 

2.3 Transtorno de Estresse Pós Trauma – TEPT

O Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT) é definido (American Psychiatric Association, 1994) como sendo um conjunto de sintomas físicos, emocionais e mentais, advindos de algum evento traumático violento, que o indivíduo tenha vivenciado como vítima ou testemunha.

O TEPT é o principal transtorno associado aos acidentes e violências. Nesse sentido, Figueira e Mendlowicz (2003, p.12-13) trazem as características básicas dessa desordem psicológica:

[...] São duas as características centrais do TEPT: o evento traumático – a exposição a um evento que envolva a ocorrência ou a ameaça consistente de morte ou ferimentos graves para si ou para outros, associada a uma resposta intensa de medo, desamparo, ou horror; e a tríade psicopatológica – em resposta a este evento traumático, desenvolvem-se três dimensões de sintomas: o re-experimentar do evento traumático, a evitação de estímulos a ele associados e a presença persistente de sintomas de hiperestimulação autonômica.

 

A tríade psicopatológica, característica do TEPT, desencadeia três dimensões, como preconiza Figueira e Mendlowicz (2003). O re-experimentar do evento traumático é a revivescência desse, ou seja, o indivíduo passa a reviver o trauma através de pesadelos, pensamentos, flashbacks. A evitação de estímulos associados ao trauma é uma tentativa desenfreada de se esquivar do evento traumático, ou seja, o indivíduo cria estratégias emocionais que evitam qualquer contato que o faça relembrar o que ocorreu. Por fim, a hiperestimulação autonômica diz respeito ao permanente estado de alerta e vigilância que o indivíduo vivencia, o que pode ocasionar irritabilidade, insônia e sobressalto excessivo.

Definido, portanto, o que é o Transtorno de Estresse Pós Traumático, é possível visualizar que, em razão do contato direto com a violência (característica inerente à profissão), os policiais estão extremamente suscetíveis a entrarem nesse processo de desordem psicológica.

O policial civil trabalha diariamente com a investigação de mortes, lesões corporais, violência sexual, entre outras situações de extremo impacto. Ou seja, é muito comum que o policial conviva diretamente com atrocidades decorrentes da violência. Além disso, estão fadados a lidar com a perda dos seus colegas de profissão, seja em combate ou até mesmo em razão da prática do suicídio.

Corroborando com o entendimento acima demonstrado, destaca Miranda e Guimarães (2016, p.23):

[...] As teorias baseadas nas atividades de rotina, que são usadas, frequentemente, para explicar a vitimização por crimes, também podem ser usadas para explicar a prevalência da Transtorno de Estresse Pós-Trauma (TEPT). Há ocupações cujo cotidiano implica na exposição a situações de risco de violência, a um alto grau de estresse, e ao risco de convivência com mortes violentas, seja de parentes, de colegas, de inimigos, ou de terceiros. Essa é a explicação para a alta prevalência da TEPT na ocupação policial. A TEPT é um fator de risco para o suicídio.

 

Diante do que foi exposto, é possível concluir que o TEPT é um problema que afeta a qualidade de vida do policial e, a depender do grau, pode ser considerada um fator de risco para a prática do suicídio.

 

2.4 Fatores organizacionais

Os policiais, além das causas que levam qualquer pessoa ao suicídio, enfrentam fatores organizacionais, peculiares ao cargo, que prejudicam com mais intensidade a saúde mental dos indivíduos, conforme diz Santos (2007). Nesse sentido, cabe destacar alguns aspectos relevantes, diretamente ligados a estrutura organizacional da instituição, que podem ser considerados como gatilhos para a prática do suicídio.

Sobrecarga de trabalho, definida por Levi, Frankenhauser e Gardell (1986) como sendo muitas tarefas ou tempo dedicado ao trabalho em um determinado período que leva o indivíduo a um desgaste muito intenso é o primeiro fator a ser ponderado no presente estudo.

É de conhecimento notório que os servidores trabalham mais do que a carga semanal legalmente e previamente regulamentada. Isso ocorre devido à falta de efetivo em relação à quantidade de ocorrências ou atividades cartorárias a serem feitas. Dessa forma, nas delegacias de polícia acumulam-se procedimentos a serem realizados (procedimentos que exigem cumprimento em determinados prazos legais, sob pena de responsabilidade administrativa e criminal).

Esse tipo de ambiente sobrecarregado é um cenário propício para gerar tensão e ansiedade ao servidor, que, na intenção de atender a demanda da população, acaba exercendo sua atividade laboral numa carga horária superior ao que prevê a legislação. Essa violação ao repouso do servidor causa danos irreparáveis na sua saúde a médio/longo prazo.

Uma das consequências diretas, relacionadas ao repouso violado, é a propensão ao desenvolvimento de distúrbios do sono. O aumento da atuação do policial em turnos irregulares e excessivos provoca privações (parciais ou totais) ao sono que, conforme Suchecki e D ́almeida (2008), desencadeiam alterações metabólicas e cognitivas relevantes.

A insônia é um dos distúrbios mais comuns, decorrentes dessa oscilação nos horários de trabalho, que estimula os indivíduos ao uso excessivo de medicamentos psicotrópicos induzidores do sono, em especial os benzodiazepínicos, conforme demonstra Galdurózet al. (2005), cujo uso pelos brasileiros é de quase 4% da população. São os psicofármacos que não devem ser utilizados de forma indiscriminada, tendo em vista que, como destaca Tamburin (2017), podem potencializar o uso de outras substâncias e ocasionar dependência.

Relevante ponderar que, em decorrência do cansaço advindo da sobrecarga de trabalho, os policiais tendem a se distanciarem da prática de atividades físicas que, frise-se, também são atividades de lazer. Esse afastamento costuma ocorrer alguns anos após a entrada em exercício do cargo, quando o policial já se encontra desestimulado, apesar de muitos estudos demonstrarem sua imprescindibilidade para a saúde física e mental.

Corroborando com o apontamento acima exposto, Costa, et al. (2007) preconiza a importância da prática de exercícios regulares e suas consequências positivas do ponto de vista fisiológico e psicológico. O exercício físico corrobora com a melhora no humor, bem-estar, autoestima e, de maneira concomitante, reduz a ansiedade, depressão e estresse.

Num outro giro, tem-se o isolamento social como mais um fator organizacional relevante que, conforme estudos de Durkheim (2011, p. 258), “é um fator de risco para o suicídio”. Porto e Silva (2018, p. 205) descrevem com clareza o referido elemento a seguir:

[...] Isolamento social: a atividade policial exige do agente certo distanciamento emocional das ocorrências, para que consiga melhor racionalizar e decidir em situações de crise. No entanto, em decorrência dos treinamentos pelos quais passa e pelo desempenho profissional na atuação em situações extremas, o policial vai natural e inconscientemente incorporando isso à sua vida e personalidade, e essa despersonalização passa a integrar a vida do policial, o que acaba isolando o agente da força, que somente conseguirá se sentir parte do grupo policial.

 

Ainda no que concerne aos fatores organizacionais, temos a imagem negativa do policial, amplamente repercutida socialmente, como sendo um fator muito comum e que vem ganhando uma proporção assustadora na última década. O policial é alvo dos veículos midiáticos que, de forma corriqueira, tendem a reproduzir conteúdos de forma a contestar e, não raras vezes, depreciar a atividade das instituições de Segurança Pública.

Nesse sentido, Porto e Silva (2018, p. 206) prelecionam:

[...] Imagem pública negativa: a atividade policial é manifestação da força estatal de cunho majoritariamente repressivo, por isso as experiências de contato da sociedade com os policiais frequentemente se dão por uma vertente negativa. Assim, a polícia vai perdendo legitimidade e os policiais passam a ser ordinariamente hostilizados pela população. Em determinadas comunidades, os policiais são verdadeiramente tratados como inimigos, pois constituem a última barreira entre o cumprimento da lei e a consecução do ato delituoso pretendido pelos criminosos. Essa imagem negativa da polícia perante a sociedade é comumente reforçada pela mídia que enfatiza aspectos negativos da atuação policial.Diante desse quadro, os agentes públicos sentem-se à margem da sociedade a que servem, sendo constantemente comparados a criminosos pela população e pela mídia. Não conseguem, por isso, manter a saúde mental e nem se sentir integrantes da sociedade que buscam proteger. Tem-se, assim, outro fator de risco para o suicídio policial.

 

Por fim, tem-se a desvalorização remuneratória como um fator relevante nesse estudo, tendo em vista que o policial convive com a sensação de abandono por parte dos seus gestores, mesmo ofertando seu trabalho de forma incansável e contínua. Os policiais demonstram, em sua maioria, insatisfação com a ausência de reconhecimento.

Nesse contexto, é importante destacar, como forma de exemplificar o que foi exposto, que subsídio dos policiais civis no Paraná é inferior ao salário dos técnicos judiciários desse Estado, ainda que o cargo policial exija nível superior e o cargo técnico necessite apenas do ensino médio para ingresso na carreira.

Além da desvalorização monetária, evidencia-se falta de proporcionalidade entre valor recebido a título remuneratório e custo pessoal dispensado pelo trabalhador para desempenhar a função.

De forma a sintetizar todos os fatores já expostos, Sérgio Bonfanti (2009) aduz que o cansaço, estresse e o curto espaço de tempo no convívio familiar, bem como nas atividades de lazer, são as consequências com índices mais elevados no trabalho policial.

Diante do contexto apresentado do presente trabalho, conclui-se, portanto, que a sobrecarga de trabalho, isolamento social e baixa remuneração são fatores organizacionais possivelmente influenciadores de um comportamento suicida.

 

3 SUICÍDIOS PRATICADOS POR POLICIAIS CIVIS NO ESTADO DO PARANÁ DESDE 2014

As estatísticas oficiais, disponibilizadas pelo Setor de Psicologia da Polícia Civil do Paraná, tiveram seus registros iniciados no ano de 2014. Isso se deve ao fato de que o óbito decorrente de suicídio ainda é um dado difícil de ser coletado por diversos fatores já expostos em tópicos anteriores.

Tabela 1 – Índice de suicídios praticados por policiais civis do Estado do Paraná

CARGO

IDADE

ANO

INVESTIGADOR

38

2014

INVESTIGADOR

38

2017

ESCRIVÃ

34

2017

INVESTIGADOR

34

2018

INVESTIGADORA

35

2018

INVESTIGADOR

35

2018

INVESTIGADOR

44

2019

DELEGADO

40

2019

INVESTIGADOR

38

2020

ESCRIVÃO

44

2020

INVESTIGADOR

51

2021

Fonte: Setor de Psicologia da Polícia Civil do Estado do Paraná

 

Constatou-se com a pesquisa realizada que o índice relacionado aos suicídios praticados por policiais civis do Estado do Paraná, no período de 2014 até abril de 2021, é de predominância masculina. De acordo com os dados, 82% dos casos registrados foram praticados por homens.

No que concerne aos cargos, os dados demonstram que os indivíduos no exercício do cargo de investigador foram os que mais praticaram suicídios, totalizando 73 % dos casos. Em segundo lugar, o cargo de escrivão com 18 % e, em última posição, o cargo de Delegado com 9% do casos.

 

Gráfico 1 – Índice de suicídio por cargo


Fonte: Setor de Psicologia da Polícia Civil do Estado do Paraná

Ao analisar os dados da tabela 1 é possível concluir, também, que os maiores índices de faixa etária para a prática de suicídio são de 30 a 40 anos, totalizando 73% dos casos.

 

Gráfico 2 – Faixa etária de maior incidência


Fonte: Setor de Psicologia da Polícia Civil do Estado do Paraná

 

Fazendo um comparativo entre as mortes de policiais civis por suicídio e mortes em confronto (no serviço ou fora do serviço), com base nos dados fornecidos pelos Anuários Brasileiros de Segurança Pública, é possível constatar que, a partir de 2017, as mortes por suicídio tornaram-se superiores às mortes decorrentes de confrontos.

No ano de 2014, conforme dados da tabela 06 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2016, p.22), dois policiais civis foram mortos em confronto em serviço, enquanto apenas um policial foi a óbito em decorrência do suicídio.

No ano de 2015, conforme dados da tabela 06 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2017, p 22), dois policiais civis foram mortos em confronto em serviço. Não há nenhum registro oficial de suicídio para o ano de 2015.

No ano de 2016, conforme dados da tabela 06 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2018, p.20), não houve morte de policial civil em confronto. Da mesma forma, não há registro oficial de suicídio para o ano de 2016.

No ano de 2017, conforme dados da tabela 06 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2019, p.48), não houve morte de policial civil em confronto. Por outro lado, dois policiais civis praticaram suicídio.

No ano de 2018, conforme dados da tabela 24 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020, p. 72), três policiais civis foram mortos em confronto (dois em serviço e um força do serviço), empatando estatisticamente com as três mortes decorrentes de suicídio.

No ano de 2019, conforme dados da tabela 24 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020, p.72), não houve morte de policial civil em confronto. De forma oposta, foram registrados dois óbitos por suicídio.

 

Gráfico 3 – Comparativo entre mortes em confronto e mortes por suicídio


Fonte: Setor de Psicologia da Polícia Civil do Estado do Paraná

 

Conclui-se, portanto, com fundamentação nos dados estatísticos expostos, que de 15 mortes existentes no contexto suicídio “versus” confronto (período de 2014 a 2019), oito foram resultado da prática do suicídio, totalizando 53% dos casos.

Esses dados validam a importância e relevância do presente trabalho, uma vez que, diante de uma realidade onde o suicídio mata mais policiais do que os confrontos, se faz necessário um estudo minucioso dos fatores (intrínsecos ao âmbito da instituição) que induzem esses profissionais ao desequilíbrio emocional demasiado e, consequentemente, ao suicídio. O conhecimento acerca das possíveis causas desse fenômeno é, portanto, o primeiro passo para uma prevenção efetiva.

 

4 APOIO À SAÚDE MENTAL DO POLICIAL NO ESTADO DO PARANÁ

Medidas de combate ao suicídio tem se fortalecido há anos na sociedade civil, na medida em que a prática do suicídio é considerada uma morte evitável pela Organização Mundial de Saúde - WHO (2014).

É certo que os órgãos da Secretaria da Segurança Pública trabalhavam medidas de conscientização sobre a temática: cartilhas, palestras, informes sobre a possibilidade de atendimento especializado em unidades de saúde, o mês de combate ao suicídio. Além disso, criaram órgãos com a finalidade de coordenar projetos de qualidade de vida.

Faltavam, no entanto, medidas específicas em relação aos profissionais que trabalham em situações de muito estresse, como é o caso dos servidores da Segurança Pública. Tal ação, coordenada e executada a nível de Estado, começou a ser executada apenas recentemente.

O Governo do Estado do Paraná, por meio da Secretaria da Segurança Pública do Paraná (SESP), publicou, no dia 04 de dezembro de 2020, o Decreto 6.297 que Dispõe sobre Programa de Saúde Mental aos Profissionais da Segurança Pública do Estado do Paraná.

Os resultados esperados com as ações que serão desenvolvidas pelo programa são, conforme decreto supracitado (Curitiba, 2020), aumentar a qualidade de vida, produtividade e autoestima dos profissionais de Segurança Pública, diminuir a rotatividade, vitimização e absenteísmo causado por doenças ocupacionais e melhorar a qualidade de vida desses servidores.

O Programa de Saúde Mental aos Profissionais de Segurança Pública tem a Comissão de Gestão Integrada de Atenção à Saúde Mental dos Profissionais de Segurança Pública – CGIASM, os Centros de Atendimento Psicossocial – CAP e as Seções de Atendimento Psicossocial – SAP como grupos gestores.

Os grupos responsáveis pelo atendimento dos profissionais são os Centros de Atendimento Psicossocial e as Seções de Atendimento Psicossocial que, conforme prevê o Decreto de noº 6.297/20, atuarão de variadas formas. Ou seja, esses grupos prestarão serviços quando o servidor da área de Segurança Pública, por iniciativa própria, procurar ajuda, quando houver encaminhamento de profissionais da Saúde, quando for solicitado por chefia imediata, corregedoria, familiares ou indicação da própria equipe do CAP ou SAP.

A princípio, o programa atenderá policiais civis, militares e penais, além de bombeiros, peritos e familiares em 19 cidades do Estado. O projeto, batizado de “Prumos”, menciona que apenas nas duas primeiras semanas de projeto foram realizados mais de cem atendimentos. Além disso, cerca de dez novos servidores estão buscando atendimento todas as semanas. O atendimento psicossocial é realizado por psicólogos e assistentes sociais, e por vezes, o servidor é encaminhado ao atendimento psiquiátrico no Sistema de Assistência à Saúde (SAS) de forma complementar.

Devido à pandemia, ocasionada pelo COVID-19, também estão sendo feitos atendimentos por videochamada, como solução para que o atendimento não cesse e, também, consiga atender a demanda advinda dos servidores que moram distante de uma das vinte e duas seções de atendimento, as quais funcionam de segunda a sexta-feira. Importante ressaltar que o conteúdo do atendimento é sigiloso e apenas dados estatísticos podem ser publicizados.

Tais medidas estão diretamente ligadas às expectativas de modernização em relação à saúde de profissionais das áreas de maior risco de adoecimento funcional e suicídio, de forma a diminuir o custo social da perda humana e também o custo financeiro da perda de servidores públicos, indenizações e pensões.

Sabe-se que na cultura policial existe uma disseminação obsoleta, decorrente do estigma do policial “herói”, de que seus membros não devem demonstrar fraqueza, sob o argumento de que a imagem da instituição pode ser minimizada. Logo, o profissional da segurança tende a não buscar tratamento médico e assistência psicossocial, mesmo em momentos de grande angústia e sofrimento. Dessa forma, é imprescindível que o agente público tenha acesso facilitado e sigiloso ao atendimento.

No entanto, ressalta-se que medidas de enfrentamento ao suicídio e patologias mentais funcionais necessitam de esforços de diversos atores de áreas como Saúde, Poder Judiciário, Assistência Social e etc. Somente medidas conjuntas são capazes de gerar resultados positivos efetivos em problemas altamente complexos e multicausais da psique humana.

Conclui-se, portanto, que, além de medidas paliativas para o tratamento dos pacientes, é importante conhecer os fatores responsáveis ou estimulantes da prática suicida policial, para que, a partir desse conhecimento, seja possível traçar programas de apoio psicológico específicos que tenham efetividade.

Conforme exposto, o trabalho da Policia Civil do Paraná, no que concerne ao apoio psicológico oferecido aos policiais, é novidade no estado e, em razão disso, ainda é cedo para estimar os impactos do programa.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A dignidade da pessoa humana é um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico e, dentro desse contexto, diante do aumento significativo da prática de suicídio no meio policial, surge a necessidade de se fazer um estudo minucioso dos fatores que desencadeiam esse problema que é, nitidamente, contrário ao princípio supracitado.

O direito à vida é o direito mais fundamental de todos os outros que estão salvaguardados pela nossa Constituição Federal. Sem a vida, os outros direitos sequer existem. Nesse diapasão, conhecer os fatores que são induzidores do suicídio no âmbito policial é o primeiro passo para que o Estado possa traçar um plano preventivo, com um olhar mais cuidadoso para os profissionais da Segurança Pública que, incontestavelmente, estão adoecendo.

Alguns fatores expostos no presente trabalho estão interligados e tem relação diretamente proporcional com a desídia Estatal. Estresse ocupacional, Síndrome de Burnout e fatores organizacionais são consequências diretas de uma gestão que não prioriza a Polícia Civil. Em um ambiente de trabalho onde há um déficit alarmante no efetivo, o servidor trabalha de forma excessiva para suprir a demanda social, no anseio de atender a população e garantir a ordem pública, mesmo que o custo seja a sua saúde mental.

Além disso, não há uma contraprestação justa do Estado. O subsídio do Policial Civil do Paraná não é compatível com a realidade do seu trabalho, conhecido pela sua insalubridade e periculosidade. Desvalorização é um problema que apenas o Estado pode, e deveria sanar.

Num outro giro, a Síndrome do Ethos do Guerreiro é um fator que pode ser trabalhado dentro da própria instituição, iniciando na formação do policial civil, na Escola Superior de Polícia. É preciso trabalhar a sensibilidade e vulnerabilidade do servidor, de modo que a tristeza e frustração sejam vistas como sentimentos comuns a qualquer ser humano. Não se pode reforçar e perpetuar a ideia de que o policial civil, para ser bom, não pode exteriorizar suas angústias. Expor vulnerabilidade não é sinal de fraqueza e sim de coragem.

Ainda sobre a referida síndrome, é possível fazer um trabalho social de conscientização da população. O Estado precisa criar políticas públicas que desenvolvam um elo de amizade e confiança entre o cidadão e o policial, de modo que o “herói indestrutível” passe a ser visto pela sociedade como um herói que, como os demais, tem um ponto fraco que não pode ser negligenciado, sob pena de ter sua vida ceifada.

No que concerne ao Transtorno de Estresse Pós Trauma – TEPT é possível concluir, com base no que foi apresentado no referido tópico, que a própria instituição, representada pelos profissionais de saúde, deve intervir com psicoterapia logo após o evento traumático, para que o transtorno seja prevenido e não se desenvolva.

Dado o exposto, e com fulcro nos índices de suicídios praticados por Policiais Civis no Estado do Paraná apresentados no presente trabalho, é possível concluir que o suicídio mata mais do que o combate em serviço. Esses dados consolidam a problemática trazida por esta pesquisa, de que os fatores perturbadores da saúde mental dos policiais civis devem ser estudados com seriedade.

 

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1 Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Christus (UNICHRISTUS) e Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).

2 Tecnólogo em Gestão Financeira pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER).

3 Bacharel em Geologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

4 Orientadora.