Políticas públicas desenvolvidas pela Polícia Militar do Paraná voltadas à preservação da integridade física dos envolvidos em ocorrências

Cap. QOPM Wladimir Denkewski
Cap QOPM Valter Ribeiro da Silva
Cap. QOPM Alexandre Lopes Dias
Cap. QOPM Fábio César da Silva
Cap. QOPM Anderson Martins de Oliveira
Cap. QOPM Anderson Couto de Moraes
Cap. QOPM Juliano Zanuncini

POLICY BRIEF
O processo de redemocratização do Brasil passou por um movimento em busca da proteção dos direitos humanos, que refletiu em alterações legislativas, mas que não tiveram o mesmo efeito na mudança da cultura até então existente nos órgãos de segurança. A conscientização dos policiais, voltada para uma postura mais próxima do cidadão, atitude preventiva e foco na resolução pacífica dos conflitos deve necessariamente passar pela mudança cultural das organizações. No presente policy brief é realizado um estudo de caso sobre as boas práticas adotadas pela Polícia Militar do Paraná, entre os anos de 2015 a 2019, no sentido de desenvolver no seu efetivo a cultura de direitos humanos, a preocupação com a resolução pacífica de conflitos e o uso seletivo da força, visando preservar a integridade física das pessoas abordadas e dos policiais envolvidos no atendimento de ocorrências, a partir da seguinte estrutura:

  1. Problematização
  2. Fundamentação legal;
  3. A transição de um modelo repressivo para uma polícia cidadã;
  4. Análise das boas práticas desenvolvidas pela PMPR voltadas à preservação da integridade física;
  5. As políticas públicas adotadas e o efetivo policial
  6. Políticas públicas propostas;
  7. 7. Conclusão.

 

POLÍTICAS PÚBLICAS DESENVOLVIDAS PELA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ VOLTADAS À PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE FÍSICA DOS ENVOLVIDOS EM OCORRÊNCIAS

A segurança pública tem sido tema de destaque nas discussões sobre como o Estado deve executar a sua função de protetor das pessoas e do patrimônio e promotor dos direitos humanos (LOBO et al., 2017) em um sistema legal estruturado.

A mudança de uma postura repressiva, com foco na proteção do Estado, para uma polícia de proximidade, de atitude preventiva com ênfase na defesa dos cidadãos e dos interesses coletivos, passa pela transposição da barreira cultural existente nas corporações em razão do uso, até então recente, das polícias como braço armado do Estado em luta contra o “inimigo interno” (BALESTRERI, 2003,p. 23).

A partir dos anos 90, a Polícia Militar do Paraná (PMPR) passou a adotar a filosofia de polícia comunitária, buscando o relacionamento aproximado com a população, entendendo suas necessidades e aplicando seus esforços naquilo que a comunidade entende ser prioridade. Para tanto, passou a ministrar treinamentos constantes, objetivando incutir no efetivo uma cultura de promoção aos direitos humanos.

Nos últimos anos, a preocupação da Corporação está voltada para a resolução pacífica dos conflitos, o uso seletivo ou diferenciado da força e a melhoria da confiança da comunidade na sua polícia, com ações que conscientizem os militares estaduais sobre a necessidade de empregar técnicas de verbalização para a resolução de ocorrências, evitando o uso da força e melhorando a imagem da Polícia Militar.

PROBLEMATIZAÇÃO

Monjardet (2003) afirma que a polícia não detém o monopólio do uso da força, pois os cidadãos possuem autorização para usarem a força em situações específicas e contra pessoas determinadas. A diferença reside no fato de que a polícia detém o monopólio do uso da força em ‘relação a todos’, “com o objetivo de garantir ao poder o domínio (ou a regulação) do emprego da força nas relações sociais internas” (MONJARDET, 2003, p. 27).

No entanto, o que se questiona em relação ao emprego da força pelas polícias não é o seu uso para atender aos interesses coletivos, mas quando utilizada de maneira indiscriminada, no momento em que outros meios não lesivos aos direitos humanos poderiam ser empregados com eficácia. Assim, neste mesmo sentido Monjardet (2003) e Turner (2017) afirmam que a questão que fica é se vale a pena dar o monopólio da força à polícia para que ela atenda aos interesses da comunidade, quando no seu uso ela viola os mesmos interesses que jurou proteger.

Conforme afirma Balestreri (2003), diverso do que os opositores aos direitos humanos alegam, o respeito à integridade física pela polícia não é obstáculo para o combate ao crime, pelo contrário, legitima suas ações, melhora a imagem institucional e resulta em maior credibilidade. Como instituição democrática criada para reprimir as violações às liberdades e aos direitos, não pode tolerar tais abusos por parte de seus membros, devendo buscar o protagonismo na promoção dos direitos humanos (BALESTRERI, 2003).

Honório e Silva (2018) descrevem que há necessidade de mudança no modo de agir dos policiais para que se consiga alcançar tal protagonismo. É imprescindível que se reavalie os métodos atuais frente às diretrizes universais de direitos humanos, bem como se valorize o ser humano policial proporcionando equipamentos e instruções adequadas, capacitando-o a atuar dentro da legalidade, junto com a comunidade e sem qualquer tipo de abuso em suas ações.

As ações de aproximação com a comunidade foram iniciadas nas instituições policiais brasileiras após a promulgação da Constituição Federal de 1988, com a mudança de uma postura institucional de repressão ao “inimigo interno” (BALESTRERI, 2003), para uma postura de prevenção ao crime, com foco no cidadão.

No entanto, a atitude repressiva existente até os dias de hoje entre alguns agentes, é uma barreira que precisa ser transposta todos os dias, incutindo nos policiais a ideia de proteção, visando a redução dos casos de ofensa à integridade física das pessoas abordadas edos policiais envolvidos no atendimento de ocorrências.

Como representante ostensivo do Estado, é fundamental que o policial militar no momento do conflito, saiba utilizar o diálogo ao invés da violência para a resolução da divergência, além de deixar muito clara a sua imparcialidade na solução do problema (DORECKI, 2017).

Por estes motivos o presente policy brief possui relevância científica ao se caracterizar um estudo com estratégia de métodos mistos (CRESWELL, 2010). Inicialmente foi realizado um estudo de caso (STAKE, 1995) sobre as ações desenvolvidas pela Polícia Militar do Paraná, entre os anos de 2015 a 2019, na adoção de políticas públicas voltadas para a promoção dos direitos humanos, com destaque à integridade física das pessoas. No estudo foram utilizados dados secundários (pesquisa bibliográfica, legislativa e documental sobre o tema), análise das mudanças ocorridas na PMPR durante o período pesquisado e entrevista com 4 (quatro) policiais militares envolvidos na adoção das políticas públicas na área de ensino e na aquisição dos instrumentos não letais.

Somado ao estudo das boas práticas foi aplicadoum questionário, direcionado ao efetivo da Corporação, visando verificar a situação atual da tropa em relação aos conhecimentos sobre técnicas de verbalização, mediação de conflitos e uso seletivo ou diferenciado da força no atendimento de ocorrências. Com a análise e discussão dos dados coletados, ao final são realizadas propostas para melhorias na política pública adotada.

Além de descrever ações positivas que podem ser adotadas pelas instituições policiais do país no desenvolvimento de uma cultura favorável à promoção dos direitos humanos e na mudança de uma postura repressivapara uma atitude preventiva, de proteção ao cidadão (BALESTRERI, 2003), este estudo tem como objetivos:

  1. Identificar as boas práticas existentes na Polícia Militar do Paraná para a preservação da integridade física dos envolvidos em ocorrências;
  2. Analisar a possível correlação entre a mudança da política pública sobre direitos humanos adotada pela PMPR nos últimos anos e o reflexo no efetivo policial;

Propor ações complementares às políticas públicas em direitos humanos desenvolvidas pela PMPR visando o aperfeiçoamento do modelo estudado.

FUNDAMENTAÇÃO LEGAL

A Constituição Federal, assim como outros dispositivos nacionais e internacionais, trazem diversos direitos e garantias inerentes a seus cidadãos impondo às polícias servir e proteger a comunidade com elevado grau de responsabilidade (SANTOS; URRUTIGARAY, 2012).

No presente trabalho foi verificado que a política pública estudada encontra seu amparo legal nos estatutos expostos a seguir:

• Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;

• Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948;

• Lei Federal nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014 - Disciplina o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública em todo o território nacional;

• Decreto Federal nº 9.847, de 25 de junho de 2019 - Dispõe sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição;

• Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da lei;

• Portaria Interministerial nº 4.226, de 31 de dezembro de 2010 - SEDH/MJ - Diretrizes sobre o Uso da Força pelos Agentes de Segurança Pública;

• Princípios Orientadores para a Aplicação Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei;

• Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei; e

• Diretriz nº 004 - PM/3, 21 de setembro de 2015 - Estabelece as normas sobre o uso seletivo ou diferenciado da força no âmbito da PMPR.

A TRANSIÇÃO DE UM MODELO REPRESSIVO PARA UMA POLÍCIA CIDADÃ

Ademocracia brasileira é recente. Herdou-se do passado, das mãos de pessoas que não entendiam o nobre papel da polícia, uma atitude incompatível com o espírito democrático. Tais desvios foram denunciados, mas apenas a denúncia não contribui para a mudança de atitudes e de valores institucionais (BALESTRERI, 2003).

As políticas públicas de implementação dos direitos humanos durante o período de redemocratização no Brasil sofreram de uma espécie de esquizofrenia. Se por um lado o Estado, por meio de seus agentes, desenvolvia ações de promoção dos direitos humanos, por outro passava a terceirizar lentamente as principais políticas públicas da área, “demonstrando um claro desengajamento e até uma desresponsabilização” (DELUCHEY, 2016, p. 200).

Mesmo com essa aparente contradição, o processo de redemocratização fez com que as Polícias Militares alterassem sua maneira de atuar por meio de uma formação profissional que colocou os direitos humanos como um dos pilares deste novo modelo (FRANÇA, 2012), superando o entendimento de que as comunidades são teatros de operação, e o policial está em uma guerra contra o crime e a violência (SILVA, 2004).

No entanto, discursos e posturas irresponsáveis de autoridades, com grande apelo popular, “aparentam legitimar excessos praticados pela polícia em nome de que ‘direitos humanos são para humanos direitos’”, tendo o apoio de expressiva parcela da população levando em conta a “votação obtida nas urnas por policiais cuja imagem se associa à da repressão policial pelo recurso à força letal” (ARRUDA, 2013, p. 3 e 4).

Percebe-se pelos exemplos acima, que com o apoio popular que possui para o combate ao crime, a polícia pode desempenhar o papel de principal violadora dos direitos humanos ou de vetor mais promissor e protagonista na sua promoção (BALESTRERI, 2003).

Em pesquisa realizada em 2012,por Lopes, Ribeiro e Tordoro (2016), os autores verificaram que os policiais de rua e os mais jovens possuem uma visão mais desfavorável aos direitos humanos, concluindo que até aquele momento o processo de formação não estava sendo eficaz na inserção de uma cultura de promoção aos direitos humanos e de polícia comunitária nos novos policiais, havendo a necessidade de reformulação do sistema.

Desta forma, pode-se verificar que o ensino deve buscar um novo policial, que usa a reflexão antes de agir (VASCONCELOS, 2019), que pensa a respeito de suas ações e que tem por objetivo a melhoria contínua nos serviços prestados, sempre com foco na comunidade.

Verificando as necessidades apontadas pelos estudos acima apresentados, na próxima seção serão analisadas as boas práticas desenvolvidas pela Polícia Militar do Paraná, entre os anos de 2015 a 2019, voltadas ao desenvolvimento de uma cultura de direitos humanos nos novos policiais e à preservação da integridade física das pessoas abordadas e dos policiais militares envolvidos no atendimento de ocorrências.

ANÁLISE DAS BOAS PRÁTICAS DESENVOLVIDAS PELA PMPR VOLTADAS À PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE FÍSICA

Com a necessidade de incutir nos militares estaduais a cultura de proteção à integridade física dos cidadãos e de promoção aos direitos humanos, a PMPR passou a desenvolver com maior frequência cursos de capacitação aos policiais militares, a fim de cumprir sua missão constitucional de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública sem violar a integridade física dos envolvidos.

Com o advento de novas tecnologias, houve a necessidade de realizar cursos para operadores e multiplicadores de instrumentos não letais, chamados na PMPR de instrumentos de menor potencial ofensivo (IMPO).

Os cursos tratam de Direitos Humanos, uso seletivo da força einstrumento não letal. Há ainda estudos de caso sobre ocorrências em que a força foi utilizada. O objetivo principal é minimizar a incidência de lesões corporais sofridas por pessoas atingidas por instrumento não letal, de forma que comprometam sua integridade física.

De acordo com levantamento junto à Seção de Armas e Munições da Diretoria de Apoio Logístico da PMPR, o único instrumento não letal disponível para a totalidade do efetivo policial militar é o bastão modelo PR-24, também denominado de tonfa.

Os dispositivos elétricos incapacitantes (DEI) são insuficientes para atender todo o efetivo. Além disso, diversos desses aparelhos não atenderam aos requisitos operacionais para emprego.

Segundo informações fornecidas pelo setor competente, está em andamento um processo de aquisição de espargidores de gás de pimenta para uso individual, contemplando todo o efetivo da Corporação. Quanto ao bastão retrátil ainda não existe estudo e nem previsão de compra pela PMPR.

Outra medida adotada pela Polícia Militar do Paraná visando preservar a vida e a integridade física do cidadão foi a atualização das normas sobre o uso seletivo ou diferenciado da força no âmbito da Corporação, por meio da Diretriz nº 004/2015, que está pautada nos documentos internacionais de proteção aos direitos humanos.

A Diretriz apresenta o modelo adotado pela PMPR que segue uma forma piramidal (FIGURA 01), contendo degraus que indicam os diversos níveis de ação/agressão e também os níveis de força a serem empregados pelo policial, que só deve recorrer a determinado nível de força quando os demais níveis menos severos tiverem falhado.

Além de estabelecer todo o regramento sobre o uso seletivo da força, a Diretriz nº 004/2015 institui a “regra ou protocolo de engajamento” para fins de uso da força, inclusive para o uso da força letal, que conforme determina o referido ato normativo é “uma medida extrema e que somente é justificado para a legítima DEFESA DA VIDA!”

FIGURA 01 – MODELO PMPR PARA USO SELETIVO OU DIFERENCIADO DA FORÇA

FONTE: Diretriz nº 004 - PM/3, 21 de setembro de 2015.

Em novembro de 2018 a PMPR assinou convênio com o Poder Judiciário estadual objetivando implantar Núcleos de Mediação de Conflitos no âmbito da Polícia Militar do Estado de Paraná (NUMEC/PMPR), com vistas a promover a preservação da ordem pública por intermédio da solução pacífica das demandas, utilizando como ferramenta a mediação de conflitos, permitindo à população o exercício da cidadania por meio desse recurso pacificador.

A mediação de conflitos consegue incluir características mais humanas na prática policial, dando à vítima maior proteção do Estado (DANTAS, 2012), tornando a comunidade cada vez mais apta a lidar com suas próprias demandas, mitigando eventuais beligerâncias que possam resultar em infrações penais. A estratégia da mediação adotada pela PMPR está alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (Objetivo 16 - Paz, Justiça e Instituições Eficazes), que têm como um dos resultados esperados promover formas alternativas de resolução de conflitos.

No início de 2019 a Corporação firmou outro convênio com o Tribunal de Justiça do Paraná o qual tem por objetivo qualificar os policiais militares com a realização de cursos de capacitação e sensibilização em práticas restaurativas, cultura da paz e métodos consensuais de solução de conflitos.

Em continuidade à efetivação de boas práticas na PMPR, no início de 2019, o Comando-Geral da Corporação determinou ao seu Estado Maior (EM) a elaboração do 1º Ciclo de Instruções PMPR, o qual tem como objetivo ampliar as instruções teóricas e práticas/operacionais, além de fomentar a percepção da necessidade de instruções continuadas na PMPR. Com período determinado entre 11 de fevereiro a 12 de abril, o 1º Ciclo de Instruções abordou, além de outros temas, os seguintes assuntos de interesse do presente trabalho:

• Atuação Policial na Proteção dos Direitos Humanos - Aspectos Gerais da Abordagem Policial com a participação de 2.409 (dois mil, quatrocentos e nove) policiais militares;

• Uso Seletivo e Diferenciado da força com a participação de 3.235 (três mil, duzentos e trinta e cinco) policiais militares;

• Controle, Segurança e Emprego de Instrumentos Não Letais no âmbito da PMPR com efetivo de 2.287 (dois mil, duzentos e oitenta e sete) policiais militares.

Nesse período de oito semanas foram capacitados 7.931 (sete mil novecentos e trinta e um) militares estaduais de todo o Estado do Paraná. Em 1 de julho de 2019 foi publicado o início do 2º Ciclo de Instruções PMPR, visando instruir o restante do efetivo que ainda não participou das capacitações.

Como parte das ações de ensino continuado, no ano de 2019 a Corporação lançou uma palestra na modalidade à distância sobre o uso seletivo ou diferenciado da força. A palestra aborda os principais pontos sobre o uso da força. Disponibilizada a partir do dia 10 de maio de 2019, com pouco mais de um mês na plataforma de ensino, a palestra já foi assistida por 1.447 (mil, quatrocentos e quarenta e sete) policiais militares.

AS POLÍTICAS PÚBLICAS ADOTADAS E O EFETIVO POLICIAL

Com a finalidade de analisar a possível correlação entre a política pública sobre direitos humanos adotada pela PMPR nos últimos anos e o reflexo no efetivo policial, foi elaborado um questionário (APÊNDICE A) por meio da ferramenta “Formulários Google” e durante o mês de junho de 2019 foi encaminhado a grupos de policiais militares de todo Estado, por meio do aplicativo WhatsApp.

Ao todo 297 (duzentos e noventa e sete) policiais militares participaram da pesquisa. Estes policiais responderam a 17 (dezessete) perguntas. Destas, 6 (seis) foram sobre o perfil do policial (dados censitários), 9 (nove) sobre uso seletivo da força, técnicas de verbalização e instrumentos não letais, 1 (uma) questão para confirmar se o participante é policial militar e respondeu apenas uma vez ao formulário e outra questão para verificar se o participante estava lendo as perguntas antes de respondê-las. Com base na pergunta teste foram descartadas as respostas de 6 (seis) participantes na pesquisa.

Na análise das respostas pode ser verificado que os policiais mais novos (até 5 anos de serviço) apresentaram maior percentual de participantes que afirmaram conhecer o modelo piramidal adotado pela PMPR para o uso seletivo ou diferenciado da força (97,14%). Entre os policiais mais antigos (entre 31 e 35 anos de serviço), o percentual de participantes que afirmou desconhecer o modelo foi de 46,15%.

Interessante notar que apenas 7,69% destes mesmos policiais mais antigos (entre 31 e 35 anos de serviço) afirmaram que nunca receberam instrução sobre uso seletivo ou diferenciado da força. Há que se questionar a efetividade da transmissão desse conhecimento aos policiais com mais tempo de serviço, visto que a grande maioria recebeu instrução sobre uso da força, mas não lembra a respeito do modelo piramidal adotado pela PMPR. Esses dados corroboram os resultados encontrados sobre a efetividade no ensino militar relatados por Lopes, Ribeiro e Tordoro (2016), em que os policiais recebem o treinamento, porém não solidificam o conhecimento.

Com relação às instruções sobre técnicas de verbalização e mediação de conflitos, pode-se notar que dos 17,18% dos participantes que afirmaram nunca ter recebido instrução sobre esse assunto, apenas 24% se referem a policiais mais novos (até 10 anos de serviço), enquanto 76% são policiais com mais de 11 anos de serviço. Esses dados demonstram que apesar das instruções terem se intensificado nos últimos anos, ainda não conseguiram atingir o efetivo com mais tempo de serviço.

Quando se analisam os dados entre as carreiras existentes na PMPR (oficiais e praças) percebe-se que apenas 7,45% dos oficiais que responderam à pesquisa afirmam nunca terem recebido instrução prática sobre o uso de algum instrumento não letal. Percentual muito semelhante àqueles que responderam não conhecer o modelo piramidal de uso da força adotado pela PMPR (8,51%).

Na carreira de praças o percentual de policiais que não receberam instrução prática sobre o uso de algum instrumento não letal é de 17,77%. Os que afirmaram não conhecer o modelo piramidal do uso da força é de 16,75%. Apesar dos praças estarem diretamente envolvidos no atendimento de ocorrências na atividade operacional diária, quase 20% ainda não tiveram instrução prática sobre o uso de instrumento não letal e não conhecem o modelo piramidal do uso da força adotado na PMPR.

Ao realizar o cruzamento dos dados de quem nunca recebeu instrução prática sobre o uso dos instrumentos não letais, com as carreiras (Oficiais ou Praças) e funções exercidas (operacional ou administrativa), percebe-se que o efetivo de praças empregado diretamente na atividade operacional possui o maior percentual de respondentes (8,25% do total) que não tiveram contato com esse tipo de instrução. Esse percentual corresponde a 22,22% dos praças responderam ao questionário e trabalham atualmente na área operacional.

Esses resultados mostram que há a necessidade de se intensificar as instruções práticas para os praças que trabalham no atendimento de ocorrências. Essa ação pode colaborar na redução do percentual destespraças(operacionais) que afirmaram não portar nenhum instrumento não letal rotineiramente (49,07%).

POLÍTICAS PÚBLICAS PROPOSTAS

As políticas públicas implementadas pela PMPR para desenvolver em seu efetivo a cultura de proteção dos cidadãos e de promoção aos direitos humanos é um indicativo da preocupação da instituição com o tema. No entanto, algumas medidas adotadas poderiam ser readequadas para maior efetividade e outras poderiam ser somadas aos esforços atuais. Dentre as medidas, sugere-se:

• Criação de um Observatório para tratar da Letalidade Policial Militar, em conjunto compesquisadores das Universidades, objetivando monitorar, estudar, avaliar e proporpolíticas públicas para a preservação da integridade física das pessoas envolvidas em ocorrências;

• Atualização e padronização constante de técnicas e procedimentos no uso seletivo ou diferenciado da força, valorizando a vida e a integridade física;

• Construção de mecanismos eficientes de redução da violência policial, com o monitoramento do uso da força e de sua vitimização, com publicação periódica e obrigatória dos dados, dentro dos princípios de transparência e accountability;

• Expansão do relacionamento da PMPR com os representantes do Escritório das Nações Unidas no Brasil, a fim de orientar, qualificar e monitorar os agentes no tocante às ações de segurança humana voltadas para a redução do uso da força;

• Aquisição de instrumentos não letais,por meio de financiamento dos bancos de desenvolvimento, de maneira que seja cumprida a Diretriz nº 004/2015, a qual prevê que cada policial militar empregado na atividade fim porte no mínimo dois instrumentos de menor potencial ofensivo;

• Ampliação das instruções sobre resolução pacífica de ocorrências e mediação de conflitos, visando fortalecer em todos os policiais a cultura de promoção dos direitos humanos, colocando o cidadão como foco de todas as ações.

CONCLUSÃO

Segundo Balestreri (2003), um grande desafio a ser superado nas instituições policiais é a falsa ideia de que a promoção dos direitos humanos é incompatível com o combate à criminalidade. Essa barreira se torna ainda mais difícil de transpor quando a cultura existente no país apoia o uso excessivo da força no combate ao crime, em virtude do emprego de meio violentos na prática delitiva. A diferença entre os infratores e os policiais está no fato de que estes devem obediência à lei no exercício de sua missão e não podem embasar sua prática na expressão “os fins justificam os meios”.

O ensino é a mola propulsora para efetivar, na prática, as ações em direitos humanos, dada a sua indissociabilidade em relação à execução de políticas públicas. Esse ensino deve reconhecer o processo histórico de desenvolvimento dos direitos humanos, entendendo a interdisciplinaridade e a multiculturalidade como possibilidades concretas.

Ao adotar políticas públicas voltadas para a preservação da integridade física das pessoas envolvidas no atendimento de ocorrências, a Polícia Militar do Paraná mostra que está preocupada com seu papel de protagonista na promoção dos direitos humanos e que busca preparar seu efetivo na execução dessa proposta.

A educação contínua para o uso da verbalização no trabalho diário, precedendo ou evitando o uso da força, seja de forma presencial ou por meio de ferramentas de educação à distância, aliada à disponibilização de técnicas de mediação de conflitos e de instrumentos não letais, fornece aos policiais opções para a resolução pacífica das ocorrências.

Percebe-se no presente estudo a necessidade de direcionar os esforços de ensino sobre a promoção dos direitos humanos e uso seletivo da força para os policiais empregados diretamente na atividade operacional. Aliado à instrução, o fornecimento e a exigência do porte de instrumentos não letais poderá reduzir o número de ocorrências com danos graves à integridade física. Ter o instrumento não letal disponível pode evitar o uso desnecessário da arma de fogo no atendimento de ocorrências.

 

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