VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA CARDÍACA E NÍVEL DE ESTRESSE EM POLICIAIS MILITARES DO PARANÁ APÓS INTERVENÇÃO EM OCORRÊNCIA COM EXPLOSIVOS

Gabriel Grani1

Leonardo Farah

Jean Carlos Calabrese

Anderson Caetano Paulo

 

RESUMO

A profissão policial está entre as mais estressantes, sendo citados pelos policiais como fatores de estresse, procedimentos burocráticos excessivos, preocupação com familiares e experiências de incidente traumáticos. O objetivo do presente trabalho foi comparar o nível de estresse e a variabilidade da frequência cardíaca, entre o início e o final de um plantão de trabalho. Amostra de 9 voluntários, que no início do turno de serviço (7:00 am), responderam ao questionário Daily Analysis of Life Demands in Athletes (DALDA) e tiveram sua variabilidade da frequência cardíaca (VFC) monitorada. Após 24 horas de serviço (7:00 am), com o atendimento de ocorrência envolvendo explosivos em três diferentes cidades do Estado do Paraná, submeteram-se aos procedimentos iniciais. Para as fontes e sintomas de estresse, o teste de Wicoxon revelou que não houve alteração significante entre os momentos de plantão. Sobre a VFC, o teste T revelou haver diferença estatística, a raiz quadrada média das diferenças sucessivas entre os ciclos normais (rMSSD) reduziu 25,45% e a baixa frequência (LF - low frequency) (Hz) reduziu 28%. Os resultados sugerem não haver alterações no nível de estresse percebido pela amostra, e ainda, apresentou uma diminuição da VFC. O fato de não haver redução nas fontes e sintomas de estresse era esperado, podendo ser atribuído ao alto grau de treinamento e a uma adequada estratégia de coping por parte dos policiais. A redução na VFC, pode ser atribuída por uma redução da ativação do sistema parassimpático. Indicando cansaço físico/mental normal de um final de plantão, e não fruto do estresse emocional em decorrência da ocorrência.

Palavras-chave: Estresse policial. Saúde laboral. Sistema nervoso autônomo. Polícia. Desempenho profissional.

 

HEART RATE VARIABILITY AND LEVEL OF STRESS IN PARANÁ MILITARY POLICE AFTER INTERVENTION IN INCIDENTES WITH EXPLOSIVES

 

ABSTRACT

The police profession is one of the most stressful, being quoted by policemen as stress factors, excessive bureaucratic procedures, family worries and experience in traumatic incidents. The objective of the present work was to compare the level of stress and the heart variability rate, between the beginning and the end of a work shift. The research used 9 volunteers, which in the beginning of the shift (7:00 am), answered to Daily Analysis of Life Demands in Athletes (DALDA) and had your heart rate variability (HRV) monitored. After 24 hours of service (7:00 am), with attendance of incident involving explosive in three different cities in the State of Paraná, they submitted to the initial procedures. For the sources and symptoms of stress, the test of Wicoxon revealed that there wasn’t a significant change between the moments in the shift. About the HRV, the T test revealed a difference in the statistics, the root mean square successive difference (rMSSD) reduced by 25,45% and the low fequency (LF) (Hz) reduced by 28%. The results suggest that there wasn’t a change in the level of stress noticed by the sample, and still, showed a decrease of HRV. The fact that there wasn’t a reduction in the sources and symptoms of stress was expected, being able to be attributed to the high degree of training and a proper strategy of coping by the policemen. The reduction of HRV, can be attributed by a reduction in the activation of the parasympathetic system. Indicating normal physical/mental tiredness at the end of the shift, and not the result of emotional stress due to the occurrence.

Keywords: Police stress. Occupational health. Autonomic nervous system. Police. Professional performance.

 

 

1 INTRODUÇÃO

Dentre os estudos sobre estresse laboral, é consenso que a profissão de policial militar está entre as mais estressantes (ACQUADRO MARAN et al., 2015; BAPTISTA et al., 2017; GERSHON et al., 2002; GLEDHILL e JAMNIK, 1992; PENDLETON et al. 1989; SOUZA e MINAYO, 2005). São citados como fatores estressantes procedimentos burocráticos em excesso, preocupação com familiares, falta de apoio da mídia e população, e experiências de incidente traumáticos (ALEXANDER e WALKER, 1996; BIGGAM et al., 1997; BROWN et al. 1999; MINAYO et al. 2011; WALKER, 1997). Apesar do consenso, há muito tempo pesquisadores revelam a necessidade de produzir conhecimento a partir de abordagens quantitativas (MCCREARY e THOMPSON, 2006; SILK et al. 2018; STINCHCOMB, 2004) e logo após ocorrências de alto risco.

O estresse é uma relação entre a ameaça percebida de uma demanda emocional, física ou psicossocial e a avaliação da capacidade de resposta para atender essa demanda. Um desequilíbrio agudo do nível de estresse pode desencadear reações no organismo psicofisiológicas capazes de alterar o equilíbrio físico e mental do policial (BAPTISTA et al., 2017; NELSON e SMITH, 2016), colocando em risco a integridade física de toda a equipe e o sucesso da operação. Nesse sentido, seria importante monitorar o nível de estresse a fim de avaliar as alterações psicofisiológicas de policiais militares em ações operacionais reais.

Sobre as alterações psicométricas, há décadas se reconhece que a resposta ao estresse não é fruto isolado daquele momento, mas a intensidade da resposta estaria associada a fatores de treinamento prévio, experiências anteriores, nível de satisfação com as necessidades básicas, fisiológicas, sociais, afetivas e de realização (FENZ, 1974; KURTZ et al., 2015). Nesse sentido, Rushall (1990) desenvolveu uma medida psicométrica que tem o intuito de quantificar a fonte e sintoma de estresse em um determinado momento, a partir de um questionário denominado Daily Analysis of Life Demands in Athletes (DALDA), o qual a sua versão adaptado a língua portuguesa já foi demonstrado sua eficácia e sensibilidade no monitoramento de alterações de fontes e sintomas de estresse em atletas de diferentes modalidades (MOREIRA; CAVAZZONI, 2009), e ainda, que já se mostrou útil para avaliar Militares (GOMES et al., 2016).

Já sobre a alteração quantitativa, sabe-se que frente o nível de estresse pode estar associado ao balanço simpato-vagal do policial militar (ANDREW et al., 2017; STRAHLER e ZIEGERT, 2015). O sistema nervoso parassimpático é inibido e o sistema nervoso simpático estimula liberação de adrenalina pela glândula adrenal, aumenta a frequência cardíaca, pressão arterial, frequência e profundidade respiratória, resulta na redistribuição do fluxo sanguíneo para musculatura, preparando o organismo para situações de luta e fuga. Uma das inferências desse balanço simpato-vagal é medido pela variabilidade da frequência cardíaca (VFC) tanto no domínio do tempo quanto da frequência (TASK FORCE, 1996). Strahler e Ziegert (2015) demonstrou uma redução da VFC após um tiroteio simulado na academia de tiro. No entanto, quase nada é conhecido sobre as alterações cardiovasculares de policiais durante situações de emergências reais.

Por um lado, uma demanda operacional de alto risco de morte ou acidente é intervenção em ocorrências envolvendo materiais explosivos (JUNIOR, 2017) por parte de policiais militares do esquadrão antibombas. E por outro lado, esse policial militar é pertencente a um grupamento de elite denominado Batalhão de Operações Especiais – BOPE (PARANÁ, 2010), sendo que para formar este policial com capacidade de manusear e operar com explosivos, sob as mais diversas situações estressantes, são necessários treinamentos diferenciados denominados de Capacitação das Forças Especializadas ou Forças de Capacidades Especiais (DENÉCÉ, 2009). Esses cursos de capacitação apresentam traços diferentes dos demais treinamentos executados pela Polícia Militar, haja vista, a peculiaridade das atividades que serão executadas (NETTO, 2012). Os procedimentos de seleção e treinamento são criteriosos, para certificar de que apenas os profissionais com grande resistência física e mental obtenham êxito (NETTO, 2012). Nesse sentido, seria importante verificar qual seria o comportamento psicofisiológico desses policiais após o atendimento desse tipo ocorrência.

O objetivo do presente trabalho foi comparar o nível de estresse e a variabilidade da frequência cardíaca, entre o início e o final de um plantão de trabalho após intervenção em ocorrência com explosivos. Partimos da hipótese que os policiais do Esquadrão Antibombas não terão uma elevação significativa dos níveis de estresse e que haverá uma redução significativa da VFC no final do plantão. Essa combinação indicaria um estado de alerta ótimo para desempenhar as funções laborais.

 

2 MATERIAIS E MÉTODOS

AMOSTRA

O recrutamento da amostra foi na forma de convite e por conveniência entre os dias 20 e 26 de novembro de 2018 durante o plantão de trabalho dos policiais militares classificados no Esquadrão Antibombas, do BOPE, situado na cidade de Curitiba, Paraná - Brasil. Os procedimentos experimentais foram aprovados pelo Comandante local e pelo Comitê de Ética da Universidade Tecnológica Federal do Paraná sob o parecer 2.133.438. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, seguindo as normas do Conselho Nacional de Saúde (Resolução no 466/2012).

 

DAILY ANALISYS OF LIFE DEMANDS FOR ATHLETES (DALDA)

O DALDA é dividido em duas partes e tem o intuído de identificar alterações de fontes e sintomas de estresse de um determinado momento (RUSHALL, 1990). A primeira parte é composta por 9 (nove) questões que mensuram as fontes de estresse. Já a segunda parte contém 25 questões que identifica os sintomas de estresse. Conceitualmente a fonte de estresse seria o aparecimento da ameaça e o enfrentamento da condição estressante, como por exemplo, operar com explosivos. Já o sintoma de estresse estaria relacionado à alteração das emoções (i.e. prazer, medo, indiferença, cansaço, agressividade, volição) frente à fonte estressora. Foi dado uma pontuação arbitrária para cada uma das 3 (três) opções de respostas sendo 3 pontos – pior que o normal; 2 pontos – normal; e 1 ponto – melhor que o normal. Para fins de análise foi utilizado o somatório geral das respostas de cada parte.

 

VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA CARDÍACA (VFC)

A representação das modificações no intervalo dos batimentos cardíacos (R-R) foi captada por meio de um cinto modelo T31 coded Polar. O cinto transmitiu os impulsos para o receptor WCS Pulse (FARAH et al., 2017). Para captação o receptor foi calibrado para detectar pulsos de radiofrequência na faixa de 5KHz (+/-100Hz). Cada receptor continha um cabo USB que transmitiu os dados recebidos para um computador que contém o software da WCS Pulse e arquivou os intervalos R-R no formato de milissegundos no formato txt. Para essa coleta seguiu-se todas as recomendações da Task Force (TASK FORCE, 1996).

Para determinação das variáveis temporais e espectrais da VFC recorreu-se ao HRV Kubios Software. No domínio do tempo foi calculada a média normal de intervalo (RR médio); a raiz quadrada da média do quadrado das diferenças entre os intervalos RR normais adjacentes (rMSSD) e a porcentagem dos intervalos RR adjacentes com diferença de duração superior a 50ms (pNN50%). Por sua vez, as variáveis espectrais analisadas foram a LF2 (baixa frequência = 0,04 – 0,15 Hz) que está associado ao sistema simpático; HF3 (alta frequência = 0,15-0,40 Hz) que está associado ao sistema parassimpático; e a razão LF/HF (balanço simpato-vagal).

 

PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS

O turno de serviço dos policiais militares do Esquadrão Antibombas é de 24 horas, e estes militares foram convidados a participar do experimento no início do plantão, que inicia e termina as 7:00 AM. A amostra foi composta por 8 homens e 1 mulher, com uma média de idade de aproximadamente 31 anos e tempo de serviço na corporação de aproximadamente 8 anos. Após o aceite, cada voluntário foi encaminhado para uma sala silenciosa do BOPE, na cidade de Curitiba-PR, Brasil. Neste local os policiais permaneceram sentados para responder o DALDA e tiveram o cinto modelo T31 coded Polar fixados e ajustado no tórax. O transmissor do cinto foi umedecido para facilitar a captação dos intervalos R-R. A seguir o policial permaneceu em decúbito dorsal em um tatame e teve os batimentos cardíacos monitorados por um período de 5 minutos. Nesse período os participantes foram orientados a não dormir, evitar alterações voluntárias no ritmo respiratório (bocejar ou inspirar profundamente). Essa coleta aconteceu entre 7:00 e 7:30 AM. Após a coleta inicial os policiais do Esquadrão Antibombas seguiram normalmente sua rotina de trabalho.

Nos dias 20, 21 e 26/11/2018 os policiais de plantão foram acionados para atender a uma ocorrência envolvendo explosivos nas cidades de Carambeí, Londrina e Paranavaí.

Após o atendimento da ocorrência os policiais militares retornaram ao Quartel do Comando Geral para finalizar o plantão de trabalho. À medida que os policiais militares foram chegando, eles foram conduzidos para a mesma sala do início do plantão e foram novamente submetidos aos mesmos procedimentos para responder o DALDA e ter a mensuração da VFC. Essa segunda coleta também aconteceu entre 7:00 e 7:30 AM nos dias 21 e 27/11/2018; e entre 12:00 e 12:30 PM no dia 22/11/2018.

 

3 ANÁLISE ESTATÍSTICA

Foram realizadas análises estatísticas descritivas (média, desvio padrão, percentual) para o início e o final do plantão de trabalho. A normalidade e homogeneidade dos dados foram examinadas pelo teste de Shapiro Wilk. A seguir foi utilizado o teste de Wilcoxon para identificar alterações nas fontes (parte 1) e sintomas de estresse (parte 2) a partir das respostas do DALDA; e o teste T pareado para identificar alterações na frequência cardíaca (FC) e nos parâmetros da VFC. O nível de significância estatística considerado em todas as análises foi de 5% (p < 0,05). Os cálculos estatísticos foram realizados pelo software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0.

 

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Onze policiais militares foram incluídos no estudo, no entanto dois policiais foram excluídos porque não participaram de nenhuma ocorrência envolvendo material explosivo. Relata-se também que um policial participou de duas ocorrências e considerou-se para análise a resposta do DALDA e a VFC da primeira ocorrência. Assim o estudo finalizou com nove policiais militares. Os dados dos policiais e dos plantões estão dispostos na tabela 1.

Tabela 1 - Características dos policiais militares e dos plantões de serviço

Variáveis

 

Homens (mulheres)

08 (01)

Idade (anos)

31,88 ± 4,13

Massa (kg)

85,90 ± 10,99

Estatura (cm)

1,78 ± 0,05

IMC (kg.m2)

27,10 ± 2,80

Tempo como policiai militar (anos)

7,88 ± 3,48

Tempo como policial do esquadrão antibombas (anos)

1,66 ± 1,00

Tempo de emprego somado ao deslocamento (horas)

14,25 ± 6,16

Distância percorrida no atendimento da ocorrência (Km)

682,00 ± 375,18

Duração total do turno de serviço (horas)

26,00 ± 3,46

Fonte: dados do estudo

Sobre as fontes e sintomas de estresse, o teste de Wicoxon revelou que não houve alteração significante entre os momentos de plantão (Tabela 2). A frequência de respostas melhor que o normal, normal e pior que o normal também foi similar entre o início e o final do plantão (Figura 1).

 

Tabela 2 – Fontes e sintomas de estresse em policiais militares do esquadrão antibombas pré e pós ocorrência de recolhimento de material explosivo

 

Pré-ocorrência

(Σ)

Pós-ocorrência

(Σ)

Z

P

Fontes de estresse

17,33 ± 2,50

16,78 ± 2,62

-0,680

0,496

Sintomas de estresse

48,89 ± 5,73

46,3 ± 6,98

-1,763

0,078

Fonte: dados do estudo

 

 

Figura 1- Frequência de respostas do nível de estresse em policiais militares do esquadrão antibombas pré e pós recolhimento de material explosivo

Fonte: dados do estudo

 

Pode-se afirmar que realizar intervenções envolvendo material explosivo é uma atividade de alto risco. Os explosivos ganharam aplicações no campo da criminalidade, principalmente na explosão de caixas eletrônicos (JUNIOR, 2017). Em geral esses artefatos utilizados pelos criminosos são produzidos e manuseados sem a devida segurança. E após a tentativa de roubo, pode sobrar resíduos ativos. No entanto, apesar dessa alta demanda emocional, os policiais da amostra não apresentaram alterações nos sintomas de estresse percebido. Provavelmente esse controle ao estresse esteve atrelado a característica dos policiais da nossa amostra ou particularidades da ocorrência em questão.

Sobre as características dos policiais do Esquadrão Antibomba, observou-se que 66% da amostra revelou algumas fontes e sintomas de estresses “pior que o normal”, já no início do plantão (figura 1). E entre os policiais que apontaram esse alto nível de estresse no início do plantão, a má qualidade do lazer 55%, seguido por má qualidade do sono (33%). A porcentagem de policiais do Esquadrão Antibombas com fontes e sintomas de estresse pior que o normal logo no início do plantão é alta, e essa característica está em consonância com a literatura (ACQUADRO MARAN et al., 2015; GERSHON et al., 2002; KURTZ et al., 2015). No entanto, o nível de estresse dos policiais do Esquadrão Antibombas não alterou pós-ocorrência, o que sugere uma adequada estratégia de coping ou enfrentamento (ACQUADRO MARAN e colab., 2015; NELSON e SMITH, 2016). O coping significa investir o próprio esforço consciente para resolver problemas, tentar dominar, minimizar ou tolerar conflitos e o estresse. Estudos revelaram que policiais experientes e homens apresentam melhores estratégias de coping para enfrentar níveis de estresse que os novatos e policiais do sexo feminino (ACQUADRO MARAN e colab., 2015; WHITE e colab., 1985). Nossa amostra é composta por oito policiais homens e uma única policial mulher. Assim pelo baixo número de amostra de ambos os sexos, não foi possível comparar se há diferença entre os homens e mulheres no esquadrão antibombas.

Sobre as particularidades das ocorrências, os relatórios oficiais não revelaram nenhuma intercorrência, o que indicou sucesso em todas as operações. Caso houvesse alguma intercorrência, os sintomas de estresse poderiam ser diferentes. É importante ressaltar que apesar do nosso estudo não ter monitorado os sintomas de estresse e a própria VFC durante o recolhimento dos resíduos explosivos, a coleta de dados no final do plantão demonstra que o policial estava com sintomas de estresse similares ao início do plantão.

Já sobre os batimentos cardíacos, o teste T revelou haver diferença estatística em alguns indicadores da VFC (tabela 2). A RMSSD reduziu 25,45% e o LF (Hz) reduziu 28%. As outras alterações não foram estatisticamente significantes.

 

Tabela 2 – Alterações cardiovasculares em policiais militares do esquadrão antibombas pré e pós recolhimento de material explosivo

 

Pré-ocorrência

Pós-ocorrência

FC (bpm)

66,58 ± 6,77

65,49 ± 9,80

RR médio (ms)

918,65 ± 91,91

936,23 ± 131,06

RMSSD (ms)

52,54 ± 21,20

39,17 ± 8,78*

pNN50 (%)

20,27 ± 15,64

17,95 ± 12,23

LF (Hz)

0,11 ± 0,01

0,08 ± 0,03*

HF (Hz)

0,26 ± 0,06

0,27 ± 0,07

LF (n.u.)

49,79 ± 18,37

51,80 ± 13,53

HF (n.u.)

47,93 ± 16,38

39,11 ± 22,48

LF/HF

1,46 ± 1,53

1,41± 1,28

* Valor pós-ocorrência é diferente do valor pré-ocorrência (P < 0,05); Fonte: dados do estudo

 

A VFC pode ser considerada um indicador quantitativo do nível de estresse tanto de ordem emocional quanto física em policiais militares. Uma boa regulação cardiovascular de curto prazo possibilita ajustes imediatos da FC e da pressão arterial em situações de modificação aguda das demandas emocionais ou fisiológicas (PUMPRLA et al., 2002). Uma ativação robusta do sistema nervoso simpático associado a uma abrupta redução do sistema nervoso parassimpático pode resultar em desfechos cardiovasculares negativos como arritmias, tontura, tremores e em casos extremos, a morte súbita (SHEN e ZIPES, 2014). De fato, há relatos que 45% das mortes de policiais militares e bombeiros militares em serviço são causados por problemas cardiovasculares (KALES et al., 2009). Uma das explicações para esse desfecho estaria associado a uma alta demanda emocional e física com uma má regulação cardiovascular.

Os indicadores cardiovasculares medidos no início do plantão sugerem um funcionamento normal para nossa amostra (tabela 2). Inclusive um valor médio de 52 ms para o RMSSD é um indicativo de bom nível de condicionamento físico. Por sua vez, a redução do LF (Hz) sem aumento da relação LF/HF indicam que a redução da VFC por uma redução da ativação do sistema parassimpático e não ocorreu por um aumento significante do sistema simpático. Esse comportamento sugere cansaço físico/mental normal de um final de plantão, e não fruto do estresse emocional em decorrência da ocorrência. A redução da VFC ao final de plantão também já foi demonstrada em bombeiros militares (SPACASSASSI, 2015).

Apesar das limitações que serão apontadas, nosso estudo serve como ponto de partida para futuras pesquisas. As três ocorrências analisadas não relataram intercorrências. E apesar da literatura apontar que mulheres podem apresentar diferentes estratégias de coping (ACQUADRO MARAN et al., 2015; WHITE et al., 1985) ou respostas para VFC (SEQUEIRA, 2019), a análise sem a policial do sexo feminino não alterou os resultados. Assim futuras pesquisas podem: i) verificar a resposta de estresse e VFC de policiais do Esquadrão Antibombas diante de plantões em que há intercorrências; e ii) avaliar e reavaliar a estratégia de coping do mesmo policial em situações de diferentes ocorrências.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo verificou o nível de estresse e a variabilidade da frequência cardíaca, entre o início e o final de um plantão de trabalho após intervenção envolvendo explosivos em cidades do interior do Estado do Paraná, sobre as respostas agudas do nível de estresse e indicadores de regulação autonômica em policiais do Esquadrão Antibombas, do BOPE da Polícia Militar do Paraná. Os principais resultados revelaram que não houve redução nas fontes e sintomas de estresse, mas houve redução na VFC. Esses achados corroboraram com as hipóteses iniciais, pois esperava-se que não houvesse redução das fontes e dos sintomas de estresse devido ao rigor na seleção e alto grau de treinamento da amostra. E com o estresse da ocorrência e a fadiga física e metal após uma jornada de 24 horas de serviço era esperado a redução na VFC. Não é de conhecimento dos autores se há outro estudo similar na literatura.

Essa pesquisa pode auxiliar as organizações policiais a encontrarem formas de monitorar se os níveis de estresse agudo dos seus militares estavam adequados para atender as ocorrências de alto risco. Além disso, a associação de indicadores qualitativos e quantitativos (questionário e VFC) contribuem para uma melhor compreensão de como gerenciar e treinar as habilidades emocionais de policiais militares.

 

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